Rua/Arte/Rua O quê?? |
Membro da Direcção Nacional da
JCP
Em 1999 realizou-se em Palmela a primeira edição do festival internacional de artes de rua - o FIAR, uma iniciativa da Câmara Municipal que se vislumbra um oásis no deserto português tanto pela oportunidade de encontrar nas mesmas ruas companhias e performers de diversas nacionalidades como pela inevitável discussão do tema que estas ocasiões proporcionam.
Este texto não é um texto académico nem pretende dar resposta a qualquer necessidade de racionalizar a arte em geral ou as manifestações artísticas de rua, na rua, para a rua, em particular. É antes de mais uma reflexão, sustentada por alguma prática e investigação pessoal.
"Têm em comum a rua"
Graffiti, concertos, instalações sonoras, pintores e desenhistas,
teatro, monumentos, design de mobiliário urbano, saltimbancos, (procissões
religiosas, manifestações políticas??) e muitas, muitas
outras formas artísticas de rua, algumas das quais a serem inventadas
enquanto o diabo esfrega o olho.
Todos estes fenómenos têm em comum a rua, lugar desde sempre
privilegiado para a comunicação, nela confluem as aspirações
e desejos do Homem tornando-se assim espelho dos sonhos do Homo sapiens.
Por que é que a igreja, apesar de ter locais de culto, continua a sair
para a rua para manifestar as suas crenças e convicções
em procissões de engenhosa encenação incluindo desenho
de luz (velas) e banda sonora (rezas e choros)?... Também os partidos
políticos saem embandeirados pelas avenidas a gritar palavras de ordem
e distribuindo documentos.
A importância da rua
Afastando a ideia de ruas privadas e/ou monopolizadas temos um espaço
comum democrático onde todos se encontram em casa, onde não
há visitas nem visitantes. A rua é o local ideal para a troca
a que todo o criativo aspira, aí pode-se expor artisticamente e ser
exposto ao confronto com o elemento final da sua obra, o público.
Toda a arte flameja (no mínimo) a aspiração de transmitir
uma mensagem ao outro, mesmo que, por vezes, a uma elitista minoria; na rua,
pelas suas características intrínsecas, a diversidade da minoria
é obviamente maior.
Actualmente e influenciados pelas novas tecnologias é difícil
haver actividades artísticas monodisciplinares e de fácil classificação
em parâmetros estéticos estabelecidos, a nomenclatura desses
parâmetros leva a colossais dúvidas entre teóricos (e
não só) do assunto. Dizer, actualmente, que uma intervenção
teatral, por exemplo, tem ou utiliza técnicas de rua ou para a rua
é... discutível. Actuar com maquinaria de cena ou com actores
em andas são possibilidades tanto em interior como no exterior, logo
estes recursos ao ar livre classificar-se-ão de técnicas de
teatro na rua, verdade? Mas as andas têm a sua origem histórica
em actividades (jogos tradicionais, pastorícia por exemplo) de ar livre
e então como é que ficamos? São questões que se
me levantam, constantemente.
Mas baralhando e dando de novo, voltemos aos tipos de missivas artísticas
frequentemente usadas na rua e ao papel social da arte de rua.
Graffiti, teatro, cegadas, cantigas...
Quantas das mensagens dos graffitis são facilmente perceptíveis
para os comuns mortais?... no entanto não deixam, de outra forma, de
tocar a todos. São muitas vezes retratos de episódios acontecidos
no bairro e/ou tributos a alguém mas, além dos diferentes níveis
de leitura, atingem todos que de grandes qualidades - ou não tivesse
sido ele ministro de Marcelo Caetano e detentor da pasta da Educação
de Mário Soares. Logo: com grande sensibilidade também para
a juventude, pois claro!
Ora, o Governo do PS nada mudou em relação aos problemas que
os jovens tinham durante o SMO, continuou com a velha prática política
de desacreditar para vender (também muito usada para justificar
as privatizações).
Mais, foi este Governo que avançou com a extinção do
SMO e caminhou para a profissionalização das FA's, acabando
com o sistema misto.
Escusado será dizer que teve o apoio do PSD e do PP e das suas estruturas
juvenis.
Espanto não foi pois o facto de ter aparecido esta proposta. Mas sim
de, no período da discussão, pouco se ter falado (e não
foi por falta de incentivo da nossa parte) das condições actuais
de prestação do SMO, do défice de aprendizagem, da falta
de especialização, dos impedimentos técnicos ao reconhecimento
da objecção de consciência, do uso dos jovens para todo
o tipo de tarefas durante o serviço militar e, sobretudo, dos reais
objectivos a atingir e das virtudes do actual sistema e como concretizá-lo.
Falou-se foi muito dos novos desafios e da necessidade de uma força
apta para actuar com rapidez.
As reais intenções da direita
Num debate sobre estas matérias, realizado na Universidade Internacional
no dia 19 de Novembro de 1998, à pergunta do representante da JCP,
se estas alterações tinham alguma coisa a ver com possíveis
alterações ao conceito estratégico da NATO e ao próprio
conceito estratégico das FAs Portuguesas, o então ministro
da Defesa, Veiga Simão, respondeu:
Os inimigos de hoje são outros e diferentes, a segurança do
mundo não se pode basear em defesa de reacção, são
necessários meios militares aptos e disponíveis a serem colocados
em qualquer sítio, sempre em obediência às relações
da política externa e em acções de solidariedade (...)
para o ano comemoram-se os 50 anos da NATO e Portugal como país membro
participará em todas as discussões (...).
