A presidência portuguesa na UE |
Membro do CC
Deputado ao Parlamento Europeu
Com o termo do mês de Junho e, mais objectivamente, com a realização
da cimeira da Feira, em meados do mesmo mês, chega ao fim a presidência
portuguesa da União Europeia.
E é curioso notar que o Governo do Engº António Guterres,
que tanto apostou nela, arrasta-se agora penosamente, como que desejando ver-se
livre, o mais rapidamente possível, do que já parece ser um
fardo insuportável.
O caso não é para menos.
Com efeito e em termos de balanço, teremos e terá hoje o próprio
Governo de se interrogar sobre o que de positivo resultou desta presidência.
Inclusivamente porque o Governo quis e continua a querer passar a falsa ideia
de que a sua popularidade externa estaria a aumentar, porventura na exacta
medida do crescimento do descontentamento interno.
Uma presidência nada útil para o País
Afirmámos no início deste semestre que uma boa presidência
seria aquela que, sem deixar de ter em conta a agenda comunitária,
lhe imprimisse uma direcção e uma marca particulares, com a
prossecução de prioridades e orientações que reflectissem
preocupações e anseios que nos são próprios.
Aliás, a rotatividade das presidências encontra justificação
nisso mesmo.
E isso poderia e deveria ocorrer quer no estrito âmbito de interesses
específicos do País, quer também no quadro mais global
da sua integração numa União Europeia em rápida,
profunda e preocupante evolução, nomeadamente na perspectiva
de um novo e amplo alargamento e, a mais breve prazo, duma nova e delicada
revisão dos Tratados.
Cedo constatámos, porém, não ser esse o posicionamento
do Governo do engº António Guterres, nomeadamente pela leitura
do seu programa.
Os problemas reais que afligem o País foram pura e simplesmente esquecidos.
Ao ponto de nem o princípio da coesão económica e social,
consignada nos Tratados mas sistemática e crescentemente omitida nos
actos comunitários, lhe ter merecido a mínima atenção,
mesmo se ele é oriundo dum dos países de menor desenvolvimento
e o de mais débil nível de vida entre os que integram a União
Europeia.
E é assim que não nos espantou, igualmente e a título
de exemplo, o deserto de ideias resultante do mais recente Conselho informal
de Agricultura, reunido em Évora; facto que por si só bem justificou
a impressionante concentração de agricultores, convocada pela
CNA e outras organizações representativas da lavoura portuguesa,
a que se associaram congéneres de outros países, particularmente
de Espanha.
Sendo certo que muito deveria ter sido feito num domínio onde abundam
os problemas, quer no contexto de algumas organizações de mercado
ou com vista ao alargamento das quotas leiteiras que nos estão atribuídas.
Aliás, passaram completamente ao lado desta presidência algumas
questões de particular importância também para outros
sectores relevantes da nossa economia. As negociações com Marrocos,
por exemplo. Ou os novos acordos com países terceiros que já
se prefiguram, com fortes e graves incidências no sector têxtil.
Ou ainda e mais globalmente, as tentativas de relançamento das negociações
no âmbito da OMC.
Para a presidência portuguesa estas constituíram questões
menores!
Deslumbrado e como que convencido que estaria predestinado para grandes voos,
o Governo esqueceu-se do País e apostou naquilo que considerou iniciativas
de grande fôlego. Mas também aí a decepção
logo substituiu a ilusão.
Preparação para a presidência francesa
Aliás, desde muito cedo que esta presidência começou
a ser encarada, nomeadamente nas instituições comunitárias,
como aquela cuja missão essencial consistiria, tão só,
na preparação da presidência francesa (que se lhe segue,
a partir de Julho).
Tal aconteceu, particularmente, com a revisão dos Tratados.
Sendo certo que a presidência portuguesa poderia ter desempenhado neste
contexto um papel de especial relevo, tendo em conta as implicações
profundamente negativas que dela decorrerão em especial para os países
de mais pequena dimensão e de menor desenvolvimento, como Portugal.
São conhecidas as questões que certamente vão marcar
a próxima Conferência Intergovernamental e que já marcam
a discussão que vem sendo feita em torno dela; e as quais, de resto,
muitas dificuldades suscitaram já em Amsterdão.
E não subsistem dúvidas sobre o real alcance que à mesma
se pretende conferir: o exercício futuro do poder, com a constituição
de directórios políticos, obviamente determinados e dominados
pelas principais potências.
