As mulheres reivindicam
uma nova Conferência Mundial



Organização das Mulheres Comunistas


No mês de Junho, em Nova Iorque, a ONU, em Assembleia Geral especial, prepara-se para fazer a avaliação quinquenal da Plataforma de Acção de Pequim, adoptada por consenso em 1995 por 189 Estados, na última Conferência Mundial das Nações Unidas sobre as Mulheres.
Com vista à sua preparação, mais de 600 mulheres, em representação de 250 Organizações Não-Governamentais de Direitos de Mulheres (ONGs) dos 51 países que integram a região coberta pela Comissão Económica para a Europa das Nações Unidas (ECE-UN), reuniram-se em Genebra (17/18 de Janeiro) para, em conjunto, fazerem o balanço sobre o cumprimento dos objectivos estratégicos e das medidas que a Plataforma de Acção consigna e exige dos Governos e de outras instituições nacionais e internacionais.
O Partido, representado na secção das ONGs do Conselho Consultivo da Comissão para a Igualdade e os Direitos das Mulheres (CIDM), esteve presente através da Organização das Mulheres Comunistas, acompanhando os trabalhos, con-vergindo na procura de soluções na defesa dos direitos das mulheres, contribuindo para a reflexão sobre as causas que colocam ainda hoje a mulher num patamar tão baixo da sociedade.


A longa luta pela igualdade

Na reunião de Genebra, tal como em outras que decorreram em diferentes regiões do mundo, as mulheres, em representação das suas organizações, constataram ser necessário prosseguir a luta por iguais oportunidades e direitos nas diversas esferas da sociedade: económica, social, cultural e política.
Os relatórios alternativos, surgidos na sequência das diferentes reuniões regionais e nacionais promovidas sob a égide da ONU, persistem nas críticas às políticas dos Governos pois, sendo as mulheres mais de metade da população do planeta, continuam a ser as mais atingidas pelo analfabetismo, a ganhar em média 3/4 do que auferem os homens pelo mesmo trabalho, as mais afectadas pelo desemprego, pelo trabalho precário e sem direitos. Isto, enquanto sobre elas continua a recair, no essencial, a responsabilidade do trabalho doméstico, dos filhos e dos familiares mais idosos.
A exigência da Plataforma de Acção, que reafirma o princípio fundamental expresso na Declaração de Viena, segundo o qual os “direitos humanos das mulheres e das raparigas são parte inalienável, integral e indivisível dos Direitos Humanos”, continua ainda por cumpir.
Em todo o processo de preparação da Assembleia de Junho, as ONGs têm chamado a atenção das diversas instituições não só para o combate às políticas neoliberais, gravemente penalizadoras para as mulheres, como para a necessidade premente da compreensão de que a igualdade e a equidade entre os géneros têm de ser assumidas, interiorizadas e efectivamente postas em prática nas sociedades.
Apesar dos avanços verificados, cinco anos passados sobre a Conferência de Pequim, constata-se que os governos não levaram à prática os compromissos então assumidos e que a longa história de discriminações e de subordinação não tem permitido às mulheres exercer os seus direitos plenos de cidadania em igualdade com os homens, levando à sua diminuta e insuficiente participação nos espaços públicos e nos lugares de decisão.
Em Março, em Nova Iorque, do que é dado a conhecer aquando da discussão, durante três semanas, do Estatuto das Mulheres, fortes divergências de fundo envolveram a UE, o JUSCANZ (Japão, EUA, Canadá, Austrália, Nova Zelândia), o Grupo dos 77 e a Santa Sé, que impediram a aprovação dos relatórios previstos para a Assembleia Geral especial de Junho. Estas divergências têm sido aproveitadas por alguns governos para se pronunciarem unicamente por uma nova avaliação da Plataforma de Pequim em 2005, o que tem sido fortemente contestado pelas ONGs, que mantêm a posição de realização de uma nova Conferência Mundial nesta data.

Num mundo em que sobre as mulheres recaem os pesados custos da globalização é da máxima importância que sejam elas que procurem e proponham soluções, denunciem toda e qualquer forma de violência, de exclusão, de discriminação. Que sejam elas a questionar os governos e a exigir-lhes a tomada de medidas e o respeito pelo direito de cidadania.
Sendo elas as mais atingidas pelas crises económicas em que o capitalismo mergulha o mundo, as mulheres não deixam os seus créditos por mãos alheias. E a Marcha Mundial das Mulheres, ideia que nasceu em Pequim, é bem reveladora disso mesmo.
Na verdade, os objectivos estratégicos da Plataforma de Acção propõem medidas que estão na base das reivindicações da Marcha, o que revela o não cumprimento por parte dos governos dos compromissos que contraíram ao subscreverem os documentos de Pequim.
A necessidade de realização da Marcha indicia que a avaliação, em Junho, de Pequim+5 será insatisfatória e que a luta das mulheres terá de prosse-guir para que, em todo o mundo, a sua situação económica, social, cultural e política se altere para melhor.

