Grandes acontecimentos do século XX A Revolução de Outubro |
Para a capa do primeiro número deste ano 2000
O Militante escolheu uma ilustração que é
uma referência à Revolução de Outubro, um
acontecimento que marca profundamente o século XX. A propósito dessa Revolução, que teve grande significado na história da humanidade, publicamos um trecho da Resolução Política do XIII Congresso do PCP, realizado em Maio de 1990, e uma análise, embora breve, que foi solicitada ao historiador António Pessoa. |
(...) no curso do século, a partir da revolução
de Outubro de 1917, a luta libertadora dos trabalhadores e dos povos alcançou
vitórias de significado e alcance mundial. Em numerosos países,
pela primeira vez depois de milénios de sociedades baseadas no antagonismo
de classes exploradoras e classes exploradas, os povos lançaram-se
à construção de uma nova sociedade sem exploradores
nem explorados - a sociedade socialista. Nos países capitalistas
o movimento operário teve grande desenvolvimento e os trabalhadores
alcançaram pela sua luta valiosas conquistas democráticas.
Desmoronou-se o odioso sistema mundial do colonialismo com a conquista da
independência por povos
explorados e oprimidos por vezes secularmente. Nas transformações
revolucionárias da sociedade humana no século XX, a luta dos
povos, factor determinante, contou com o estímulo do exemplo, a ajuda
internacionalista - política, diplomática, material, militar
e humana - da URSS e de todo o campo socialista. O capitalismo foi obrigado
a recuos e concessões na sua política interna e externa pela
força das ideias, das realizações e da presença
na vida internacional do mundo socialista. Pactos internacionais consagraram
juridicamente como património histórico do século XX
direitos sociais, económicos e melhorias conquistadas com o socialismo.
Estes acontecimentos representam factos inquestionáveis e um salto
qualitativo na história.
Contrapondo a verdade histórica à propaganda que pretende
negar e apagar as realizações alcançadas nos países
socialistas, é necessário e oportuno lembrar que, partindo
em geral de um baixo nível de desenvolvimento, sofrendo enormes destruições
provocadas pela guerra, sujeitos ao bloqueio económico e à
«guerra fria», obrigados a desviar para a esfera da defesa recursos
colossais, ao mesmo tempo que prestavam apreciável ajuda
material aos povos em luta, de uma forma geral os países socialistas
conseguiram dotar-se de uma base industrial considerável e desenvolver
com rapidez a agricultura, crescendo a ritmos económicos muito superiores
aos da Europa capitalista; venceram rapidamente o analfabetismo, generalizando
a instrução, a cultura, o desporto; alcançaram elevado
nível científico-técnico; asseguraram uma vasta rede
de saúde pública e de segurança social; eliminaram
o flagelo do desemprego; promoveram em alguns casos o desenvolvimento de
uma cultura e identidade nacionais próprias; puseram em prática,
em alguns casos e períodos, formas de democracia participativa de
grande valor.
Necessário se torna também sublinhar que a URSS deu uma contribuição
decisiva e sem paralelo para libertar a Europa do nazi-fascismo e, em conjunto,
com outros países socialistas, para a defesa da paz mundial nos últimos
45 anos.
Os erros, atrasos e graves desvios do ideal comunista e crises surgidas
em determinado momento do desenvolvimento dos países socialistas
não põem em causa estas verdades históricas.
A Revolução de Outubro, ocorrida na Rússia em 1917,
constitui um acontecimento histórico incontornável na luta
dos povos pela paz, pela democracia política, económica, social
e cultural, contra todas as formas de exploração, em especial
contra o capitalismo liberal, sistema económico gerador de profundas
diferenças sociais.
Mas este evento, contra o que muitos querem fazer crer, não é
um episódio fortuito, obedecendo, antes sim, à lógica
de desenvolvimento do processo histórico russo.
