VI Congresso do MDM
O século XX e o percurso das mulheres

 


Membro do Secretariado do MDM

Em cada congresso do MDM analisamos o caminho percorrido, discutimos o grau de concretização da igualdade, discutimos e aprovamos reivindicações que possibilitem, em cada quadriénio, o avançar mais rápido da História, rumo a um futuro mais justo e mais humano porque mais igual.
Neste VI Congresso algo mais se nos impunha: analisar o caminho da luta das mulheres pela emancipação e pela igualdade de oportunidades e, também, a actualidade dos movimentos femininos em geral e do MDM em especial.

Um olhar crítico para o século

A proximidade de um novo século e de um novo milénio colocou-nos a necessidade de lançar um olhar crítico para o século que, de forma mais concreta e visível, viu, entre vitórias e derrotas, entre alegrias e desencantos, as mulheres tomarem a palavra e o controlo das suas identidades, sublinhando o desafio público da representação social e política, tentando quebrar estereotipos, propondo múltiplas vias de realização pessoal, confirmando que a relação entre sexos é uma relação social construída e incessantemente remodelada, ao mesmo tempo efeito e motor de dinâmica social.
Esse olhar que baseamos, tam- bém, nas conclusões dos anteriores Congressos, permite-nos afirmar que foi durante este século que as mulheres saíram da sombra para a luz, não da forma pontual e individual que caracterizou a sua situação nos séculos anteriores, mas enquanto grupo social. Poderemos dizer que as mulheres, neste século, aprendem a ler e a escrever a sua própria vida.
Este é um longo percurso desde o início do século - tem a marca da luta determinada e sofrida das mulheres, das sufragistas, dos movimentos feministas e da revolução de Outubro. Os direitos que as mulheres do campo socialista obtiveram impulsionaram de forma decisiva a luta e a obtenção de direitos por parte das mulheres um pouco por todo o mundo.
A riqueza e a diversidade das lutas travadas pelas mulheres, pelos trabalhadores e pelos povos contra a exploração, a opressão e a discriminação, traduziram-se num mundo onde a realidade é cada vez mais marcada pela presença das mulheres. As vitórias alcançadas consubstanciaram-se no reconhecimento dos seus direitos económicos, sociais, políticos, culturais e específicos.
Questionando e questionando-se, as mulheres contribuiram decisivamente para fazer crescer a consciência colectiva do papel que têm na transformação da realidade em que vivem e na conquista de direitos para si e para os seus povos.

Situação actual

Neste nosso VI Congresso, quando cinco anos após a 4ª Conferência Mundial realizada em Pequim, fazemos o balanço da aplicação das medidas contidas na Plataforma de Acção, constatamos que permanecem desafios para as mulheres e para os movimentos femininos, numa sociedade mundial que regista uma evolução que não corrigiu os desequilíbrios entre os países ricos e os países pobres, que não baniu os fenómenos do desemprego, da fome, da miséria e da exclusão social, nem os focos de conflito e de guerra em várias regiões.
A realidade das mulheres no mundo está muito longe de se aproximar dos direitos que, no plano internacional e nacional, estão consagrados. Persiste uma realidade que reflecte, agravadamente, as injustiças, que não só permanecem como se ampliam nas sociedades modernas.
Vive-se hoje em condições diferentes. Não existe o campo socialista. Vivemos num quadro de grande instabilidade e insegurança, marcado pela alteração da correlação de forças resultante do desaparecimento do socialismo enquanto sistema mundial e pela ofensiva do imperialismo que procura impor a todos a sua força e o seu pensamento. Vivemos num mundo unipolar, hegemónico, onde os comerciantes da guerra continuam a fomentar conflitos e a desencadear contendas sangrentas, cujas principais vítimas são mulheres e crianças.
Em sociedades marcadas por políticas sociais e económicas que privilegiam o primado do lucro, a violência é uma realidade marcante.
Num mundo onde não há respeito pela integridade e soberania dos povos, onde as relações internacionais se caracterizam por uma injusta ordem económica e política, que facilmente se converte em acções de agressão contra nações mais pequenas, pobres e economicamente dependentes, são as mulheres as primeiras e as principais vítimas.
A globalização da economia, as políticas neoliberais, no quadro mais geral do desenvolvimento do capitalismo, determinaram um crescimento da desigualdade a todos os níveis entre países, entre regiões do Mundo, entre as pessoas e entre os sexos. O aumento dos índices de pobreza extrema e das profundas desigualdades de distribuição do rendimento, são fenómenos que afectam amplos sectores da população mundial. Por cada minuto que passa mais 47 pessoas passam a integrar os mais de 1.500 milhões de homens, mulheres e crianças que vivem abaixo do limiar da pobreza. E se a última década foi de crescimento económico, não foi, globalmente, de desenvolvimento humano.
Nos últimos anos da década de 90, um quinto da população mundial que vivia nos países de rendimento mais elevado detinha 86% do Produto Interno Bruto mundial, as 225 pessoas mais ricas do Mundo mais do que duplicaram a sua riqueza líquida, os activos dos três primeiros multimilionários são superiores ao Produto Nacional Bruto conjunto dos 48 países menos desenvolvidos e dos seus 600 milhões de pessoas.
Cerca de 70% dos pobres do Mundo são mulheres, razão pela qual se fala em feminização da pobreza. A pobreza, a discriminação e a subordinação das mulheres são factores que mutuamente se po tenciam e que agravam a situação efectiva de desigualdade entre os sexos e aumentam as injustiças de que as mulheres são vítimas.

