Notas
e
Comentários

O avanço da precaridade no emprego

Foi já em 12 de Abril que o deputado do PCP Lino de Carvalho apresentou, na Assembleia da República, uma interpelação sobre “Qualidade de emprego na defesa dos salários e na efectivação dos direitos laborais”.
Do texto dessa interpelação, que é extenso e muito completo, interessa especialmente, para esta Nota, dados sobre a importância crescente do trabalho precário.
Entretanto, a interpelação começou com a leitura de uma circular de uma empresa alugadora de mão de obra que põe a nu aonde já se desceu no “emprego” praticado em Portugal. É uma vergonha que mostra bem o desprezo pelos direitos humanos que grassa no País e de cuja responsabilidade não pode ser dispensado o actual Governo. Diz a circular: “Forneço pessoal a entregar em qualquer parte do País, desde o Norte até ao Sul... A nossa empresa trabalha com pessoal de nacionalidade portuguesa, Guiné-Bissau, Angola, Cabo Verde, Polónia, Bósnia, Ucrânia e Moldávia. É de informar que o meu pessoal... trabalha muitas horas, incluindo sábados, domingos e feriados. Nas horas extras, sábados, domingos e feriados o preço hora facturado será sempre o mesmo. Fazemos entrega do pessoal com a máxima rapidez, dependendo das quantidades pedidas.”

Em 1995, já havia 11% de trabalhadores (cerca de 336 mil) com contratos não permanentes. Aquela percentagem aumentou para 19% (mais de 650 mil trabalhadores) e em relação aos jóvens, dos 15 aos 25 anos, a percentagem passou de 37%, em 1998, para 41%, em 1999.

Tais situações existem nomeadamente nas grandes superfícies comerciais, no Alqueva, na construção civil (em especial no distrito de Lisboa), na Grundig (Braga), Siemens (Évora) e outras grandes empresas. Além disso passaram a existir empresas de trabalho temporário ou de aluguer de mão de obra onde “tudo parece ser permitido”. Já há contratos ao dia e proliferam os recibos verdes e o falso trabalho independente; há trabalho à hora, à peça e à tarefa.
Trabalhadores efectivos são despedidos ou mais ou menos forçados a rescindir o contrato e depois são admitidos, na mesma empresa e na mesma função, contratados por empresas de trabalho temporário, por vezes sem recibo de vencimento nem desconto para a Segurança Social.
O facto de tais fenómenos também surgirem na Administração Pública mostra bem como o próprio Governo pactua com ilegalidades e com a hiperexploração dos trabalhadores.

Segundo o DN (6.6.00) “o número de trabalhadores precários no Estado não para de crescer”. São contabilizados entre 30 e 40 mil trabalhadores nesta situação, em particular na saúde e educação. contratação que visam

Já “não se trata de «recibos verdes» herdados pelo Partido Socialista, mas de novas e sofisticadas formas de suprir necessidades permanentes do Estado com pessoal sem qualquer vínculo ou segurança.”
Sobre esta situação, o PCP apresentou dois projectos de lei, um, que altera a legislação dos contratos de trabalho a termo, e outro, que reforça e garante os direitos aos trabalhadores em caso de cedência ou de transferência de empresas.
É preciso ainda ter em conta, como foi descrito na interpelação, que a actividade da Inspecção Geral do Trabalho é muito deficiente ou pior que isso (“parece haver manifesta falta de vontade política para que a IGT cumpra a função para que existe”).
Ter presente ainda que o PCP defende mais emprego mas com direitos. Como a redução do tempo de trabalho sem diminuição do salário pode ajudar nesse caminho, o PCP também entregou um Projecto de lei de redução progressiva, até 2003, do tempo de trabalho para as 35 horas.


Ainda a pecaridade no emprego

No dia 3 de Maio, um outro deputado do PCP, Odete Santos, apresentou o Projecto de lei n.º 146/VIII que altera o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho a Termo, combatendo a precariedade no emprego”.
Citando o ministro do Trabalho que disse que “seria preferível ter um trabalho precário do que estar no desemprego”, classificou uma tal afirmação de “emblemática de um Governo que, tal como os que o antecederam, consideram o fomento do trabalho precário como uma boa política de emprego”.
Em nome da flexibilidade reclamada pelos grandes empresários, há muito que se iniciou na Europa uma ofensiva contra a estabilidade no emprego. O Decreto-Lei 781/76 contém a lei da contratação a prazo que se tornou o motor dos abusos no recurso à contratação a termo.
A partir de 1983 criaram-se os tectos salariais, alargaram-se as excepções à semana inglesa e desvalorizou-se o descanso ao fim de semana (até há trabalhadores de fim de semana).

Depois, surgiram as derrogações à aplicação de tabelas salariais constantes de contractos colectivos de trabalho, a degradação do salário, as derrogações ao próprio direito ao salário mínimo nacional, nomeadamente em relação aos jovens.

Em seguida, com a cobertura do combate ao desemprego, alargaram-se as precarizações com o emprego subvencionado, os programas de formação, os programas ocupacionais, o trabalho prestado em estágios, os contratos de aprendizagem, as bolsas para o voluntariado jovem e o chamado mercado social de emprego, o alargamento dos períodos experimentais, a eliminação dos entraves administrativos aos despedimentos colectivos, e assim se abriu o caminho para o trabalho temporário, as empresas de mão de obra, os recibos verdes, trabalho à peça, à tarefa, por sub-empreitadas, trabalho a tempo parcial, um verdadeiro avanço não para os trabalhadores.
É de direitos humanos que se

trata, direito ao trabalho, em condições socialmente dignificantes, direito à vida, direito à própria liberdade. Portugal está já no cimo da precarização a nível da União Europeia.

