Inflacção, competitividade e
abrandamento da economia

 


Economista

O Governo afirma que o aumento dos preços não ultrapassará este ano os 2%, e com base nessa previsão pretende limitar a subida dos salários a esse valor ou a um valor pouco superior (aos trabalhadores da função pública impôs um aumento de apenas 2,5%). E naturalmente o patronato aproveita-se desta actuação do Governo para tentar aumentar as taxas de exploração. E isto apesar da parte dos salários no Rendimento Nacional vá ser, em Portugal, uma das mais baixas de toda a Europa Comunitária (entre 1992 e 96, a percentagem que as remunerações representam no PIBpm - medida da riqueza criada no País durante um ano - baixou, em Portugal, de 48,6% para apenas 42,7%. Na UE, em 1996, essa percentagem atingia em média 51%).
No entanto, tanto ou mais importante que avançar com previsões sobre aumento de preços, interessa saber se o instrumento utilizado para medir a inflação traduz com verdade a subida real dos preços suportada pelas famílias portuguesas. E isso não se verifica como iremos provar seguidamente.

O índice de preços oficial não traduz o da realidade

Como se sabe o Índice de Preços no Consumidor (IPC) utilizado tem como base uma determinada estrutura de consumo das famílias, que já tem vários anos, estrutura essa que se altera com a passagem do tempo, facto esse que determina que o peso de cada componente (Alimentação, Bebidas, Vestuário, etc.)
varie. No entanto, para o IPC tudo continua como não se verificasse qualquer mudança, já que a sua estrutura se mantém inalterável durante muitos anos.
Para além disso, e este facto é ainda mais grave, existem despesas importantes para as famílias que não estão incluídas na estrutura considerada e, consequentemente, qualquer aumento de preços verificada nelas não tem qualquer reflexo no IPC. É o que sucede actual-
mente com o aumentos de encargos suportados pelas famílias com a aquisição de habitação.
Segundo o Banco de Portugal, a taxa de esforço das famílias, ou seja, a parte do seu rendimento mensal utilizado no pagamento de encargos financeiros, nomeadamente com a aquisição de habitação, atingiu, no fim de 1998, 21,5%, e, em 31.12.99, alcançou 23,5%. Isto significa que, em média, cada família portuguesa, no fim do ano de 99, entregou à banca, para pagar empréstimos contraídos, cerca de 23,5% do que recebia mensalmente. Apesar desta rubrica representar uma percentagem tão elevada dos encargos mensais de cada família ela não está incluída na estrutura de consumo utilizada pelo IPC e, consequentemente, quaisquer aumentos verificadas nela não têm qualquer reflexo no valor da inflação oficial. É importante observar que, de acordo com o Inquérito à Habitação feito em 1998, a renda média de uma habitação no País rondava os 16,5 contos por mês, enquanto o encargo mensal médio com aquisição de casa atingia 42,8 contos, o que significava que este era 2,5 vezes superior à renda média de uma casa. Enquanto as rendas das casas entram no IPC, o encargo médio com a aquisição de habitação encontra-se excluído do IPC.
E como se tudo isto já não fosse suficiente, este ano a subida de encargos suportados pelas famílias portuguesas com a aquisição de casa, que não entra no índice de preços oficial, tem sido grande e prevê-se que continue a acentuar-se.
E aquela subida começou com a saída do Despacho 12/2000 em 14 de Janeiro do Ministério das Finanças, que baixou a chamada taxa de referência do pagamento de bonificações pelo Estado de 6,5% para 5,5%, o que significou que até àquele despacho o Estado podia suportar, como bonificação, na aquiPara além disso, as taxas de juro têm aumentado durante este ano, e prevê-se que continuem a subir. Assim, no fim de 99, a taxa efectiva de juros para quem tenha adquirido uma habitação através de crédito bancário rondava 5,39%, em Março de 2000 atingia já 6,03%, e no fim deste ano prevê-se que alcance os 7%. A confirmar-se, isto significará um aumento muito significativo nos juros pagos por quem pediu um empréstimo bancário. Assim, uma família que tenha pedido um empréstimo de 15.000 contos para pagar em 30 anos, tinha, em Dezembro de 99, um encargo mensal de 84,3 contos e, em Dezembro de 2000, já terá de pagar 99,77 contos, ou seja, mais 18,3%, portanto muito superior a qualquer aumento salarial, e mesmo em valor (mais 15,5 contos).
Portanto, tudo isto são aumentos de encargos suportados pelas famílias portuguesas que não têm qualquer expressão na taxa de inflação oficial; é como se não existissem para o governo. E embora a previsão de entidades independentes, como é a OCDE, aponte para uma inflação próxima dos 2,5%,

o que já põe em causa a previsão oficial de 2%, mesmo assim essa previsão não inclui o que se está a verificar na rubrica “Habitação” em Portugal.