A Revolução de 1905
Desde os primórdios até à revolta de 1905, a Rússia
foi dirigida por governantes, oriundos da aristocracia imperial, autocratas
sempre, déspotas iluminados, por vezes, que nunca se conseguiram
libertar do perfil ditatorial, autoritário, repressivo e reaccionário
que ao longo do processo histórico sempre os caracterizou. Rodeando-se
de conselheiros a quem o epíteto de conservador, não seria
mais que um insulto, os soberanos russos estiveram mais interessados em
expandir fronteiras, procurar a todo o custo saídas para o mar ou
em aniquilar inimigos cujos interesses colidissem com os seus. Toda e qualquer
reforma processada teve, como pano de fundo, o objectivo de desenvolver
e consolidar as bases materiais e humanas que lhes permitissem entrar na
roda viva da conquista do poder global.
Nutrindo um ódio visceral à Revolução Francesa
e às suas ideias, nunca se lhe vislumbrou uma réstea de abertura
à corrente liberalizadora que varreu a Europa, ao longo do século
XIX, nem sequer um assomo de simpatia pelo movimento de independência
da Nação grega, que tanto sensibilizou as restantes nações
ocidentais, não deixando nunca de, pelo contrário, se confirmar
como pilar rígido e voluntário de quantas Santas Alianças
se constituíram.
Manifestando um total desprezo pela melhoria das condições de
vida das populações, pelos seus direitos, liberdades e garantias,
não surpreende que a sublevação do movimento popular
tivesse sido jugulado, no domingo sangrento de 1 de Janeiro de 1905, quando
as forças da ordem atiraram sobre manifestantes indefesos, causando
mais de mil vítimas.
Os partidos da oposição, em especial o Partido Social Democrata,
criado por Plekhanov em 1898 e dividido em Bolcheviques e Mencheviques desde
1903, e o Partido Social Revolucionário, fundado um pouco mais tarde,
divididos quanto aos objectivos e à missão do partido, não
conseguiram mais do que responder com um apelo à greve geral que redundou
num fracasso total.
A Revolta de 1905 não constituiu mais do que um ensaio geral da Revolução
que iria ter lugar doze anos depois.
A guerra de 1914-1918
Após o Congresso de Viena de 1815, que marca a queda de Napoleão
e da própria França, a Inglaterra passou a exercer uma supremacia
incontestada no Sistema Mundial, graças ao domínio da tecnologia
de ponta conhecida na época, consequência da 1ª revolução
industrial, o que lhe permitiu projectar poder por todo o globo. Porém,
no final do terceiro quartel do século XIX, o Sistema Internacional
altera-se, consideravelmente, com a unificação e constituição
das novas nações alemã e italiana.
No final da centúria, a supremacia da Inglaterra começa a
ser contestada pelas novas po tências emergentes, sobretudo pelos
Estados-Unidos e pela Alemanha, sem perder de vista que o Japão e
a Rússia já se tinham alcandorado às posições
da França e da Áustria-Hungria e que a intervenção
da própria Itália nos assuntos europeus tinha que ser levada
em conta.
A aproximação das novas nações às actuais
tecnologias, produtos da 2ª revolução industrial, faz
pensar que o acesso ao poder global deixou de ser uma impossibilidade e
que a formação de impérios similares ao inglês
deixou de ser um sonho, para se tornar realidade. Daí que uma nova
partilha do globo em zonas de influência se tornasse necessária
e que a guerra se considerasse inevitável.
A Revolução democrática-liberal de Fevereiro 1917
A Rússia não estava preparada para suportar uma guerra prolongada.
No Verão de 1914 os quadros foram dizimados, sem possibilidades de
serem substituídos, a inferioridade em artilharia era notória
e as fábricas não conseguiam satisfazer mais do que um terço
das necessidades. No Inverno de 1915-1916, o exército conseguiu evitar
o aniquilamento, mas viu-se obrigado a abandonar a Polónia, a Lituânia
e a Galícia, perdendo metade dos efectivos.
O sistema económico decompôs-se, os preços agrícolas
e industriais subiram em flecha, os salários não os podiam acompanhar
e o movimento grevista explode. Só em 1916, ultrapassou um milhão
de aderentes.
Em Petrogrado, o Governo não responde e o Czar apaga-se. O poder
está na mão da Czarina sob influência de Rasputine.
Quando este é assassinado, a violência redobra e a oposição
legal, embora dividida, agrupa-se em volta da 4ª Duma, formando uma
frente, cujo cimento é, agora, o ódio aos Romanov.
