Notas
e
Comentários

As presidências de Guterres

O secretário-geral do PS e primeiro-ministro do Governo de
Portugal é também, agora, por eleição, presidente da Internacional Socialista e, durante o primeiro semestre deste ano, por rotação, tem a presidência portuguesa da União Europeia.
Uma tal diversidade de funções tão importantes deveria indiciar um grande conjunto de qualidades humanas. É certo que, no nosso País, António Guterres teve papel principal para, recentemente, convencer muitos eleitores da bondade da sua direcção, mas houve muitos eleitores anteriores do PS que deixaram de votar neste partido porque verificaram que foram ludibriados pela sua política de direita e/ou com receio de uma maioria absoluta dirigida por ele. Houve até quem se demitisse do PS e escrevesse palavras muito azedas e acusadoras sobre o seu secretário-geral. Algumas apreciações de colonistas que não podem ser conotados connosco são elucidativas:

"A pesada herança reformista chegou finalmente ao segundo Governo Guterres com o destino traçado, isto é, o caixote do lixo, na linha da velha tradição socialista de simular mudanças radicais para disfarçar o seu carácter estatista e conservador." (António Ribeiro Ferreira, DN, 14.11.99); o mesmo ARF diz (DN, 15.11.99) que o nível a que chegou o segundo Governo socialista é "um nível pouco aconselhável para quem cultive valores e princípios"; J.A.L. (Expresso, 20.11.99) considera que "a imagem do seu Governo (de Guterres) ficou de rastos em sectores-chave".Também quem conhece a história desta Internacional Socialista a que Guterres agora preside não se admira com a personalidade deste presidente. Como é sabido, os melhores apoios do Governo de Guterres são os principais banqueiros, cujos objectivos são forçosamente incompatíveis com os interesses dos trabalhadores e das demais camadas sociais antimonopolistas.

A orientação seguida por Guterres é claramente de direita, nada tem com o socialismo. É certo que a IS engloba actualmente alguns partidos, particularmente africanos, que se preocupam com os direitos dos explorados e com uma via que diminua o cada vez maior afastamento entre os ricos e os pobres, mas não são eles que dirigem a IS nem têm peso nela. Pelo contrário, o que se conhece é que alguns desses países, membros da IS, aproveitaram o seu recente Congresso para protestarem contra a sua orientação. Segundo Pedro Pires, líder do PAIGC, "o que se discutiu foi a visão dos ricos da mundialização" e para Manuel Tomé, secretário-geral da Frelimo, "os pobres têm de estar mais presentes nas reuniões e nas estruturas da IS" (Expresso, 13.11.99). É por tudo isto que, quando, por exemplo, Victor Cunha Rego afirma que a IS é "o actual expoente do capitalismo" e que este "parece já não ter sombra de vergonha" (DN, 29.11.9.99) ninguém fica admirado.

Enganar III

No último número de O Militante, nas Notas e comentários, foram
publicados Enganar I e Enganar II. O Enganar III não teve lugar para ser incluído.
Na verdade, foram salientadas as mentiras a que recorrem, necessariamente, os partidos que pretendem realizar uma política de direita e disse-se que elas podem ser directas ou apresentadas de uma forma habilidosa. Faltou exemplificar esta última forma de enganar os eleitores, que tem uma grande importância porque atinge muito melhor os seus objectivos.
Portugal tem um especialista nessa "arte", desde a postura e a expressão fisionómica até à fluência do discurso e à "roupagem" das mentiras.
Foi António Guterres que disse que "se o PS viesse a dispor de uma maioria absoluta, maior ainda seria o seu empenhamento nos combates aos abusos de poder, no respeito pelos direitos dos outros (...)". (DN, 28.6.99)
É, evidentemente, uma mentira. Quem mostrou tanta apetência pela entrega de "tachos" à "rapaziada" do PS (apesar de ter afirmado, de começo, que isso não iria acontecer) é evidente que, com a maioria absoluta, maiores seriam os abusos do poder e menor seria o respeito pelo direito dos "outros" a

conseguirem um emprego... Aliás, a vida mostra que, mesmo sem a maioria absoluta, já recomeçou a distribuição de novos "tachos". Não é difícil encontrar pessoas que se passaram para o PS e não têm rebuço de afirmar que o motivo foi exactamente um emprego.

