Marcha Mundial de Mulheres contra a pobreza e a violência |
Dirigente do Movimento
Democrático de Mulheres (MDM).
Jurista
Em Maio de 95, por iniciativa da Federação das Mulheres do
Quebeque, realizou-se com grande êxito, durante dez dias, no Canadá,
uma Marcha de Mulheres contra a Pobreza, sob o lema Pão e Rosas.
Desta iniciativa nasceu a ideia de uma Marcha Mundial de Mulheres no ano 2000
(1) contra a Pobreza e a Violência
(2) que aquela Federação decidiu
lançar como desafio no fim da IV Conferência Mundial das Nações
Unidas sobre a Mulher, efectuada em Pequim em Outubro de 95.
Em Outubro de 98 teve lugar, em Montreal, uma reunião preparatória
da Marcha Mundial que contou com a participação de 140 delegadas
de 65 países. Foi discutida e adoptada uma plataforma reivindicativa
mundial (Reivindicações Mundiais), tendo sido constituído
um Comité Internacional de Ligação. Em Abril de 99 a
UNESCO declarou publicamente o seu apoio à Marcha.
Em Outubro de 99 tinham aderido à Marcha 2684 grupos repartidos por
139 países (a maioria são organizações não
governamentais; incluem-se organizações de mulheres, organismos
de solidariedade internacional, sindicatos, organizações religiosas,
entre outras).
O início da Marcha terá lugar no dia 8 de Março - Dia
Internacional da Mulher - e encerrará no dia 17 de Outubro - Dia Internacional
para a Erradicação da Pobreza. São de destacar três
tipos fundamentais de iniciativas:
- recolha em larga escala de abaixo-assinados ou cartões de apoio à
Marcha e seus objectivos que serão entregues à ONU;
- desenvolvimento de acções nos níveis local, nacional,
regional e internacional, cabendo às organizações dos
diversos níveis escolherem o tipo de iniciativas a realizar. No dia
8 de Março, a Marcha inicia-se, por todo o mundo, com as acções
programadas pelas organizações aderentes que confluirão
em espiral, e faseadamente, para uma Marcha Mundial;
- iniciativas de carácter mundial: participação de uma
delegação de mulheres dos diferentes países participantes
na Marcha Mundial na Marcha Nacional das Mulheres dos EUA, a realizar em Washington
no dia 15 de Outubro e que desfilará frente aos edifícios do
Banco Mundial e do FMI; culminar da Marcha Mundial de Mulheres no dia 17 de
Outubro com uma manifestação mundial, junto ao edifício
das Nações Unidas, em Nova Iorque e durante a qual se fará
a entrega dos cartões de apoio e abaixo-assinados. Foi solicitado um
encontro com o Secretário-Geral das Nações Unidas.
Acresce referir a natureza eminentemente democrática da organização
desta Marcha. Em todos os documentos transparece a preocupação
da recolha de opiniões e sugestões, da participação
das organizações envolvidas e o respeito pela autonomia e diversidade
do movimento feminino. As organizações são completamente
autónomas no que concerne às acções a desenvolver
nos seus países e regiões.
Europa e Portugal
Ao nível da região Europa foi constituída, em Abril
de 99, uma Coordenadora Europeia, tendo sido aprovado por mulheres de diversas
organizações vindas de 16 países europeus, um Apelo às
Mulheres da Europa no qual se reivindica:
- uma Europa social e cidadã, que assegure a independência
de todas as mulheres que vivem no Continente Europeu, através do direito
ao emprego, a um salário justo, à segurança social e
à participação em todos os domínios da vida pública;
- uma Europa que se oponha à violência e ao sexismo e que assegure
às mulheres a sua integridade física e moral, através
da harmonização de legislações ao nível
das mais favoráveis, melhorando as leis e garantindo a sua efectiva
aplicação;
- uma Europa solidária, que contribua para o desenvolvimento dos países
mais pobres, em particular através da exigência do cancelamento
da dívida externa;
- uma Europa que construa a Paz.
Em Outubro de 99, a Coordenadora Europeia reuniu tendo adoptado o calendário
de acções para a Europa, deliberado efectuar mais esforços
para alargar a plataforma a outras organizações e países
e ultimar o texto da plataforma reivindicativa europeia (Reivindicações
Europeias). A Marcha Europeia está marcada para o dia 14 de Outubro
em Bruxelas, estando prevista a realização de um conjunto de
acções políticas e culturais muito diversificadas e originais.
Em Portugal foi constituída uma Plataforma Coordenadora Nacional que
está a trabalhar no texto do Apelo Nacional, nas Reivindicações
Nacionais e no calendário de iniciativas a desenvolver. No dia 8 de
Março inicia-se a Marcha no nosso País, seguindo-se o desenvolvimento
de iniciativas regionais e das organizações entre Março
e Setembro que culminarão com uma manifestação em Lisboa
no dia 7 de Outubro.