Na Comunidade Europeia

Na UE existem 50 milhões de pessoas votadas ao desemprego e à exclusão social. A taxa de desemprego aumentou, atingindo cerca de 10% da população activa (cerca de 15 milhões de pessoas) com especial incidência nas mulheres e jovens. A precariedade e a flexibilização laboral atingem de forma particular as mulheres. Em 1998 quase 75% dos postos de trabalho criados para as mulheres foram a tempo parcial. As privatizações e o encerramento de serviços sociais de importância vital para as mulheres, constituem uma ameaça real aos direitos da mulher já alcançados e à sua efectiva emancipação. Por outro lado, sendo sectores com uma elevada taxa de mão-de-obra feminina, determina o aumento do desemprego das mulheres.
Todo este cenário é acompanhado pela recupera- ção muito oportuna de velhas e retrógadas ideias da necessidade de retorno da mulher ao lar, com o argumento demagógico da necessidade da solidariedade familiar.
Políticas fiscais profundamente injustas reduzem os impostos pagos pelo grande capital e pelos mais ricos e sobrecarregam os trabalhadores e os mais pobres. As receitas e as despesas dos Estados são colocadas ao serviço de políticas que facilitam maior acumulação por parte do capital, prejudicando os programas sociais.
Realidade que se reproduz no nosso País e que determina um contexto de aguda conflitualidade social, política e institucional de activa e diversificada luta contra as políticas neoliberais prosseguidas pelo Governo PS em atenta e obediente concretização das orientações da Comunidade Europeia.

Realidade nacional

O Congresso registou que sendo hoje a realidade portuguesa mais marcada pela presença feminina é, também, uma realidade que coabita com uma situação social caracterizada pelo registo continuado da desresponsabilização dos governos na promoção de políticas económicas e sociais geradoras de emprego e de melhoria da qualidade de vida, nomeadamente, em áreas tão essenciais como a saúde, o ensino e a segurança social, criando, deste modo, acrescidas dificuldades às mulheres e às famílias.
A nível do emprego, as políticas neoliberais têm continuadamente agravado a situação das mulheres. Dois terços dos novos empregos criados para mulheres, nos últimos cinco anos são precários e a totalidade dos empregos criados em l999, são a tempo parcial. Aumentou o desemprego, atingindo, sobretudo, as jovens. O desemprego de longa duração tem rosto feminino. Verificou-se a degradação do poder de compra, gerando novas situações de pobreza e exclusão. As novas formas de trabalho, nomeadamente o teletrabalho, vêm acentuar a divisão sexual do trabalho e são factor de isolamento e insegurança.
É essencial que todas e todos de igual forma nos apercebamos de como esta realidade faz parte do nosso quotidiano. A compreensão da realidade torna mais eficaz a luta para eliminar as causas que provocam a violência nas suas mais diversas formas e que radicam nos processos de acumulação capitalista, agravadas pelas políticas de inspiração neoliberal que acentuam, até ao limite do intolerável, a exploração nas suas mais diversas expressões.
Estamos uni-das contra a ideo-logia do “pensa mento único”. Estamos unidas pela urgência de ligarmos as mulheres e os homens conscientes num só objectivo: encontrar as soluções para os males engendrados pela nova fase do capitalismo, a globalização neoliberal, que exclui metade dos habitantes do planeta dos direitos mais elementares: direito à alimentação, à educação, aos serviços de saúde, ao emprego.
A orientação antilaboral e antipopular destas políticas, a regressão social, a degradação da democracia, o agravamento da militarização, que decorrem da tentativa de impor “uma nova ordem” do imperialismo, são incapazes de dar solução aos grandes e graves problemas que a humanidade enfrenta.
Transformar a condição da mulher na sociedade, formular propostas e tomar medidas que permitam alcançar a cidadania plena, com integral e efectivo exercício dos seus direitos políticos, económicos, sociais e culturais, é um dos grandes desafios do terceiro milénio.
A actualidade e a vitalidade do movimento feminino são um facto e a luta pelos direitos das mulheres é incontornável.
A luta emancipadora das mulheres é uma luta por uma sociedade mais justa, onde as diferenças não sejam um factor de discriminação. Sendo uma luta que integra a luta mais geral dos Povos por um mundo mais justo e solidário, tem contudo autonomia pelas suas características específicas, decorrentes do estatuto da mulher na sociedade e pelas suas profundas conecções com a alteração das mentalidades.

Uma sociedade melhor

O Congresso reafirmou a necessidade de criar as condições que permitam às mulheres o exercício dos seus direitos em igualdade de oportunidades. Reafirmou que tal não será possível se os governos (e o Governo PS em particular) continuarem a desvincular-se da responsabilidade de promoverem políticas globais e específicas que vão ao encontro deste objectivo e teimarem em passar essa responsabilidade para a iniciativa da sociedade civil e das mulheres.
A sociedade portuguesa dispõe de condições e potencialidades para a solução dos grandes problemas nacionais. É possível uma sociedade mobilizada e confiante com valores e referências civilizacionais. Uma sociedade onde as cidadãs e os cidadãos não sofram o temor do desemprego, da precariedade, da crescente insegurança e exclusão social. Que, pelo contrário, encarem o presente e o futuro com confiança nas capacidades individuais e colectivas, onde o livre desenvolvimento individual se concilie com elevados níveis de satisfação e solidariedade colectivas, que permitam afirmar o século XXI como o século da concretização dos direitos em efectiva igualdade.

É esse o sentido da Carta dos Direitos das Mulheres que o VI Congresso do MDM aprovou!

«O Militante» - N.º 247 - Julho/Agosto 2000