Não estamos condenados a ser
os trabalhadores pobres da Europa

 


Membro da Comissão Executiva da CGTP-IN

Existe por vezes a ideia de que as conquistas sociais e/ou po líticas, quando estão adquiridas e até fazem parte do nosso dia a dia, mantêm--se e manter-se-ão mesmo que nada façamos em sua defesa. Nada mais enganador. Se estivermos atentos, verificamos que as tentativas de retirar direitos sociais ou mesmo limitar o exercício da liberdade, nomeadamente a sindical, são diárias. Desde a tentativa de retirar, na prática, um “pequeno” direito constante no Contrato Colectivo, até à limitação do direito de nego-ciação colectiva, de reunião de trabalhadores dentro das empresas e do direito à greve (estes são Direitos Fundamentais da Constituição da República), passando pelo não cumprimento, por parte do patronato, dos contratos colectivos e legislação laboral. Concluímos então que a luta tem de ser permanente.
Não se trata só de determinados direitos que, ao não serem utilizados pelos trabalhadores, podem tender a cair em “desuso”, nomeadamente os constantes dos contratos colectivos. Estamos perante uma grande ofensiva do grande patronato, no sentido de impor trabalho sem direitos e com baixos salários.
A verdade é que a relação de força entre o capital e o trabalho continua a ser o factor determinante no progresso ou retrocesso da sociedade. Quando os trabalhadores lutam, tal como têm feito este ano, com grande determinação, unidade e firmeza, o patronato recua e os governos que os apoiam retrocedem. Foi o que se viu ainda recentemente com a tentativa do anterior Governo do PS de tentar alterar a legislação laboral em favor do patronato, através de projectos-lei que visavam reduzir o direito a férias ligando-as à assiduidade do trabalhador, impor o trabalho a tempo parcial sem regras contratadas na negociação colectiva, dar maior cobertura à precarização do emprego através dos contratos a prazo, entre outros projectos que constavam de um pacote laboral que a luta dos trabalhadores fez recuar.

No ano corrente, muitos milhares de trabalhadores vieram à luta, muitos deles jovens que pela primeira vez fizeram greve, participaram em plenários de empresa e manifestações com realce para a grande acção de massas realizada pela CGTP-IN no dia 23 de Março pelo emprego de qualidade contra a precaridade. Os trabalhadores da Administração Pública realizaram
duas greves com altos índices de adesão. Acções reivindicativas e formas de luta diversas foram desenvolvidas por trabalhadores das mais variadas empresas e sectores de actividade, entre os quais se podem registar, os transportes - em empresas como a Carris, o Metropolitano, a Vimeca, os TST (Transportes Sul do Tejo) -, o sector metalúrgico e metalomecânico, o sector dos fabricantes de material eléctrico, a Petrogal, a Cimpor, os Mineiros, os Enfermeiros, o Sector Automóvel, os Têxteis e Lanifícios, os Estaleiros Navais do Mondego, entre muitos outros.

Quando se luta existem resultados

Também as lutas desenvolvidas ao longo deste ano levaram ao recuo da política de moderação salarial do Governo.
De todas estas lutas resultaram melhorias salariais significativas para muitos milhares de trabalhadores, através de centenas de cadernos reivindicativos, envolvendo milhares de trabalhadores, onde se obtiveram aumentos por trabalhador que foram desde os 5.000$00 aos 20.000$00.
Na contratação colectiva, muitos trabalhadores obtiveram aumentos globais situados entre os 4% e os 6%, de que são exemplo os 4,1%, 4,4% e 6%, obtidos, respectivamente, na Carris, no Metropolitano e na Secil, ou o aumento mínimo de 10.000$00 conseguido na Petrogal, para citar apenas algumas das muitas empresas. Na Administração Pública conseguiu-se, designadamente, o aumento mínimo de 3.000$00 na remuneração de base.
Mas os resultados da luta não podem ser só medidos pelos aumentos salariais. Casos houve onde se reduziu o horário de trabalho semanal; onde se realizou um plenário de trabalhadores pela primeira vez em muitos anos - o que quer dizer que foi reposto o direito de os trabalhadores se reunirem, isto é, o patrão foi obrigado a deixar entrar a democracia na empresa; passaram a efectivos muitos trabalhadores com vínculo precário; foi reposta a legalidade em diversas empresas através do cumprimento, por parte dos patrões, do contrato colectivo e da legislação do trabalho; o direito à contratação colectiva foi mantido e, em muitos casos reforçado; situações houve em que era usual da parte das empresas - públicas e privadas - a recusa à negociação com os sindicatos e que foram agora obrigadas a sentar-se à mesa das negociações devido à luta dos trabalhadores. Regista-se a negociação de um ACT para o grupo de empresas criadas a partir da EDP, que manteve e melhorou os direitos constantes no anterior AE daquela empresa.

Muito há ainda para fazer

Mas muito há ainda por fazer, existem ainda trabalhadores que, ou não obtiveram nenhum aumento salarial este ano, ou obtiveram aumentos salariais muito baixos. Existe também trabalho precário que é preciso ser combatido, trabalhadores que os patrões impedem de se reunir em plenário, trabalhadores da Administração Pública que estão confrontados com a imposição por parte do governo do PS de um “aumento salarial” de apenas 2,5% que traduz uma perda dos seus salários reais. Sendo estas situações insustentáveis, os trabalhadores não deixarão de lhes dar as respostas que se impõem.
O desafio que é colocado aos sindicatos da CGTP é alargar a outros trabalhadores os bons resultados obtidos em muitas empresas e sectores, mobilizando e dinamizando a luta, porque, se assim for, haverá menos desequilíbrio na distribuição da riqueza, melhores condições de trabalho e efectivação de direitos.

Não estamos condenados a ser os trabalhadores pobres da Europa. O modelo de desenvolvimento do nosso País não pode ser feito com base na precariedade do emprego e com baixos salários. Um tal modelo não serve os dias de hoje e compromete o futuro. Os trabalhadores portugueses e as suas famílias merecem melhor.

«O Militante» - N.º 247 - Julho/Agosto 2000