Globalização, emprego e luta |
Membro do Secretariado da CGTP-IN
O sindicalismo de classe não desliga a luta por reivindicações
imediatas, no confronto directo com o capital nas empresas, da natureza do
poder político e das suas concepções ideológicas,
das políticas que este leva a cabo, nem das opções de
classe que assume.
São prova disso as lutas, já travadas e em curso este ano por
melhores salários e a redução do horário de trabalho,
a par da defesa do sistema de segurança social, do serviço nacional
de saúde, duma escola pública de qualidade, da exigência
duma reforma fiscal justa, por emprego de qualidade e contra a precaridade.
As greves já realizadas em vários sectores e empresas com particular
relevo para a administração pública e os transportes,
a grande manifestação do dia 23 de Março em Lisboa, o
grande 1º de Maio por todo o País e a manifestação
de 19 de Junho no Porto, são demonstrações inequívocas
da indignação dos trabalhadores face à política
do governo do engº Guterres e contributos decisivos para o crescimento
de rejeição generalizada que cresce em todo o país relativamente
a tal política.
A luta social em crescendo e, em particular, a luta sindical são ainda
demonstrativas de um movimento sindical de classe, forte e combativo que transita
para o século XXI, mais pujante do que quando alguns trânsfugas,
há uma década, anunciavam a sua morte no ano 2000.
Evolução no emprego e estrutura empresarial
De facto, percorrendo em Portugal doze anos de evolução e transformações
no emprego, a taxa de emprego assalariado aumentou de 67% para 72,3%, e, se
tivermos em conta o grande aumento de falsos trabalhadores independentes,
este crescimento é ainda maior.
Os assalariados no sector da agricultura desceram para 87 mil; o emprego industrial,
transformação, extracção e energia, reduziu no
volume de emprego total, apesar de o número de trabalhadores também
ter crescido; o emprego nos serviços aumentou mais de 6%, incluindo-se
aqui os transportes e comunicações e a componente operária
significativa existente na administração pública, em
particular nas autarquias locais, representando desta forma os serviços
cerca de 56% do trabalho assalariado.
No plano regional, acentuaram-se as assimetrias entre litoral e interior,
estando cerca de 75% do total de trabalhadores em Aveiro, Braga, Lisboa, Porto
e Setúbal, embora se verifique a criação de grandes empresas
em outros distritos, nomeadamente do interior.
São ainda de salientar o aumento da participação das
mulheres e a diminuição do peso dos jovens na composição
do emprego, o aumento do volume e das formas de precariedade, 20% dos trabalhadores,
sendo 41,4% destes trabalhadores a tempo parcial, cabendo aos jovens 37% de
todo o emprego com contrato não permanente.
No que respeita à estrutura empresarial, a mais profunda alteração
dá-se na dimensão das empresas em função do número
de trabalhadores.
Aumenta muito o número de micro-empresas, em regra com curta duração
de vida, aumenta também o número de pequenas e médias
empresas até 200 trabalhadores, o seu número estabiliza entre
as de 200 a 499 trabalhadores, mas reduzem acentuadamente as empresas de mais
de 500 trabalhadores.
Esta redução deve-se quer à desagregação
das grandes empresas em unidades juridicamente autónomas, quer ao chamado
emagrecimento e aos encerramentos.
Como resultado, o número médio de pessoas ao serviço
das empresas passou em 12 anos, de 20 para 11. Continuam no entanto a existir
e a criar-se grandes empresas, a par de grandes concentrações
de trabalhadores em locais de trabalho da Administração Pública.
São também profundas as alterações, na organização
das empresas, da produção e do trabalho. Quer pela sua complexidade,
quer pelo modo como os arautos do neoliberalismo as justificam, apresentando
tais alterações como inevitáveis, quando, em grande parte,
resultam de opções políticas e de decisões do
patronato. Com a concentração do capital a ter um papel fundamental
nas modificações, com reflexos na organização
de produção.
Salientam-se as privatizações, a fragmentação
das empresas, a externalização da produção de
serviços e o recurso à subcontratação.
Isto é: a grande empresa transforma-se em grupo de cujo centro se gere
a produção, no sentido em que se descentraliza a actividade
produtiva, ao mesmo tempo que se concentram actividades vitais sob o controlo
do mesmo capital, controlo global do processo produtivo, formas financeiras
e comerciais, tecnologia.
Implicações sobre o trabalho
As implicações destas transformações sobre o
trabalho são imensas: fragmentação dos colectivos dos
trabalhadores, menor duração de vida das empresas, utilização
da subcontratação nos conflitos laborais, maior pressão
no sentido da desregulamentação, flexibilidade e polivalência,
menor efectivação dos direitos, salários mais baixos
e mais precariedade, afastamento dos centros de decisão e, por vezes,
o desconhecimento de quem é o verdadeiro patrão.