O que se passou em Genebra...

Mulheres e Economia, Mecanismos para a Igualdade, Mulheres e Poder e Mulheres e Violência - foram as quatro das doze áreas críticas da Plataforma de Pequim a serem objecto de discussão.
A escolha, por parte da ECE-UN, de apenas estas quatro áreas críticas, foi contestada pelo Lobby Europeu de Mulheres, que considerou uma menorização da importância e do significado da Plataforma de Acção em vigor até 2005.

Mulheres e Economia

Num quadro internacional e nacional em que as mulheres estão no centro dos fenómenos decorrentes da globalização económica, este relatório refere, de forma muito crítica, os resultados negativos dessa globalização, reconhecendo que persistem e aumentam as desigualdades entre mulheres e homens, o desemprego, sobretudo o feminino, a feminização da pobreza, a instabilidade do mercado de trabalho e a diminuição da protecção social.
Expressa-se a exigência da eliminação da pobreza, a penalização das empresas com elevada percentagem de trabalhadoras a tempo parcial e sem direitos e a inclusão obrigatória, na negociação colectiva de disposições que eliminem as diferenças salariais entre mulheres e homens.
Recomenda-se aos governos que, ao formularem as suas políticas e tratados comerciais, deverão incorporar as opiniões das ONGs.
Mecanismos para a Igualdade
As ONGs entendem que os governos devem reconhecer a sua participação nos processos de decisão, como condição necessária para melhorar o processo democrático. Exigem ser apoiadas com recursos públicos, através de financiamentos dos orçamentos nacionais.

Mulheres e Poder

Foi constatado que os progressos nesta área são diminutos e que a paridade 50/50 está longe de ser alcançada.
Exigiu-se aos governos medidas constitucionais, legislativas e outras para estabelecer a paridade nas eleições locais, regionais e nacionais.
Chamou-se a atenção dos partidos políticos para a sua responsabilidade neste processo, no sentido de assegurarem a paridade nas suas estruturas internas.

Mulheres e Violência

Realizaram-se reuniões distintas sobre conflitos armados, tráfico e violência doméstica.
As ONGs, que trabalham directamente nestas áreas, reforçaram a abordagem não linear destes problemas.
No caso concreto das vítimas de tráfico reivindicou-se o desenvolvimento de políticas e programas nas vertentes económica e social, para a sua reabilitação e reintegração e com adequada disponibilização de verbas.
Exigiu-se que a violência sobre as mulheres seja interpretada como uma grave violação dos Direitos Humanos e recomendou-se aos governos a definição de indicadores que permitam uma avaliação sistemática de todas as formas de violência contra as mulheres.

Importante recordar

A Plataforma de Acção de Pequim destina-se:
"a eliminar os obstáculos à participação activa das mulheres em todas as esferas da vida pública e privada, para que intervenham de pleno direito nas tomadas de decisão em questões económicas, sociais, culturais e políticas. Isto significa também que há que estabelecer o princípio da partilha do poder e da responsabilidade entre mulheres e homens na família, no mundo do trabalho e nas comunidades mais alargadas, a nível nacional e internacional. A igualdade entre mulheres e homens é uma questão de direitos humanos e uma condição de justiça social, sendo igualmente um requisito necessário e fundamental para a igualdade, o desenvolvimento e a paz. O desenvolvimento sustentável, centrado nas pessoas, implica uma nova relação de parceria entre mulheres e homens. A fim de se enfrentarem os desafios do século XXI, é essencial um empenhamento sustentado a longo prazo, para que as mulheres e os homens trabalhem em conjunto para si próprios, para os seus filhos e para a sociedade."

As doze áreas em avaliação

. A pobreza, fardo persistente e crescente que afecta as mulheres.
. As desigualdades, a inadequação e a disparidade de acesso à educação e à formação profissional.
. As desigualdades, a inadequação e a disparidade de acesso aos cuidados de saúde e serviços correlacionados.
. A violência contra as mulheres.
. Os efeitos dos conflitos armados ou outros sobre as mulheres, incluindo as que vivem sob o domínio estrangeiro.
. A desigualdade nas estruturas e políticas económicas, em todas as formas de actividades produtivas e acesso aos recursos.
. A desigualdade entre mulheres e homens na partilha do poder e na tomada de decisões a todos os níveis.
. A insuficiência de mecanismos para promover, a todos os níveis, o progresso das mulheres.
. O desrespeito, a inadequada promoção e protecção dos direitos humanos das mulheres.
. A estereotipização das mulheres e a desigualdade no acesso e na participação em todos os sistemas de comunicação, especialmente nos media.
. As desigualdades de género na gestão dos recursos naturais e na defesa do ambiente.
. A discriminação persistente contra as raparigas e a violação dos seus direitos.

«O Militante» - Nº 246 - Maio/Junho 2000