Outra política e outras Forças Armadas |
Membro do Secretariado da JCP
Será que os jovens ficam alheados dos problemas, do que se passa à sua volta e dos caminhos para onde segue o País devido às políticas de direita dos sucessivos Governos? Não, claro que não! E a prova está nas grandes e pequenas lutas que travam pela resolução dos seus problemas e no empenho com que participam em acções de solidariedade. Existem, no entanto, matérias pouco populares nas quais a direita investe em grandes campanhas de desinformação e muitas vezes na própria mentira ou ocultação, para atingir os seus objectivos.
As FA's têm sido desacreditadas
É o caso do relacionamento das Forças Armadas com a juventude
e vice-versa.
Cavaco Silva e os seus Governos muito fizeram para desacreditar as FAs
e a Instituição Militar no seio dos jovens, tornando-as cinzentas,
frias, sem qualquer atractivo, ou seja explorando ao máximo, e negativamente,
algumas das suas características intrínsecas e intensificando
a degradação das condições de prestação
do serviço militar, em particular do Serviço Militar Obrigatório
(SMO).
O não respeito pelos direitos dos jovens que cumpriam o serviço
militar, a redução quase à insignificância na aquisição
de conhecimentos ao vedar o acesso às especialidades, criando assim
uma imensa massa de indiferenciados disponíveis para toda a obra, todas
as burocracias e barreiras postas à objecção de consciência
e ao seu reconhecimento, etc., contam-se entre algumas das propositadas medidas
visando desacreditar o SMO.
Estas e outras questões criaram condições para um mal-estar
na juventude face às FAs, sendo frequente ouvir-se: o que
vou lá fazer?, vai-me estragar a vida, não
se aprende lá nada.
Como proposta para "resolver" este mal-estar, os Governos do PSD
e de Cavaco Silva, sempre sensíveis aos problemas dos jovens,
aproveitando anos de eleições, resolveram passar, administrativamente,
milhares de jovens à reserva territorial e reduzir para quatro meses
e, em alguns casos para seis, a duração do SMO. Excelente notícia
para aqueles que continuavam a cumprir o SMO com as mesmas dificuldades e
nas mesmas más condições. Contudo, os problemas de fundo
não se resolveram.
O Governo do PS seguiu, também nesta matéria, as políticas
dos seus antecessores do PSD. Depois de uma passagem de António Vitorino
como ministro da Defesa, Guterres nomeia Veiga Simão para a pasta,
homem de grandes qualidades - ou não tivesse sido ele ministro de Marcelo
Caetano e detentor da pasta da Educação de Mário Soares.
Logo: com grande sensibilidade também para a juventude, pois claro!
Ora, o Governo do PS nada mudou em relação aos problemas que
os jovens tinham durante o SMO, continuou com a velha prática política
de desacreditar para vender (também muito usada para justificar
as privatizações).
Mais, foi este Governo que avançou com a extinção do
SMO e caminhou para a profissionalização das FA's, acabando
com o sistema misto.
Escusado será dizer que teve o apoio do PSD e do PP e das suas estruturas
juvenis.
Espanto não foi pois o facto de ter aparecido esta proposta. Mas sim
de, no período da discussão, pouco se ter falado (e não
foi por falta de incentivo da nossa parte) das condições actuais
de prestação do SMO, do défice de aprendizagem, da falta
de especialização, dos impedimentos técnicos ao reconhecimento
da objecção de consciência, do uso dos jovens para todo
o tipo de tarefas durante o serviço militar e, sobretudo, dos reais
objectivos a atingir e das virtudes do actual sistema e como concretizá-lo.
Falou-se foi muito dos novos desafios e da necessidade de uma força
apta para actuar com rapidez.
As reais intenções da direita
Num debate sobre estas matérias, realizado na Universidade Internacional
no dia 19 de Novembro de 1998, à pergunta do representante da JCP,
se estas alterações tinham alguma coisa a ver com possíveis
alterações ao conceito estratégico da NATO e ao próprio
conceito estratégico das FAs Portuguesas, o então ministro
da Defesa, Veiga Simão, respondeu:
Os inimigos de hoje são outros e diferentes, a segurança do
mundo não se pode basear em defesa de reacção, são
necessários meios militares aptos e disponíveis a serem colocados
em qualquer sítio, sempre em obediência às relações
da política externa e em acções de solidariedade (...)
para o ano comemoram-se os 50 anos da NATO e Portugal como país membro
participará em todas as discussões (...).
Passado um ano deste debate, é relativamente fácil perceber
as reais intenções da direita sobre o papel das FAs e
da participação dos jovens nas mesmas. Não lhe interessa
umas FAs compostas pela população em geral, pelas diferentes
sensibilidades. Interessa-lhe umas FAs reduzidas, operacionais, compostas
exclusivamente por voluntários, umas FAs que defendam não
aquilo que é o seu objectivo - a defesa do território nacional
e do seu povo -, mas sim que defendam os interesses económicos e estratégicos
da classe dominante, seja lá onde for.
E se tivéssemos dúvidas, o ano de 1999 foi o começo da
prova dos nove: a guerra criminosa à Jugoslávia por parte da
NATO e a alteração recente do seu conceito estratégico
- transformando-a numa organização militar ainda mais agressiva
-, e as recentes decisões visando a constituição de um
exército europeu, são alguns exemplos dos reais objectivos que
têm estado por detrás da reestruturação e redimensionamento
das FA's na Europa e em Portugal.
Todas estas evoluções têm um fio político e ideológico
condutor. Cabe a todos os cidadãos e aos jovens em particular, cortá-lo
- através do debate, do esclarecimento, da iniciativa política
e da luta.
Pela nossa parte tudo faremos para ter umas FAs baseadas num serviço
militar que respeite as condições e sensibilidades existentes,
umas FAs democráticas, do povo - do qual emanam.
«O Militante» - Nš 244 - Janeiro/Fevereiro 2000