Uma questão-chave



Membro da Comissão Política do PCP

Actualmente quase todos os Partidos e organizações sociais criticam o Governo PS verificando-se, simultaneamente, o alastrar do descontentamento. Mas há contradição e até antagonismo na substância da crítica e nos interesses que dela decorrem.

Os partidos da direita e, simultaneamente, alguns sectores do grande capital, desencadearam pressões mais acentuadas em torno das questões da fiscalidade, da segurança pública e de outros aspectos com impacto mediático, contornando sempre as causas estruturantes onde residem os grandes problemas nacionais. E não o fazem porque sabem que a questão central está na política de direita praticada pelo Governo PS. Querem alternância de governo sem alternativa de política e de modelo económico inserido no sistema que engendra a exploração, as injustiças e as desigualdades sociais.

Enquanto os partidos de direita acentuam o radicalismo verbal com arranjos de populismo, alguns capitalistas e economistas às suas ordens começam a preparar terreno para culpar o Estado, os trabalhadores e os seus salários pelas dificuldades económicas e falta de produtividade das empresas, deixando intocados e incólumes precisamente aqueles que acumularam fortunas e privilégios sem nada arriscar, que se sentaram e banquetearam à mesa do Orçamento, bastando lembrar como exemplo que os donos de três bancos, só no ano passado, tiveram 178 milhões de contos de lucros (tanto como o rendimento anual dos 200 mil operários têxteis, incluindo férias e subsídio de Natal). Aliás é precisamente um desses banqueiros que, apesar dos seus lucros fabulosos, se propõe despedir 1500 trabalhadores bancários.

Não embarcando, nem no estilo nem na linha de argumentação crítica do capital e da direita em relação ao Governo do PS, os trabalhadores, as suas organizações, não podem calar as graves responsabilidades do executivo de Guterres na actual situação.

Para além da sua contribuição e assinatura nas medidas e orientações da União Europeia, cujos centros de decisão olham para nós mais como povo da “pedincha” do que país soberano e reivindicativo, o Governo do PS tem responsabilidades particulares na desvalorização e destruição do aparelho produtivo nacional, acompanhada da espiral das privatizações de sectores básicos e estratégicos, com um comportamento de “navegação à vista”.

Não pode ser silenciado todo o moroso e pensado processo de destruição da Siderurgia Nacional, que culminou no acto de encerramento, arrastando consigo 800 postos de trabalho. Não se trata da morte de mais uma empresa que não sobreviveu à concorrência do mercado. O país, a partir de 31 de Março, deixou de produzir uma barra de aço que seja por razões que são de interesse dos senhores da Europa. Faça-se o registo histórico de mais esta “medalha” para o PS.

No plano social e dos salários o Governo, onde teve poder de decisão, penalizou os trabalhadores da Administração Pública, instrumentalizando os níveis de inflação para impor a desvalorização dos seus salários.

Orientou os administradores das empresas públicas para desactivar a luta em empresas e sectores que sempre foram motores do desenvolvimento da acção reivindicativa, com propostas de base negocial razoável, enquanto concertadamente surgia a voz “autorizada” do Governador do Banco de Portugal a proclamar a necessidade da contenção dos salários, seguido de um conclave de economistas de direita a concluir não só da necessidade da contenção mas da redução dos salários.

Deu imenso jeito esta ajuda, já que os banqueiros, a par das associações patronais da têxtil, vestuário, calçado, curtumes, gráficos e construção civil, medindo a capacidade de luta dos trabalhadores, bloqueou os processos negociais em curso.

A luta dos trabalhadores e do movimento sindical

A acção e luta reivindicativa, configurada nos grandes parâmetros definidos pela CGTP-IN, com relevância para a valorização dos salários, numa base de critérios objectivos, para o prosseguimento da redução da jornada de trabalho e da efectivação dos direitos, complementadas pela reivindicação do aumento das férias, de mais saúde e segurança nos locais de trabalho, apontava como espaço de intervenção prioritário e estratégico a empresa e o local de trabalho. Para além do clássico e necessário esclarecimento e envolvimento dos trabalhadores em torno da proposta reivindicativa para o sector, verificou-se em centenas de empresas o ressurgimento dos cadernos reivindicativos (por vezes uma só reivindicação aglutinadora) construídos e negociados pela organização de base.

Está por fazer o balanço das greves e paralisações, dos plenários e abaixo-assinados realizados a nível de empresa e os efeitos da luta no aumento da sindicalização e de delegados sindicais, com destaque para a eleição de centenas de jovens.

Uma outra frente de trabalho inovador é a acção junto dos trabalhadores precários e imigrantes.