É necessário assumir, simultaneamente, o combate ao desemprego e o combate ao trabalho precário. No projecto de lei apresentado “só por necessidades objectivas da empresa, e não por quaisquer atributos subjectivos, se justifica a celebração de um contrato a termo”. Não podem servir como justificações nem o facto de se tratar de uma nova actividade, nem por se tratar de jovens à procura de um primeiro emprego ou de desempregados de longa duração. Também se inverte o ónus da prova àcerca dos factos e das circunstâncias que justificam a celebração do contrato a termo, passando-o para a entidade patronal.
O PCP não rejeita a existência de contratos a termo mas só em condições específicas e bem delimitadas.




O Socialismo na gaveta e no cofre-forte

Para compreender como se chegou a tais situações de tão grande e feroz exploração é necessário lembrar, mais uma vez, em O Militante, o que disse o vice-presidente da CIP, Nogueira Simões, numa entrevista a O Diabo, em 6.2.96: “Os contratos a prazo, que nos foram muito favoráveis, também foram criados no Governo de Mário Soares, embora tenham de ser revistos (...)”.
Esta resposta é bem verdadeira. Mário Soares foi quem mais ajudou, em 76, quando foi primeiro-ministro, a aprofundar a exploração dos traba-lhadores. E, entretanto, no ano anterior, em 1975, num comício no Barreiro, saudou o “dia histórico em que se pode assinalar que o capitalismo se afundou com a nacionalização da banca privada (...)

nacionalização da banca privada que, por sua vez, detém nas carteiras a maior parte das acções das grandes empresas portuguesas e, ao mesmo tempo, a fuga ou a prisão dos chefes das nove grandes famílias que dominavam Portugal indica de uma maneira bem clara que se está a caminho de criar uma sociedade nova em Portugal” (DN, 14.3.00). É um estupen-do exemplo da “sinceridade” de certos discursos, de certos dirigentes políticos.
Mas aquela resposta de Nogueira Si-mões foi motivada por uma pergunta natural de O Diabo: se ele não achava estranho que tivessem conseguido ou-tras facilidades com um governo so-cialista [de

Guterres]. Quais foram as facilidades? Conta Nogueira Simões: “(...) explicámos ao Governo que essa redução [dos horários de trabalho para as 40 horas] sem contrapartidas pode-ria ser muito desagradável, e foi aí que, o nosso amigo, o Governo, aceitou que a flexibilidade e a polivalência, que eram as nossas condições, fossem registadas em concertação.”

Compreende-se perfeitamente que o jornalista César Príncipe tenha escri-to no JN (referido no DN, 5.6.00): “Soares meteu o socialismo na gaveta; Guterres meteu a gaveta num cofre-forte”. É por estas e por outras que, quando comentaristas se referem ao PS como um partido de esquerda, não se percebe bem o que querem dizer...


O Kosovo em pé de Guerra
Já fez um ano que terminou a guerra desencadeada pela NATO contra a Jugoslávia, guerra comandada pelos EUA, ou melhor, pelos interesses imperialistas dos que dominam naquele país. Kofi Annam, secretário-geral da ONU, aonde nunca foi discutida a realização desta guerra - a ONU só serve quando serve os interesses dos EUA - afirmou: “Não interviemos no Kosovo para fazer dele uma coutada de vingança e do crime”. Se esta frase é sincera, e há muitas dúvidas sobre isso, então é porque se anda a dormir na forma. Era evidente que é essa situação que interessa aos EUA. O actual senhor PESC e, então, secretário geral da NATO, Javier Solana, disse que “a situação é intolerável”. Não quer perceber, ou confessar, que muito mais intolerável foi a guerra contra a Jugoslávia e que foi daí que tudo nasceu.
O primeiro ministro jugoslavo, Mobir Bulatovic, disse (DN, 8.6.00) que o Governo jugoslavo “pede «o regresso urgente» à província dos efectivos do exército jugoslavo e da polícia sérvia, cujo princípio está previsto pela Resolução 1244 do Conselho de Segurança” E ainda “o Governo pede que o Conselho de Segurança anule todos os actos e decisões que tomou Bernard Kouchner [chefe da missão da ONU no Kosovo] em

contravenção com a Resolução 1244, que condene com a maior severidade a actividade do chefe da MINUK e lhe ponha fim e que retire do Kosovo as forças da Kfor e da MINUK”.
O mesmo DN informa que “a Amnistia Internacional (AI), que não brinca em serviço, vem agora dizer que “a NATO violou mesmo o direito de guerra e que os responsáveis destas violações deveriam ser julgados”.

A AI ainda “apela aos países estrangeiros membros da Aliança para «porem em tribunal todos os estrangeiros suspeitos de violações graves das leis humanitárias internacionais»”.
É claro que o actual secretário-geral da NATO, George Robertson “considerou «sem fundamento» o relatório da AI” e a procuradora do TPI (Tribunal Penal Internacional), Carla del Ponte, acha que “não há nada de reprovável a assinalar”.


«O Militante» - N.º 247 - Julho/Agosto 2000