Em 23 de Fevereiro, retomada a ligação com a oposição
ilegal e em resposta à falta de alimentos e às medidas, preconizadas
pelo Governo, de distribuir cartões de racionamento, o movimento popular
vai inundar as ruas das cidades principais, exigindo a demissão do
Executivo e do Czar. No dia 24, a maior parte das fábricas entrou em
greve e a manifestação engrossou. Em 25, o cortejo, agora já
organizado pelos Bolcheviques, confrontou-se com as forças militares
e, enquanto os soldados estabeleciam diálogo com os manifestantes,
os oficiais insistiam nas ordens de atirar sobre as populações.
Os tiros disparados por algumas metralhadoras causaram mais de oitenta vítimas,
entre os populares. Na noite de 26 para 27, as praças amotinaram-se,
em todos os quartéis da cidade, contra os graduados e nessa mesma manhã,
juntaram-se à multidão, apoderando-se das armas do arsenal e
deitando fogo ao tribunal civil.
Coube ao Regimento de Pavlovski, comandado por subalternos, entrar, sem resistência
no Palácio de Inverno, arrear o estandarte imperial e substituí-lo
por uma simples bandeira vermelha, forçando o Czar Nicolau II e Miguel
II, seu presumível sucessor, a abdicar em 1 de Março.
Em cinco dias, a revolta popular tinha posto fim a uma dinastia que durara
mais de trezentos anos.
A Revolução Socialista
A Rua impôs, desde logo, a constituição de um Soviete,
que acabou por se formar com uma direcção menchevique, incluindo
socialistas revolucionários, personalidades sem partido e bolcheviques
e cuja primeira acção foi legitimar o novo governo seleccionado
pela Duma.
O movimento soviético alastrou rapidamente. Em 17 de Março já
eram quarenta e nove cidades que o tinham adoptado e, cinco dias depois, o
número tinha aumentado para setenta e sete, não contando com
os sovietes de camponeses e soldados. Tendo como pano de fundo a guerra, que
se continuava a desenrolar, a Rússia passava, agora, a ser governada
por dois poderes paralelos, isto é, o Governo e o Soviete de Petrogrado,
ao qual se deviam federar todos os restantes, ambos com a missão de
gerir interesses antagónicos de grupos sociais muito diferenciados
que iam dos camponeses aos operários, das classes aristocráticas
aos soldados, passando pelos estrangeiros.
Satisfeitas as aspirações básicas, em Abril, a situação
agudizou-se em torno da solução a encontrar para pôr fim
à guerra. Depois da crise, com a expulsão de Miliukov, o elemento
mais belicista, o executivo foi remodelado com elementos pertencentes ao Soviete,
conservando o príncipe Lvov a Presidência. Chegou-se à
conclusão que o caminho correcto residiria na procura da paz, sem anexações
nem contribuições, no reforço do Exército e na
sua democratização, evitando assim o aniquilamento da Rússia
e dos seus aliados. Das poucas vozes contrárias, é justo salientar
a de Lenine que, regressado recentemente à Rússia, advogou,
nas suas «Teses de Abril», a oposição frontal ao
Governo provisório, pela paz e pela transferência de todo o poder
para os Sovietes.
Passadas seis semanas, goradas as negociações de paz com as
potências estrangeiras e agudizada a confrontação entre
o patronato e os trabalhadores dos principais centros de produção,
entre camponeses e proprietários e entre os povos das diferentes nacionalidades
e o Governo, o movimento popular regressa às ruas protestando contra
a inércia de que os dirigentes davam mostras. Nem a realização
do primeiro Congresso dos Sovietes, ainda dominado por mencheviques e socialistas
revolucionários, desmobilizou o movimento. Em 18 de Junho, convocada,
em primeiro lugar, pelos soldados bolcheviques, à qual aderiu, de imediato,
a direcção do partido, de novo, a multidão manifestou
ao Governo a sua insatisfação. Pela primeira vez, os bolchevique
eram os senhores da rua.