Neste processo, reduziram-se algumas categorias de trabalhadores, outras desapareceram
mesmo, mas, ao mesmo tempo, outras emergiram ou alargaram o seu número,
criando mais assalariados, bem organizados e influentes na luta dos trabalhadores.
Outras das consequências são uma maior diferenciação
da força de trabalho com uma forte dualização, em que
se institui na empresa um núcleo de trabalhadores mais qualificados
ou considerados essenciais e um segundo grupo com vínculos
precários: contratos a prazo, tempo parcial, trabalho temporário,
ao dia, à hora e à peça, ou pertencentes a empresas subcontratadas.
Este modelo, produto do neoliberalismo dominante, tráz múltiplas
dificuldades à organização e acção da classe
operária, a todos os trabalhadores.
Enfraquece, dificulta e atrasa, a tomada de consciência social e de
classe dos trabalhadores e a sua transposição para posições
políticas em conformidade com os seus interesses.
Contudo, tais transformações em nada mudaram, antes agravaram
a natureza agressiva e exploradora do capitalismo, mas também não
mudou, pelo contrário, a força motriz dos trabalhadores na produção,
nas transformações sociais e no desenvolvimento da sociedade
no seu todo.
E os sinais de revitalização e resposta do movimento operário
e sindical a todas estas transformações são de tal modo
visíveis que já não são postos em causa nem pelos
próprios profetas da sua morte anunciada.
A luta dos trabalhadores, que vem sendo travada no terreno do concreto, é
em si própria um contributo importante para a luta no campo ideológico
onde, não obstante tal contributo, predomina hoje o pensamento único
do neoliberalismo, suporte ideológico do capitalismo, das transnacionais
e dos objectivos de hegemonia mundial dos EUA.
Sobre a globalização
Neste terreno, onde as nossas dificuldades são maiores, hoje em dia,
permito-
-me expressar neste artigo breves considerações acerca de duas
ideias em moda no arsenal de guerra do capitalismo.
Uma delas é a da globalização: fala-se de globalização
a propósito de tudo e de na-da, quer enquanto realidade objecti-
va que é, provocada pela integração da economia, dos
mercados e pela revolução científica e tecnológica,
em particular nos meio de comunicação, mas também, e
muito, como resultado forçado da política imperialista, comandada
e imposta pelos EUA e as transnacio-nais ao resto do mundo. Impondo a compra
dos seus produtos tecnológicos, as armas de guerra em 2ª mão
do seu complexo-militar, os produtos das suas indústrias, incluindo
as culturais muitas vezes sem qualidade.
Acrescentam ainda a tudo isto, o saque a bem ou a mal das matérias
primas dos países mais pobres e a drenagem para o centro do império
de grande parte da riqueza produzida em todo o mundo, através de instrumentos
como o FMI, o Banco Mundial, o dólar, as políticas cambiais
e ainda dos casinos planetários em que se transformaram as chamadas
bolsas de valores, funcionando 24 horas por dia, à velocidade da luz,
fazendo circular no mundo, 53 vezes mais dinheiro electrónico do que
o valor real da economia mundial.
Isto encanta de tal modo os propagandistas desta situação, que
o próprio engº Guterres se convenceu que a Internet vai ser o
milagre da multiplicação dos pães que trará emprego
para todos.
Mas o que há de interessante nisto é que toda a gente fala de
globalização como se fosse um fenómeno novo, exclusivo
do nosso tempo.
Na verdade, se olharmos para a história, já houve outras globalizações,
quiçá, não menos importantes nos seus contextos, do que
a que vivemos hoje em dia.
Curiosamente, uma, talvez a primeira globalização, foi protagonizada
pelos portugueses através dos descobrimentos e do tracejado das rotas
marítimas à volta do mundo revolucionando assim o comércio
mundial.
Outra, a da revolução industrial, com a invenção
da máquina a vapor, do telégrafo, dos transportes em caminhos
de ferro e rodoviários, nos séculos XVIII e XIX.
Basta imaginarmos que as pessoas viviam quase todas no campo e que passaram
a concentrar-se nas grandes metrópoles, para nos darmos conta da sua
dimensão e consequências.
O que se passa hoje, é que tudo se processa e muda mais rapidamente
e em dimensões gigantescas.
Portanto, tal como já alguém disse no século XIX, não
há problema nenhum com os avanços da ciência, com os novos
inventos, ferramentas, máquinas, meios de comunicação;
pelo contrário, tudo isto é bem vindo e pode ser altamente benéfico
para o desenvolvimento justo da sociedade e da humanidade.
A questão central continua a ser: quem são os detentores desses
meios, quem os controla, são postos ao serviço das pessoas ou,
pelo contrário, constituem meios para a sua maior exploração
e exclusão?
A par da globalização da economia e da sua integração
a nível mundial, há outras globalizações de que
pouco ou nada se fala, mas provavelmente mais decisivas a longo prazo para
o futuro da humanidade.