Uma marcha oportuna e necessária
No último ano do milénio e do século XX, e apesar da
evolução verificada, a situação da Mulher no Mundo
continua a ser verdadeiramente dramática. Podemos citar a título
de exemplo (3):
. 70% da população mundial que vive abaixo do limiar da pobreza
são mulheres;
. cerca de 340 milhões de mulheres não ultrapassarão
os 40 anos de idade;
. quase 2/3 dos 960 milhões de analfabetos do mundo são mulheres;
. 350 milhões de mulheres nos países em desenvolvimento não
têm acesso ao planeamento familiar seguro;
. no mundo são praticados 80 milhões de abortos por ano, dos
quais metade clandestinamente;
. só na Europa, são traficadas para exploração
sexual cerca de 500 mil mulheres por ano;
. a violência doméstica continua a ser uma terrível realidade
em todos os países; por exemplo, nos EUA em cada
9 segundos uma mulher sofre abusos físicos do seu parceiro;
. as mulheres contribuem com 2/3 do total das horas de trabalho real e apenas
recebem 1/10 do rendimento mundial;
. a prática da excisão sexual afecta 130 milhões de mulheres;
por dia são sujeitas a essa prática cerca de 2000 raparigas.
Num mundo em que a maioria da população continua a viver abaixo
do limiar da pobreza, as mulheres continuam a ser as principais vítimas,
sendo as mais pobres de entre os pobres.
Nos últimos anos, nos países ditos desenvolvidos, a situação
da mulher tem sofrido retrocessos. Apesar do reconhecimento generalizado nas
legislações nacionais da igualdade jurídica entre os
sexos, persistem e agravam-se as desigualdades de facto. O capitalismo neoliberal,
com as suas políticas de flexibilização laboral e de
destruição dos serviços de apoio social, afecta de forma
particularmente grave as mulheres. Por outro lado o discurso ideológico
oficial omite estes aspectos e apresenta como paradigma a mulher da classe
média para afirmar que as questões da emancipação
estão praticamente resolvidas e que isso é um problema dos países
não desenvolvidos. Ressurgem, também e com muita conveniência,
velhas teorias tendentes a remeter de novo a mulher ao lar com o pretexto
da defesa de unidade familiar e da protecção das crianças.
Nos países do Leste Europeu e da ex-União Soviética,
a destruição acelerada das forças produtivas e das estruturas
sociais conduziram a situações dramáticas com custos
humanos incalculáveis, afectando muito em particular as mulheres.
Os textos que nos chegam da Marcha e, em particular, as Reivindicações Mundiais são muito interessantes e lúcidos pela atractiva mas simples linguagem usada e, sobretudo, porque revelam um conhecimento reflectido e profundo da situação geral da Humanidade, em particular das mulheres. É efectuado um diagnóstico que nos parece correcto, são avançadas propostas concretas que consubstanciam verdadeiras transformações estruturais e não meras operações de cosméstica para dar ao capitalismo neoliberal um pretenso rosto humano.
As Reivindicações Mundiais avançam com propostas
concretas para eliminar a pobreza e a violência. Sendo um documento
extenso, destacamos apenas algumas dessas propostas.
Exige-se a plena efectivação do exercício dos direitos
económicos e sociais (trabalho, educação, habitação,
saúde e segurança social, cultura, propriedade e controlo da
água potável...) e dos direitos cívicos e políticos
(associação e sindicalização, direito à
cidadania, nomeadamente o direito a um registo do nascimento, promoção
do acesso das mulheres aos centros de decisão...).
Propõe-se, entre outras, a aplicação urgente de medidas
tais com a Taxa Tobin, a rejeição do projecto do Acordo Multilateral
de Investimentos, o fim dos programas de reajustamento estrutural do Banco
Mundial e do FMI, o fim das compressões e cortes nos orçamentos
sociais e nos serviços públicos.
Exige-se o cancelamento da dívida de todos os países do Terceiro
Mundo, a eliminação dos chamados paraísos fiscais, o
fim do segredo bancário e o levantamento dos embargos e bloqueios decretados
pelas grandes potências a diversos países.
Reivindica-se que os Estados reconheçam nas suas leis e acções
que todas as formas de violência contra as mulheres são violações
dos direitos humanos fundamentais e que não podem ser justificadas
por qualquer costume, religião, prática cultural ou poder político.
Exige-se que os Estados ratifiquem sem reservas e apliquem um conjunto importante
de instrumentos de direito internacional, nomeadamente a Declaração
Universal dos Direitos do Homem, a Convenção Internacional para
a Eliminação de todas as formas de Discriminação
contra as Mulheres e a Convenção dos Direitos da Criança.
Por todas as razões expostas parece-nos também oportuna e correcta
a decisão da reunião de 20/21 de Novembro do Comité Central
do PCP no sentido de decidir como uma das grandes causas e linha de intervenção,
participação e luta a Marcha Mundial de Mulheres contra a Pobreza
e a Violência.
(1) Calendário islâmico: ano 1421; calendário
judaico: ano 5760.
(2) e:mail: marcha 2000 @ ffq.qc.ca.; pág. web: www.ffq.qc.ca.
(3) Fontes dos dados: PNUD - Relatórios do Desenvolvimento Humano de
1998 e 1999. Lisboa, Trinova Editora, 1998 e 1999; FNUAP - A situação
da população mundial. 6 mil milhões. Nova Iorque, 1999.
«O Militante» - Nš 244 - Janeiro/Fevereiro 2000