A luta do povo curdo, a NATO
e a ditadura militar na Turquia



Professor

Nesse terrível centro de tortura e morte que é a prisão militar de Diyarbakir foram encarcerados após o golpe de 1980, juntamente com 2231 resistentes curdos, numerosos dirigentes da central sindical DISK (proibida pelos militares), muitos intelectuais e outros democratas turcos. O ex-presidente da Câmara de Diyarbakir, Mehdi Zana, a cumprir ali 15 anos de prisão escreve, numa carta, ao turco Hidayet Özpinarli: “eu quero dar-te um exemplo da solidariedade entre os nossos povos e dos seus interesses comuns. Aqui na prisão perdeu a vida o nosso camarada turco Kemal Pir na luta pelos direitos do povo curdo e muitos outros camaradas turcos estão aqui encarcerados pelo mesmo motivo. Isto mostra com clareza quem é o verdadeiro inimigo dos nossos dois povos”.
Mais de dez mil presos políticos, condenados por “crítica e ataque contra o Estado” (§ 312 do Código Penal), encontram-se neste momento nas masmorras de Ancara.
Desde 27 de Maio de 1995 manifestam-se todos os sábados, na Praça Galatazary, em Istambul, “as mães do sábado” que, apesar de perseguidas, emprisionadas e torturadas pelas forças policiais, não desistem de querer saber onde se encontram os seus familiares desaparecidos nas garras do aparelho repressivo do Estado.
Os Estados Unidos e os principais governos da UE procuram por todos os meios esconder da opinião pública que na Turquia está implantada uma ditadura militar de fachada parlamentar, virada para a repressão contra os trabalhadores, as forças democráticas e os direitos do povo curdo. A deputada do círculo de Diyarbakir, Leyla Zana, expulsa do Parlamento pelos militares juntamente com mais sete deputados do Partido Democrático do Povo (HADEP) e condenada a pesadas penas de prisão por falar a língua curda, escreve da prisão de Diyarkabir: “a nossa sorte é decidida pelo Conselho Nacional de Segurança. O Tribunal só serve para dar cobertura jurídica. Sobre esta questão não temos ilusões. Nestes processos políticos o juíz é apenas um notário que coloca o selo sobre a decisão dos militares”. Perante o Tribunal, Leyla Zana caracterizou assim a verdadeira natureza do regime: “eu sou a primeira mulher curda eleita para o Parlamento. Agora estou sujeita, devido às minhas convicções, a ser condenada à morte porque defendo a paz, a democracia e o reconhecimento dos direitos legítimos do meu povo. Na passagem para o século vinte e um, este Estado que se diz democrático, que é membro da NATO e do Conselho da Europa e que recebe os mais variados apoios dos países ocidentais, quer enviar-me para o cadafalso”.

Os três golpes militares

Desde a sua adesão à NATO em 1952, a Turquia foi vítima de três golpes militares. A condenação à morte de 25 intelectuais curdos, após o golpe de 1969, desencadeou grandes manifestações que foram brutalmente reprimidas: 194 mortos e 400 feridos em Diyarbakir, 121 mortos e 354 feridos em Mardin e muitas mais vítimas noutras cidades curdas como Bitlis e Van.
No final dos anos sessenta verifica-se um novo ascenso das lutas sociais, com incidência nas regiões económica e politicamente discriminadas do Curdistão.
Com o pretexto de restabelecer a ordem, os militares, dirigidos pelos generais Tagmac e Nihat Erim, dão em Março de 1973 novo golpe de Estado. Os partidos e organizações de esquerda, entre os quais o Partido do Trabalho (TIP), são proibidos e são presos milhares de democratas e sindicalistas, apelidados de “separatistas curdos”.
Durante a segunda metade dos anos setenta, verificou-se uma nova vaga de protestos. Em Istambul, Izmir, Adana e noutros centros organizaram-se greves com uma grande participação de trabalhadores curdos emigrados, provenientes do leste da Anatólia.
Em 27 de Novembro de 1978 foi fundado o Partido Curdo do Trabalho (PKK), que irá ter um papel fundamental no desenvolvimento da luta de massas e de libertação contra a ditadura militar. Com a ajuda dos serviços secretos, o partido de extrema-direita Exército de Salvação Nacional (MSP) organiza, a 23 de Dezembro, o massacre de Maras em que 111 curdos são assassinados. Ecevit, o raptor de Oçalan, já então chefe do Governo e uma marioneta dos militares, em vez de proteger os curdos decreta, com o pretexto de combater actividades separatistas, o estado de sítio em 13 províncias do Curdistão, entre elas Maras, um dos principais centros grevistas.
A 12 de Setembro de 1980 os militares, mais uma vez apoiados pela NATO e conduzidos pelo general Evren, que se tornou chefe de Estado e Presidente do Conselho Nacional de Segurança, são os responsáveis da terrível repressão sobre o movimento sindical e o povo curdo. A utilização pública da língua curda é proibida por lei a 22 de Outubro de 1983.