"Penso que fiz o que estava ao meu alcance para transformar Portugal num país mais justo (...) Aos portugueses peço agora que me ajudem a construir um Portugal justo na estabilidade, no diálogo e na confiança (DN, 15.9.99).
Quantos não são levados por frases tão hábeis como estas que deixam na sombra o facto de, nos quatro anos do seu primeiro governo, Guterres ter faltado a quase todas as suas promessas e nada haver realizado de importante.
"Os portugueses conhecem-me, os portugueses confiam em mim". É um grande atrevimento. Nas últimas eleições mais de 73% dos eleitores não votaram PS. Não serão eles portugueses?

Outros exemplos poderiam ser citados. Os slogans do PS, indicados possivelmente por especialistas de mercado - os tais que dizem que "vendem"

políticos como se fossem champôs -, utilizaram o nome de Portugal ("Portugal está em boas mãos"; "Obrigado Portugal") com o significado de PS ou de votantes no PS. Lembra tempos em que os dirigentes do País também generalizavam os seus apoios como se os outros não contassem...
Só mais um exemplo entre muitos outros, que poderiam ser citados. A jornalista Maria de Lurdes Vale escreveu um comentário (DN, 19.9.99) que começa assim:
"Pede António Guterres: «expliquem a nossa mensagem aos vossos amigos e vizinhos. Cada um de vós que seja porta-voz da ideia de que estamos agora a viver num país mais moderno, desenvolvido e mais prestigiado no mundo.»"
E depois conta ter levado o filho de seis anos à escola número 110 em São Domingos de Benfica e ter ficado desiludida ao ver um "local triste, a precisar de obras, com casas de banho miseráveis (...) salas de aula com o chão levantado e partido, encontrámos bafio, rachas no tecto..." E mais adiante: "A tal paixão da educação parece não ter chegado à 110 de Benfica".
O título do comentário é significativo: "Os amigos e vizinhos não iam compreender".


A desinformação impera

Um exemplo!

Algumas afirmações feitas pelo secretário-geral do Partido,
camarada Carlos Carvalhas, numa reunião com jovens portugueses e de outros países levantou uma verdadeira campanha desinformadora na comunicação social. Esta campanha faz parte do quotidiano esforço da grande comunicação social, que está nas mãos de muito poucos importantes grupos económicos, para defender, naturalmente, o seu próprio poder e os seus insaciáveis interesses. É bom ter sempre presente que esta situação da comunicação social é um poderoso factor antidemocrático.
Porque o artigo que é publicado, neste número, "Democracia em Portugal - a contribuição comunista" esclarece, de forma muito clara questões que foram falsamente levantadas, só colocamos aqui dois parágrafos da Resolução Política do XIII Congresso do PCP, realizado em Maio de 1990, um que se refere ao "modelo" e outro que se refere à importância da democracia e da liberdade. As diversas páginas que expressam, nessa Resolução, as apreciações do PCP sobre os acontecimentos na União Soviética e outros países socialistas são perfeitamente desconhecidas dos actuais desinformadores encartados.
"As situações em desenvolvimento tornaram objectivamente indispensável e mesmo inevitável o decidido abandono de um «modelo» que, com um conjunto de erros e deformações, contrariou e se afastou de valores essenciais do

socialismo, a superação de grandes atrasos e medidas de renovação e de restruturação em todas as esferas da vida dos países respectivos.

"A análise dos gravíssimos acontecimentos dos países socialistas e o substracto essencial das causas dos insucessos e derrotas verificados, confirmam por um lado a subestimação do valor intrínseco da liberdade e da democracia política que se verificou na construção da sociedade socialista, por outro lado o carácter imperativo de que a lição se inscreva de forma positiva no programa de construção da nova sociedade."