A diminuição da competitividade da economia portuguesa

Mas tão grave ou ainda mais do que a subida na taxa de inflação sem correspondência no aumento dos salários, é a perda de competitividade da economia portuguesa, o que tem determinado a destruição de empresas, ou a sua compra por estrangeiros, e o consequente aumento da dependência exter na. E são os próprios dados oficiais que provam isso, como se pode constatar no quadro da página anterior construído com dados do Boletim Estatístico do Banco de Portugal de Abril de 2000.
Portanto, em 1997, o valor das mercadorias importadas foi superior ao das exportadas em cerca de 1,7 milhões de contos, enquanto em 1999 esse défice
atingiu já 2,67 milhões de contos, ou seja, aumentou em 57% (a taxa de cobertura das importações pelas exportações que era de 71,2%, dois anos depois já tinha descido para apenas 64,4%).
Em relação à Balança de Pagamentos (inclui as Balanças Comercial, de Serviços, de Rendimentos, de Transferências Correntes e de Capital), a evolução crescentemente negativa é preocupante, confirmando a falta de competitividade da economia portuguesa num mundo cada vez mais globalizado e desregulamentado, podendo servir de pretexto, a curto prazo, para medidas e políticas ainda mais restritivas, em que os lesados sejam fundamentalmente os trabalhadores e outras classes desfavorecidas.

Possível abrandamento da economia portuguesa

No passado recente o crescimento da economia portuguesa assentou fundamentalmente no crescimento continuado do consumo interno português (em 98, a procura interna teve uma forte aceleração atingindo 6,5% em termos reais, quando, em 97, fora 5,2% (pág. 81, Relatório do Banco de Portugal/1998). Este crescimento do consumo interno, só podia ser explicado pelo aumento muito significativo do endividamento dos particulares junto da banca, que atingiu, em 31.12.99, segundo o Banco de Portugal, 76,5% do seu rendimento disponível (esta dívida das famílias, representava no fim de 98, 66% do seu rendimento disponível, em 97, 54%, e, em 90, apenas 20%). É evidente que este crescimento da economia baseado fundamentalmente
no aumento do consumo interno esgotou-se, porque o endividamento das famílias atingiu um limite muito elevado, facto esse agravado pela subida da taxa de juros e pelos tectos salariais que o Governo, e o patronato a ele colado, tenta impor, e que está a enfrentar uma crescente oposição dos trabalhadores, traduzida na multiplicação dos conflitos sociais.

Algumas reflexões finais

O euro, e consequentemente também o escudo a ele colado, desde que foi criado já se desvalorizou em relação ao dólar cerca de 25%. Só este ano, a desvalorização do escudo em relação ao dólar atingiu perto de 6%. E é previsível que esta desvalorização continue.
Fora da zona da UE as aquisições
são pagas na maioria em dólares, incluindo os combustíveis. Isto significa que os produtos importados por Portugal de países que não pertencem à UE, devido à valorização do dólar, são cada vez mais caros para os portugueses, o que contribui para acentuar os factores inflacionistas. Para concluir isso basta ter presente os seguintes dados. Nos dois primeiros meses de 99, as importações desses países custaram a Portugal 217,8 milhões de contos, enquanto no ano 2000 já custaram 338,2 milhões de contos. Por exemplo, os combustíveis importados naqueles dois meses em 99 custaram 28,2 milhões de contos, enquanto os adquiridos no mesmo período no ano 2000 já custaram 86,2 milhões de contos, portanto mais 205,6%. E é previsível que esta tendência, muito diferente da observada em 99 que contribuiu para a baixa dos preços, se verifique durante todo o ano 2000, o que terá reflexos no IPC, tornando inverosímil a previsão oficial de 2% de taxa de inflação.
Mesmo que Guterres respeite o compromisso que tomou na A.R. de não aumentar o preço dos combustíveis este ano, é de prever que as consequências negativas desta inflação importada se façam mesmo assim sentir. E isto porque o Estado no lugar de arrecadar 540 milhões de contos de impostos sobre produtos petrolíferos previsto no OE para o ano 2000, obterá menos 100 milhões de contos. E é natural que procure compensar essa perda de receita, ou aumentando outros impostos ou reduzindo despesas sociais essenciais. A verificar-se isso, poderão ser mais uma vez os trabalhadores e outras camadas desfavorecidas da população os principais lesados.

«O Militante» - N.º 247 - Julho/Agosto 2000