Quadro que se quer atingir em nome da eficácia, com o argumento do
alargamento e por diferentes vias: com as cooperações reforçadas
e alterando o actual figurino de funcionamento do Conselho, nomeadamente com
o termo do actual modelo de presidências semestrais rotativas, com a
extensão das maiorias qualificadas para adopção de medidas
legislativas, com novas ponderações dos votos de cada país
nas votações em que a unanimidade não é exigida
(com reforço dos votos a disponibilizar para os grandes países);
também com uma nova composição da Comissão, integrada
por menos comissários que o número futuro de Estados membros
(donde decorreria que alguns destes não estariam representados na única
instituição com competência de iniciativa legislativa);
e com o estabelecimento dum limite (700) para o número de deputados
do Parlamento Europeu, sendo que a distribuição dos mesmos por
país, se faria em correspondência com a população
respectiva.
Apesar de tudo isto o Governo, que evidenciou sensíveis contradições
internas quanto a esta matéria, demostrou- -se fundamentalmente incapaz
de suster minimamente esta ofensiva profundamente lesiva dos interesses nacionais,
deu mesmo mostras de grande abertura relativamente a tais intenções,
foi ultrapassado e não se inibiu sequer de elogiar as propostas ultrafederalistas
do ministro alemão dos negócios estrangeiros, que objectivamente
suportam e reforçam os referidos propósitos.
E acresce que algumas das questões essenciais no presente momento não
integraram sequer as prioridades da presidência portuguesa.
As recentes eleições para o Parlamento Europeu confirmaram um
elevado nível de abstenção e, o mesmo é dizer,
profundos défices democráticos, que determinam um sensível
afastamento dos cidadãos.
Apesar disso e apesar de estarmos em vésperas duma nova alteração
dos Tratados não se previram e muito menos se propuseram as alterações
de fundo no plano do funcionamento das instituições que poderiam,
ao menos, atenuar essas situações: nomeadamente uma maior associação
dos Parlamentos nacionais ao processo de decisão comunitário.
E, obviamente, muito menos se preconizaram as indispensáveis alterações
de fundo às actuais orientações neoliberais, nomeadamente
com vista a dar combate ao desemprego e à promoção do
emprego com direitos; sendo certo que a degradação social é
inseparável do referido afastamento relativamente à vida comunitária.
Cimeira sobre o Emprego
Como marco principal desta presidência o Governo elegeu a chamada Cimeira
Extraordinária sobre o Emprego.
Como antes afirmámos, a situação social que se verifica
na generalidade dos Estados-membros é de molde a suscitar as mais legítimas
preocupações. E bem se justificaria, por isso, uma mudança
de agulha no domínio das políticas sociais.
Mas uma vez mais as principais decisões passaram para a presidência
francesa. E quanto às orientações que dela saíram,
constatamos que, como nunca, foi adoptada uma perspectiva de reforço
da actual marca neoliberal.
Cimeira Europa/África
Entretanto e a muito custo, conseguiu--se concretizar a cimeira Europa/África.
Dissemos repetidas vezes, a este propósito, que tudo deveria ser feito
para assegurar a sua realização. Até porque ela se concretizava
num momento particularmente propício, marcado pelo fracasso de Seattle
e pela coincidência temporal com o termo das negociações
do Acordo que substituirá a Convenção de Lomé.
Mas afirmámos igualmente que era indispensável garantir-lhe
um adequado conteúdo, de forma a que dela saíssem resultados
capazes de aprofundar e melhorar as relações, a todos os níveis,
entre os dois continentes e de contribuir para a resolução dos
enormes problemas que marcam o continente africano.
A verdade, porém, é que - por manifesta falta de vontade política
da parte europeia e porque o Governo de Guterres parece ter-se bastado com
a tradicional fotografia de família - da Cimeira do Cairo resultaram
apenas conclusões redundantes e de limitado alcance futuro. Tratou-se,
uma vez mais, de uma oportunidade perdida.
Com uma tal presidência, o Governo do engº Guterres, que internamente suscita um crescente descontentamento, foi também e à medida que o tempo ia passando, perdendo credibilidade no plano comunitário. E também neste caso em desfavor do País de que se esqueceu durante a presidência que exerceu.
«O Militante» - N.º 247 - Julho/Agosto 2000