As dificuldades específicas que se colocam ao movimento sindical para intervir e organizar exigiu uma linha de trabalho no sentido de “ir lá”, conhecer a realidade, avançar com reivindicações a apresentar às empresas e, posteriormente, delas dar conhecimento aos trabalhadores. Nas obras do Alqueva, por exemplo, a União Sindical de Beja, em conjunto com os sindicalistas, apresentou um caderno reivindicativo à EDIA, que tentou despachar para os empreiteiros. Arriscou-se marcar um plenário de trabalhadores mesmo que fosse só para 10 ou 20. Participaram mais de 200 e hoje há um processo negocial em curso visando o aumento salarial da hora de trabalho, melhores instalações e refeitórios.

A situação dos imigrantes reclama em primeiro lugar a intervenção sindical, já que a questão central está na sua condição de trabalhador. Para além da natural solidariedade de classe importa defender o trabalho com direitos e dar combate às ilegalidades até porque quanto mais se defender o estatuto do trabalhador (seja oriundo dos países de Leste, de África ou do Brasil) mais se reforça a defesa dos interesses de todos os trabalhadores.

 

A reivindicação da redução da jornada de trabalho sempre constituiu um objectivo de grande fôlego, e com carácter permanente, do movimento operário e sindical.

Está adquirido que tal reivindicação, para ter êxito, precisa que os trabalhadores a sintam e lutem por ela nos diversos momentos e patamares da acção reivindicativa, sem nunca descurar a importância da proposta e do acto legislativo.

Apresentado que está o projecto-lei das 35 horas, por iniciativa do Partido, definida que está em tese e orientação da CGTP-IN a respectiva reivindicação, importa agora no terreno e junto dos destinatários principais tentar envolver para concretizar este grande objectivo. Pontualmente, isso foi conseguido. Mas, num quadro em que todo o sector da Administração Pública já alcançou esse horário, quando ainda está fresco o esforço notável de alguns sectores para alcançar as 40 horas, quando para grandes sectores existem definições de outras prioridades, importará, sem dúvida, fazer uma avaliação geral e encontrar pontos de partida e sectores de trabalhadores que possa constituir a força do exemplo na luta pela redução do horário de trabalho.

Num quadro de desvalorização e destruição do aparelho produtivo nacional, tendo em conta consequências sociais e laborais das privatizações, das deslocalizações das empresas, a luta contra os despedimentos e pelo emprego vai ter de se acentuar e desenvolver. O envolvimento solidário das populações face ao encerramento de empresas, tal como o dos utentes em relação à defesa do sector público e dos serviços públicos e dos interesses dos trabalhadores e do país teve expressão de grande significado, entre outras, na luta contra o encerramento da Clark em Arouca, da Estaco, da Triunfo, na Tribuna Pública promovida pelas organizações dos trabalhadores dos transportes.

A insistência do Governo e dos centros de decisão do capital em manter uma linha de desregulamentação, mobilidade e precariedade, que atinge particularmente os jovens e as mulheres, reclama denúncia e combate e a exigência do emprego com qualidade e com direitos. Para além da intervenção quotidiana dos sindicatos, merece relevo a Campanha Nacional promovida pela InterJovem, que durante todo o mês de Março percorreu o país e as empresas numa campanha de contacto com os jovens trabalhadores, sob o lema “Precariedade a vergonha nacional”.

A questão dos conteúdos da regulamentação da Lei de Bases da Segurança Social, tendo em conta a fortíssima pressão das seguradoras e da direita para adulterar o sentido positivo da Lei de Bases, a defesa da saúde como um direito e das normas positivas da Lei de Higiene, Saúde e Segurança nos Locais de Trabalho, são áreas que exigem atenção e trabalho num futuro próximo.

Saber priorizar para melhor intervir e organizar vai ser uma condição decisiva.

A manifestação descentralizada de 24 de Março passado, organizada pela CGTP, constituiu um bom ensaio para as comemorações do 1º de Maio que, incontornavelmente, assumirá uma componente de luta.

E sendo verdade que os desenvolvimentos da situação política e económica poderão ir no sentido do agravamento, sendo um facto que existem dificuldades e fragilidades do movimento operário e sindical para responder a um oceano de problemas e frentes de trabalho, a vida e os factos comprovam que dificuldade não significa impossibilidade.

A questão-chave está na luta e no seu desenvolvimento, em primeiro lugar para defender e afirmar os direitos do trabalho e, em segundo lugar, para dar combate a esta política e finalmente para constiituir um elemento incontornável duma alternativa de esquerda em Portugal.

«O Militante» - N.º 252 - Maio/Junho 2001