A partir daqui a contra-revolução começa a levantar a
cabeça, animada pelo Partido dos Cadetes, pelos oficiais do Estado
Maior, pela igreja ortodoxa e pelos cossacos. Em 2 de Julho, sob a ameaça
dos rumores de uma contra-ofensiva alemã, os ministros cadetes do Governo
demitem-se e as massas populares descem, de novo, à rua para insistir
nos seus protestos, proferindo insultos e ameaças não só
contra o Governo, mas também contra o Congresso dos Sovietes, acusando-o
de conluio com aquele, por não ter aproveitado a oportunidade que se
lhe deparava para assumir o poder. O confronto armado inevitável, que
teve lugar no dia seguinte, colocou frente a frente os marinheiros de Kronstad,
os soldados amotinados e parte dos manifestantes, de um lado, e as tropas
fieis ao Soviete e ao Governo, do outro, com um resultado de mais de 40 mortos
e 80 feridos.
A reacção antibolchevique não se fez esperar, Lenine
teve que fugir para a Finlândia, face às acusações
de ser um espião alemão, muitos bolcheviques foram presos e
o movimento revolucionário e o partido cairam em descrédito.
No rescaldo, o príncipe Lvov encarregou o menchevique Kerenski, que
aparecia como a principal figura dos sectores moderados, de formar o novo
Governo, o que acabou por conseguir, não sem que tivesse deparado com
inúmeras dificuldades, em virtude dos sectores conservadores e reaccionários
desejarem, ardentemente, aniquilar os bolcheviques e acabar, de vez, com os
Sovietes.
Kerenski começou a sua governação organizando, no terreno,
instituições de alternativa aos Sovietes, tais como os conselhos
administrativos dos departamentos e distritos e os conselhos municipais, apoiando
os sindicatos e as cooperativas e envidando todos os esforços na constituição
da Conferência de Estado de Moscovo, espécie de assembleia consultiva,
a realizar naquela cidade, onde a influência bolchevique era diminuta.
Sem a presença dos bolcheviques que se recusaram a participar, a
Conferência de Estado foi palco do confronto entre Kerenski e o general
Kornilov, novo comandante supremo do exército, nomeado pelo primeiro
e que em pouco espaço de tempo se tinha tornado no herói da
contra-revolução. O Presidente do Conselho ainda desta vez
teve a arte de conquistar a Assembleia, arvorar-se em campeão da
esquerda e adiar, para Agosto, a decisão do conflito entre os dois.
Mas para derrotar o general traidor, o Governo teve que se socorrer do apoio
popular e operário e dos bolcheviques como tropa de choque que reduziram
o golpe a nada, gritando como palavras de ordem «Luta contra Kornilov,
nenhum apoio a Kerenski».
Estas acções permitiram ao partido bolchevique sair da clandestinidade
e reorganizar-se, demonstrando à sociedade trabalhadora que a melhor
solução para os problemas que a apoquentavam residia no desenvolvimento
da dialéctica entre o pensamento de Lenine, a actividade do partido,
o movimento de massas, em consonância com a direcção dos
Sovietes. Esta estratégia foi facilmente apreendida, logo que as populações
se aperceberam que os culpados do golpe militar não seriam castigados,
que os terrenos nunca seriam distribuidos pelos camponeses e que a paz não
seria alcançada a breve trecho. A dinâmica que se gerou, levou
Trotsky, muito próximo do partido, a ser eleito, em 9 de Setembro,
presidente dos Sovietes e conduziu o movimento a conquistar, a partir da capital,
a maioria nos Sovietes de inúmeras cidades, nomeadamente, Moscovo,
Kiev e Saratov.
Embora dividida acerca da questão da tomada do poder (antes ou depois
do II Congresso dos Sovietes, a realizar em 25 de Outubro), a direcção
do Partido Bolchevique nunca deixou de tomar as medidas necessárias
para esse efeito, nomeadamente, a constituição de um centro
militar revolucionário, constituído por cinco membros e a criação
de uma organização militar autónoma, emanada do Soviete
de Petrogrado, isto é, o Comité Militar Revolucionário
de Petrogrado.