O PKK e a luta de libertação

Após o golpe militar de 1980 e até Outubro de 83 - dia em que os generais impuseram ao país uma Constituição antidemocrática, ainda hoje em vigor e que coloca praticamente sob o controlo do Conselho Nacional de Segurança toda a actividade política - foram presas mais de 200.000 pessoas, entre elas numerosos quadros e membros do PKK, a principal força da resistência contra o regime militar de Ancara.
Durante uma acção repressiva contra milhares de presos que se encontravam em greve de fome na prisão de Diyarbakir e que gritavam, em Janeiro de 1984, do nascer ao pôr do sol: "fim à tortura", foram incendiadas várias celas registando-se numerosos mortos e feridos.
Perante a crueldade do regime, o PKK decidiu, em Agosto de 1984, passar à luta de libertação contra a ditadura militar por um Curdistão “livre e democrático”.
O sociólogo turco Ismail Besikçi explica o sucesso do PKK, constatando que “nos anos setenta, quando o exército turco invadiu as aldeias e localidades curdas e infligiu maus tratos e humilhações às populações, estas não se revoltaram tendo aceite tais actos como uma fatalidade do destino. A ideia da revolta, do levantamento, chegou nos anos oitenta com o PKK e modificou completamente o estado de espírito do povo curdo. Foi a revolta contra a aceitação da escravatura”.
Em 15 de Outubro de 1998, o dirigente do PKK, Abdullah Öcalan, numa declaração à cadeia de televisão curda MED-TV, explica o quadro difícil em que se processou o desencadear da luta: “O facto de iniciarmos a nossa luta de libertação contra a Turquia, um Estado com a missão de assegurar o policiamento da região, pareceu-nos constituir um grande perigo... (Os Estados da NATO) começaram a preocupar-se seriamente como é que poderiam esmagar o nosso movimento. Para tal, procederam à aplicação "da estratégia contra amotinações", medidas bem conhecidas nos círculos da NATO”.
Nos anos de 1991, 1992 e 1993, durante as celebrações do novo ano curdo (Newroz), o segundo maior exército da NATO (800.000 homens) executa cruéis massacres contra as populações civis. Só em Cizre são assassinados mais de uma centena de pessoas. Em 1993, o PKK propõe pela primeira vez a suspensão da resistência armada. Mas o regime responde com novas acções militares que culminaram com a invasão do norte do Iraque por 50.000 soldados turcos, a pretexto de destruirem bases de resistentes curdos.
Em Roma, após lhe ter sido recusado asilo político pelos governos socialistas e social-democratas da UE e antes de ser raptado por Ecevit num acto de terrorismo internacional, Öcalan explica como a NATO, mais uma vez, tentou torpedear a luta do povo curdo: “Em 1 de Setembro de 98 a instâncias das potências ocidentais e com absoluta ingenuidade - só assim se pode caracterizar hoje a nossa boa fé - declarámos, pela terceira vez, um cessar-fogo unilateral. Procurámos não desenvolver qualquer operação armada. Verificar-se-ia rapidamente que este desejo do Ocidente fazia parte de uma conspiração mais vasta. O resultado foi que as bombas que se destinavam a nós foram lançadas, desta vez, sobre o Iraque”.

Guerra e terror contra a população civil

Com as armas provenientes dos Estados Unidos, Alemanha, França e Inglaterra, silenciada pela CNN-TV e por outros meios de informação e de propaganda imperialistas, a guerra dos militares turcos contra o povo curdo tem conduzido, nas últimas décadas, à expulsão sistemática da população de etnia curda do leste da Turquia e à destruição da base material da sua existência. Alegando que se trata de destruir bases de apoio ao “terrorismo”, os militares obrigam os habitantes das aldeias nas montanhas a abandoná-las e a transferirem-se para outras regiões.
As populações são sujeitas a maus tratos e torturas e as sementeiras, os campos e os alimentos são envenenados. Segue-se o arrasamento das aldeias, com o pretexto de que se trata de “medidas de segurança necessárias”. Só durante o ano de 1997 a Turquia reconheceu oficialmente a destruição de 900 aldeias. O número de localidades arrasadas nos últimos anos ultrapassa as três mil. Cerca de 4 milhões de curdos foram assim expulsos ou deportados das suas terras, vivendo hoje nas grandes cidades como Diyarbakir, cuja população duplicou nos últimos cinco anos e onde o desemprego atinge metade da população activa. O rendimento per capita naquela cidade do Curdistão é de 200 dólares por ano, isto é, metade da média no total da Turquia. Mas também os bairros de lata e subúrbios de Istambul e de outras cidades da Turquia ocidental transformaram-se em grandes centros da resistência curda. Centenas de milhar de curdos, fugindo ao terror dos militares contra a população civil no leste da Anatólia, vivem ali num estado de pobreza inimaginável. Hoje em toda a Turquia e particularmente em Istambul luta-se pelos direitos do povo curdo e pela democracia.
O fim da ditadura militar e o restabelecimento da democracia na região são indispensáveis para terminar com o papel de polícia dos interesses das potências capitalistas desempenhado pelo regime turco. Os planos mais recentes do imperialismo e do chamado “Novo Conceito Estratégico” da NATO, que prevêem a transformação da Turquia numa base de agressão permanente - que permita às transnacionais controlarem o petróleo, gás e outras riquezas naturais, do Cáucaso ao Mar Cáspio, e as suas respectivas vias de transporte - tornam mais premente a solidariedade internacional com a luta dos povos curdo e turco.
Trata-se de conter a ameaça para a paz mundial que representa o regime militar dos generais da Anatólia, numa região que os próprios EUA definem como os “Balcãs da Eurásia”.

«O Militante» - Nš 244 - Janeiro/Fevereiro 2000