São elas: a proletarização generalizada da sociedade,
acrescentando milhões de assalariados aos já existentes, conforme
rezam as estatísticas da ONU; a globalização da exploração
capitalista, do crescimento das desigualdades relativas, da pobreza, mas também
do conhecimento mais rápido dessas desigualdades e realidades pelos
trabalhadores e os povos de todo o mundo.
O conhecimento de que há duas dezenas de anos, a distância do
rendimento entre os cinco países mais ricos e os cinco mais pobres,
era de 30 para 1, há nove anos, era de 60 para 1, hoje, vai em 74 para
1, e que, hoje em dia, há 89 países que são mais pobres
do que eram há 15 anos.
O conhecimento de que a riqueza acumulada por 225 multimilionários
é igual à riqueza que possuem dois mil e quinhentos milhões
de pessoas; o conhecimento pelos trabalhadores e povos de todo o mundo de
que um terço da população mundial vive com menos de um
dólar por dia, e 70%, com menos de dois, são injustiças
de uma dimensão tão grande que encerram em si um potencial revolucionário
muito maior, que mais cedo ou mais tarde se transformará num movimento
imparável que só poderá levar a profundas revoluções
sociais e políticas e a alterações radicais na distribuição
dos rendimentos pelo factor trabalho e pelas camadas mais desprotegidas.
Não foram os trabalhadores alertados, já no século XIX,
pela consigna: proletários de todos os países uni-vos? Não
tiveram os sindicatos, na sua génese, a ideia da internacionalização
da luta? Isto é, da necessidade da globalização da sua
organização e da sua acção, sendo o dia 1º
de Maio uma prova bem viva da materialização desse objectivo?
Uma luta internacionalista que se trava em cada país.
Outro palavrão em voga muito caro ao engº Guterres, se é
que não foi ele que o inventou, é o da empregabilidade.
A "empregabilidade"
Por força da luta dos trabalhadores, em particular na Europa, os governos
são obrigados a prometer a criação de mais empregos,
sobretudo nas campanhas eleitorais. Mas, mesmo quando são criados mais
empregos, em regra são precários, desqualificados, com salários
baixos, a tempo parcial e com menos direitos.
É nestes empregos e nesta qualidade de emprego que fala o actual presidente
da UE, e, na recente cimeira de Lisboa, os governantes falaram mesmo em pleno
emprego; tendo o cuidado de ao mesmo tempo irem esclarecendo um estranho conceito
de pleno emprego; dizem que pleno emprego, é atingir apenas 4% de desempregados
daqui a dez anos na UE.
Contudo, o palavroso engº Guterres, precavendo-se contra a hipótese
de vir a acontecer o mesmo que sempre tem acontecido, em vez dos prometidos
empregos, a persistência de dezenas de milhões de desempregados
na Europa, pega na descoberta da empregabilidade e vai ensinando,
que a empregabilidade é da responsabilidade dos trabalhadores que têm
de adquirir elevados graus de qualificação, em áreas
diversificadas, adquirir mobilidade, flexibilidade, polivalência, estar
disponível para trabalhar no que estiver à mão, onde
quer que seja, à hora, ao dia, ao metro ou ao quilómetro, remetendo
para o trabalhador a responsabilidade e a culpa de não arranjar emprego
porventura devido à sua insuficiente empregabilidade!
Desmistificar as habilidades constantemente renovadas do capital e dos seus
serventuários no plano da luta das ideias, é por isso também
uma importante componente do trabalho dos comunistas na luta de classes em
que permanentemente estão envolvidos.
O futuro é de quem trabalha. E, mesmo neste ciclo histórico,
favorável ao grande capital, há por todo o lado forças
que não se conformam com as receitas do pensamento único, nem
com determinismos e dogmatismos tecnocráticos, economicistas, tecnológicos
ou outros ao seu serviço.
Forças que resistem e lutam, procurando outros caminhos, os caminhos
dos verdadeiros direitos humanos, contrapondo à mundialização
neoliberal a mundialização humanista e progressista, dos direitos,
da solidariedade de classe e da justiça social.
Aqui, no nosso País, entre essas forças, temos um movimento
sindical onde os comunistas são suporte e garantia de um sindicalismo
de classe no século XXI.
Temos um Partido Comunista que preserva a sua natureza de classe e revolucionária
e, por isso mesmo, a sua combatividade e actuação coerentes
com os seus princípios e objectivos finais, pugnando por transformações
sociais e políticas que acabarão por chegar e construir uma
via de progresso em direcção ao socialismo.
As batalhas e as dificuldades que temos pela frente, são incomensuráveis
e de longa duração, mas os ideais, valores e objectivos que
nos animam são ainda maiores. Por isso, um dia, sabemos que venceremos!
«O Militante» - N.º 247 - Julho/Agosto 2000