O Independente (19.11.99) publicou uma pequena nota de Vasco Rato, que afirma, impado de sabedoria, que o discurso de Carlos Carvalhas "foi um sinal inequívoco da «renovação» do PCP". E escreve que ele reconhece a existência de um "modelo" que "desprezou o valor intrínseco da liberdade e da demcoracia política". E pergunta: "(...) era mesmo necessário esperar dez anos para anunciar esta conclusão?"
E, apesar de se tratar de uma pequena nota cheia de empáfia, não despreza a ocasião para referir os "psicopatas Guevara e Fidel". Querem melhor?...


Reunião da CIP com os partidos...

Ainda antes das eleições, o Conselho de Presidentes
da Confederação da Indústria Portuguesa reuniu todo um dia (22.9.99) para "debater o enquadramento da economia e competitividade das empresas, um encontro que contou com a participação de Pina Moura, pelo PS, Paulo Portas, pelo PP, e Tavares Moreira, pelo PSD, não tendo o PC sido convidado" (DN, 23.9.99).
Ferraz da Costa, presidente da CIP, "manifestou preocupação quanto à conjuntura económica", o que é natural para quem, também naturalmente, pretende conseguir mais facilidades, mais trunfos, do que os que já tem.
Paulo Portas defendeu "a

separação total entre o público e o privado, com a passagem para este último sector de muitas das áreas que continuam a ser geridas pelo Estado «com falta de eficácia» (lembra-nos logo a história dos caminhos de ferro na Inglaterra, que foram privatizados e passaram a ser mais conhecidos pelos seus desastres; é claro que a "eficácia" não se refere a problemas humanos, refere-se só aos lucros, como se tem verificado nas privatizações em Portugal). "As reformas fiscais, da segurança social, saúde e justiça reúnem o consenso do PP e da CIP. A redução da carga fiscal sobre as empresas é um dos objectivos comuns às duas pates". Um documento que foi

distribuído "revela um endurecimento das posições da Confederação relativamente à área laboral. Maior rigor no trabalho e mais flexibilidade são as contrapartidas para melhores salários." E o DN refere ainda, a respeito da legislação laboral, as seguintes posições da CIP: "Alteração do regime na negociação colectiva; maior flexibilidade de contratação e despedimento; perda de retribuição por faltas, ainda que justificadas; duração máxima do trabalho semanal de 50 horas."
É um panorama "interessante" para os explorados, mas têm de mudar de nome para os exploradíssimos. Percebe-se que não tenha sido convidado o PC (segundo o DN), isto é, o PCP.

Cimeira ibero-americana

Sobre a cimeira ibero-americana, as apreciações feitas na
"nossa" (deles, claro) comunicação social, fartou-se de cumprir a sua função: desinformar.
Mas nem todos!... Vale a pena citar aqui dois trechos retirados de uma página do jornalista Oscar Mascarenhas (DN, 18.11.99).

"Na conferência de imprensa final, [Fidel Castro] não deixou de criticar o «controlo da informação internacional das agências» que, da cimeira, apenas se

preocuparam em noticiar aquilo a que chamou «as pessoas que vivem da indústria da dissidência». «Não disseram uma palavra sobre a cimeira, não disseram uma palavra sobre a Escola Médica que abrimos e vai receber oito mil alunos de toda a América Latina, fazendo deles médicos de vanguarda que vão salvar milhões de vítimas»". "Charles Shapiro, coordenador da política norte-americana para Cuba, encontrou-se com diplomatas europeus acreditados em Cuba e

levou deles alguns elementos para um retrato do país de Fidel Castro, entre os quais a informação de que não existe corrupção, ou, pelo menos, ela não é significativa.
Os mesmos embaixadores deram conta a Shapiro de que a oposição, ou as oposições, não mostram ter representatividade ou penetração na população: as manifestações que se verificaram dias antes da cimeira - e tiveram bastante impacte noticioso internacional - integravam uma dezena de pessoas, segundo o relato pessoal de um desses diplomatas".


«O Militante» - Nº 244 - Janeiro/Fevereiro 2000