O trabalho nas autarquias,
a acção local do Partido
e a luta das populações



Membro da Comissão
Política do PCP

O início da nova legislatura coloca quatro questões políticas centrais.
1. A primeira tem a ver com a acrescida responsabilidade do Governo face aos resultados eleitorais do passado dia 10 de Outubro.
De facto, no espaço de uma semana, decorrido entre a contagem dos milhões de votos dos cidadãos eleitores residentes no País e a contagem relativa às escassas dezenas de milhar de votos dos portugueses residentes no estrangeiro, as perspectivas dos resultados eleitorais definitivos alteraram-se significativamente: de uma minoria relativa tida como certa por todos, e em particular pelo PS, passámos à realidade de uma igualdade entre deputados que apoiam o Governo e deputados que representam partidos políticos que se opõem ao partido no Governo.
Do ponto de vista político, isto significa substantivamente que o Governo e o Grupo Parlamentar que formalmente o apoia, não dispondo embora de uma maioria absoluta nesta Assembleia, têm a possibilidade de rejeitar, liminar e cegamente, todas as propostas provindas das oposições. Esta situação de facto cria, desde logo, uma primeira e acrescida responsabilidade política e democrática ao Governo e ao PS: a de não se deixarem cair nessa tentação.
Mas este resultado eleitoral expresso na representação parlamentar, suscita uma segunda, e não menor, responsabilidade política para o Governo. Se com uma maioria relativa de deputados, o Governo poderia encontrar pretexto para continuar com a “navegação à vista”, com a gestão do dia a dia e o adiamento permanente das medidas e reformas políticas de maior fôlego que o País e a sociedade portuguesa exigem, com a “paridade” parlamentar obtida o Governo perdeu esse pretexto. O Governo deixou de ter qualquer alibi para prolongar a ausência de vontade política, manifestada na anterior legislatura, para afrontar interesses e regalias ilegítimos implantados na sociedade portuguesa.
Daqui decorre que seria legítimo, e exigível, esperar que, após as eleições, apesar de não ter obtido a ambicionada maioria absoluta (e até por isso!) o PS apresentasse ao País um Governo estruturado para dar resposta a grandes prioridades da acção governativa, tendo em vista a resolução dos principais problemas que se colocam no âmbito económico e social.

2. Mas o PS e o eng. Guterres, parecem não o entender assim. E entro na segunda das questões políticas a que inicialmente me referi: a orgânica do Governo.
Essa orgânica suscita múltiplas questões de natureza estritamente política. Por exemplo, a criação do super-ministério das Finanças e Economia, a junção da tutela dos assuntos políticos com a das obras públicas, a fusão da tutela das polícias com a do desporto, a criação de um Ministério a que a lei orgânica do Governo não atribui qualquer competência específica ou, ainda, a atribuição formal da tutela das Comissões de Coordenação Regional a um Ministério quando, ao mesmo tempo, o programa do Governo garante que essas Comissões vão ser transformadas em direcções-gerais de apoio a comissários regionais dependentes do Primeiro-Ministro. Isto é, o Governo foi estruturado não com a perspectiva de melhor resolver os problemas do País, mas apenas com a distribuição de “poderes” dentro do Governo pelas diversas “correntes” internas existentes no PS.
Acresce que o Primeiro-Ministro optou pela criação de Ministros coordenadores das áreas social e económica, em alternativa àquilo que é mais normal, isto é, à instituição de conselhos de ministros sectoriais presididos e coordenados pelo Primeiro-Ministro. Essa opção só pode ser entendida como querendo significar que ele se demite de assumir a responsabilidade própria do Primeiro-Ministro de coordenar as orientações e actividades políticas de todo o seu Governo. Isto é, o Governo não vai ser dirigido e orientado pelo Primeiro-Ministro, mas ao sabor e de acordo com as correlações de força dentro do PS.

3. A terceira, e mais importante, questão política tem a ver com as orientações políticas traçadas no programa do Governo. O Comité Central do PCP, na sua reunião de 20 e 21 de Novembro, sintetiza, e bem, essas orientações e esse programa em quatro palavras: “novo Governo, política velha”.
De facto, o programa do novo Governo do PS manifesta uma “patente abdicação e incapacidade de definir e promover uma política capaz de afrontar com eficácia os problemas de fundo da sociedade portuguesa, desde os relativos à economia e à estrutura produtiva até às graves injustiças e desigualdades sociais, passando pelas assimetrias regionais e a desertificação do interior”. No plano económico, expressa “a clara intenção de prosseguir uma política de apoio predominante e privilegiado aos grupos económicos” e “o empenho em acelerar o processo de privatizações”, de empresas e de serviços públicos. No plano social, persiste na intenção de continuar a ofensiva contra os direitos dos trabalhadores e de promover uma reforma da segurança social numa linha privatizadora e redutora de direitos e, simultaneamente, abandona qualquer perspectiva de uma reforma fiscal que traga mais justiça no pagamento dos impostos. E no plano do sistema político teima em impor uma reforma do sistema eleitoral que afronta a proporcionalidade da representação política e tende a deixar grandes margens de eleitores sem os seus “porta vozes” nas instituições políticas.
4. A quarta questão política que se coloca neste início da nova legislatura, é a relativa ao posicionamento que o PCP e o seu Grupo Parlamentar assumem neste quadro político.
Somos, declarada e francamente, oposição de esquerda ao Governo. Seremos oposição tão frontal quanto responsável. Mas os nossos compromissos primeiros e essenciais são aqueles que assumimos com os eleitores, nos nossos programa e campanha eleitorais. Sobre isso não há lugar a dúvidas: os nossos compromissos são com os portugueses, com os trabalhadores e com os nossos eleitores, não com qualquer dita estabilidade governativa alicerçada na confusão e na falta da verdade e da transparência políticas.
De forma séria e transparente, tudo faremos para honrar esses compromissos como, aliás, sempre o temos feito.
Apresentando e defendendo empenhadamente as nossas propostas e projectos de lei, visando mais democracia e maior afirmação dos direitos e liberdades, mais progresso económico, mais justiça social, mais respeito pelos que trabalham e pelos seus direitos, mais solidariedade para com os que mais dela necessitam, mais independência do poder político face ao poder económico.
Opondo-nos e combatendo, sem tibiezas e sem receios de qualquer natureza, todas as medidas e políticas que
sejam contrárias a estes princípios e a estas orientações. Venham elas de onde vierem.
E porque é esta a nossa orientação, porque as nossas responsabilidades primeiras estão com aqueles que em nós confiaram a sua representação parlamentar, logo no primeiro dia de funcionamento da Assembleia da República apresentámos projectos de lei relativos a alguns dos mais importantes compromissos eleitorais, como por exemplo a baixa da idade de reforma das mulheres para os 62 anos, o aumento do salário mínimo e o aumento das pensões de reforma mais baixas.
E é com este espírito, com esta seriedade e com esta responsabilidade que o PCP irá prosseguir.

«O Militante» - Nš 244 - Janeiro/Fevereiro 2000