Passado um ano deste debate, é relativamente fácil perceber
as reais intenções da direita sobre o papel das FAs e
da participação dos jovens nas mesmas. Não lhe interessa
umas FAs compostas pela população em geral, pelas diferentes
sensibilidades. Interessa-lhe umas FAs reduzidas, operacionais, compostas
exclusivamente por voluntários, umas FAs que defendam não
aquilo que é o seu objectivo - a defesa do território nacional
e do seu povo -, mas sim que defendam os interesses económicos e estratégicos
da classe dominante, seja lá onde for.
E se tivéssemos dúvidas, o ano de 1999 foi o começo da
prova dos nove: a guerra criminosa à Jugoslávia por parte da
NATO e a alteração recente do seu conceito estratégico
- transformando-a numa organização militar ainda mais agressiva
-, e as recentes decisões visando a constituição de um
exército europeu, são alguns exemplos dos reais objectivos que
têm estado por detrás da reestruturação e redimensionamento
das FA's na Europa e em Portugal.
Todas estas evoluções têm um fio político e ideológico
condutor. Cabe a todos os cidadãos e aos jovens em particular, cortá-lo
- através do debate, do esclarecimento, da iniciativa política
e da luta.
Pela nossa parte tudo faremos para ter umas FAs baseadas num serviço
militar que respeite as condições e sensibilidades existentes,
umas FAs democráticas, do povo - do qual emanam.m 1999 realizou-se
em Palmela a primeira
edição do festival internacional de artes de rua - o FIAR, uma
iniciativa da Câmara Municipal que se vislumbra um oásis no deserto
português tanto pela oportunidade de encontrar nas mesmas ruas companhias
e performers de diversas nacionalidades como pela inevitável discussão
do tema que estas ocasiões proporcionam.
Este texto não é um texto académico nem pretende dar resposta a qualquer necessidade de racionalizar a arte em geral ou as manifestações artísticas de rua, na rua, para a rua, em particular. É antes de mais uma reflexão, sustentada por alguma prática e investigação pessoal.
os vêem, quer pelas cores aguerridas que os sprays bem manejados apresentam,
quer pela audácia de alhear a propriedade privada.
Em relação ao teatro, castigo supremo dos costumes do Homem,
tem a sua origem na rua e por aí andou, mesmo aquando do(s) nascimento(s)
de género(s) para espaços mais recatados. Sempre foi na rua
que mais irreverente e mordaz o teatro se manteve no ajuizar do Homem, gozando
nela de maior liberdade, ou então .... de menos fiscalização.
Repare-se no exemplo das cegadas (teatro popular de crítica social)
que, mesmo durante o obscurantismo do período fascista, anualmente
(dentro da quadra carnavalesca) continuou resistindo, mesmo que, por vezes,
clandestinamente.
Contando estórias da e sobre a comunidade (tal como o graffiti) ajuda
a consciencializar muitos das diferenças do viver de poucos, por forma(s)
mais ou menos clara(s). Uns homens juntam-se para ensaiar músicas e
cantigas com que, de forma caricaturada, se comentam famílias e tropelias
dos vizinhos/companheiros, não escapando nem o senhor prior nem os
senhores presidentes do clube de futebol, das juntas, da câmara, da
república, ...não importa de onde, o juízo popular não
perdoa nem gaffes nem má-fé com que alguns governantes pautam
a sua actividade.
E as cantigas à desgarrada? Nem censura e meia teria capacidade de
calar cantadores de goela afiada que em tudo cortam para que nunca se cante
a uma só nota.
Se pensarmos na arquitectura que, aliando a funcionalidade e a comodidade,
cria as atmosferas em que vivemos no dia a dia. É impossível
alienarmo-nos da importância desses ambientes que influenciam até
o ritmo cardíaco! E os músicos que tocam pelas grandes ruas
e pelas vielas animando o quotidiano de quem os ouve, ou os saltimbancos que,
com charlatanices e outras ilusões, nos surpreendem quando com eles
nos cruzamos e as caricaturas rocambolescas que nos distorcem e nos fazem
olhar duas vezes ao espelho, entre outros artistas plásticos que, com
monumentos inquietantes, desassossegam e abalam valores estéticos que
julgávamos solidamente implantados em nós, levando a frases
como o que é isto? e não sei se gostei!.
Isto, para mencionar só alguns exemplos de artes mais ou menos conhecidas.
Não é fácil, como aliás disse no início,
fazer dissertações sobre um tema em que os acessos a documentos
sofre dificuldades quer por falta de livros em português quer pela escassez
de espaços de debate.
Concluindo sem nada fechar poderá defender-se a rua como um veículo
prioritário de transmissão das dúvidas do artista, espaço
comum e de reflexão e cada vez mais uma opção estética
por parte dos visionários da sociedade, os artistas.
É preciso não esquecer que a fruição e livre criação
de produtos culturais é um direito, e é na rua que esse direito
tem, para muitos, a hipótese de ser exercido.
P.S.: Queria apenas dedicar este texto a um camarada recentemente desaparecido que comigo e com muitos outros andou animando as ruas e colorindo vidas. Palmas para ti, Nuno. E obrigado.
«O Militante» - Nš 244 - Janeiro/Fevereiro 2000