Como se sabe, na reunião do dia 10, acabou por vencer a tese de Lenine,
que tinha reentrado clandestinamente em Petrogrado no dia 7 de Outubro, de
lançar a ofensiva antes da realização do Congresso, talvez
por medo de que o Go-verno se retirasse para Moscovo, deixando Petrogrado
à mercê da ofensiva alemã.
Na noite de 24 para 25, obedecendo às ordens do Comité Central
do Partido, instalado em Smolny, as forças revolu-cionárias
foram, a pouco e pouco, ocupando as posições indicadas no plano
de operações. As pontes foram controladas pela guarda vermelha,
na hora do render das sentinelas, a substituição das autoridades
nos correios e telégrafos foi feita em nome do Soviete, as estações
dominadas, sem que o Governo se apercebesse do que estava a acontecer. Nas
primeiras horas do dia 25, já toda a cidade se encontrava nas mãos
dos insurrectos, sem que uma só gota de sangue se tivesse derramado,
com excepção do Palácio de Inverno que continuava a resistir,
mas cuja resistência o cruzador «Aurora» se encarregou de
calar.
Reunido algumas horas antes, o II Congresso dos Sovietes tinha dado a maioria
aos bolcheviques. De 673 delegados, 390 eram bolcheviques, 160 socialistas
revolucionários e 90 mencheviques. De imediato, foi eleito um governo
só de bolcheviques, com Lenine à cabeça, cujas primeiras
medidas es tabeleceram a aprovação do decreto pela paz e a
abolição da grande propriedade, com a entrega das terras aos
comités agrários. A revolução tinha ganho a
sua aposta.
O significado actual da Revolução de Outubro
Parece à primeira vista que, na actual sociedade caracterizada pelo
enorme desenvolvimento tecnológico, assuntos como a Revolução
de Outubro deixaram de ter cabimento, devendo ser remetidos e arquivados,
de vez, num passado histórico que nunca mais voltará, só
passíveis de poder ser desenterrados por saudosistas de qualquer
modelo po lítico, ou outros, que não conseguiram fazer vingar.
Em reforço desta ideia, os príncipes e arautos do capitalismo
libe ral têm-nos enchido os ouvidos de que as revoluções
já não fazem sentido, pois o avanço tecnológico
tudo resolverá, agora que foi destruído e humilhado o grande
inimigo russo, causador de todos os grandes males da Humanidade.
É hoje claro que isto não passa da grande mentira do nosso
século, pois ao folhearmos o Relatório de Desenvolvimento
Humano de 1999, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento,
vê-se que, afinal, nos últimos dez anos, o sistema capitalista
não conseguiu inverter a lógica da conquista do poder global,
do lucro a todo o custo, da centralização das empresas e da
concentração cada vez maior dos rendimentos em menos mãos.
Não querendo maçar com números, torna-se, agora, transparente
que a fortuna de alguns milionários, cada vez em menor número,
é equivalente ao PIB do continente africano e que a fortuna de algumas
centenas, muito poucas, iguala o rendimento anual de 45% da população
mundial.
Numa sociedade em transição para um novo modelo, de que ainda
não se vislumbram os contornos, nada está definitivamente
adquirido, nem a liberdade, nem a democracia, muito menos a aproximação
económica e ainda menos a segurança social e o emprego. É,
pois, necessário encontrar as formas de luta adequadas, pela sua
consolidação e desenvolvimento.
Enquanto subsistirem desigualdades gritantes, sustenta das por poderes autocráticos,
arbitrários ou ditatoriais, o direito à revolta é não
só justo como ainda impreterível e é por isso que a
Revolução de Outubro, como a Revolução Francesa
ou o 25 de Abril e como tantas outras, no que significa lutar pela dignidade
do cidadão e pela melhoria das suas condições de vida,
continuam a constituir marcas actuais e indeléveis na memória
das populações, que podem, por ora, estar adormecidas, mas
que, em qualquer momento, qualquer chispa ou centelha pode acordar.
Chiu, deixem ouvir... Que rumor é esse, de passos mal calçados,
que muito ao longe, embora de uma forma ainda silenciosa e tímida,
se começa a fazer sentir?
«O Militante» - Nš 244 - Janeiro/Fevereiro 2000