Portugal na Presidência da UE |
Membro do CC
Deputada do PCP
ao Parlamento Europeu
Portugal assume a presidência da União Europeia durante o pri meiro semestre de 2000. De acordo com o que se conhece do programa, há a destacar cinco áreas fundamentais: o emprego e os direitos fundamentais, a reforma institucional, o alargamento da UE, a política de segurança e defesa e a cooperação com países terceiros, incluindo a cimeira UE-África e o novo Acordo de Lomé. Vejamos, pois, quais os principais aspectos de cada uma destas áreas.
Emprego e direitos fundamentais
Nesta área merece particular destaque o Conselho Europeu Extraordinário,
a realizar em Lisboa, em 23 e 24 de Março, com o título pomposo
de Emprego, reforma económica e coesão social - para uma
Europa da inovação e do conhecimento.
Ora, numa União Europeia onde o desemprego oficial é superior
a 16 milhões e a pobreza atinge mais de 50 milhões de pessoas,
é importante encontrar novos caminhos, novas políticas para
dar prioridade à resolução destes graves problemas. Só
que não basta anunciar e realizar uma cimeira extraordinária
sobre o assunto. É necessária vontade política para pôr
de pé uma nova política económico-social que acabe com
o Pacto de Estabilidade, promova a convergência real, o reforço
da coesão económica e social e dê particular atenção
à dimensão social. O que ainda recentemente foi rejeitado pela
Comissão e pela maioria do Parlamento Europeu quando se discutiram
e votaram as directrizes para o emprego.
Posteriormente, anuncia o Governo português, realizar-se-á um
Forum com a participação de meios económicos e sociais,
do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia. Presume-se que daí
poderão sair reflexões que influenciarão as decisões
a tomar no Conselho Europeu de Santa Maria da Feira, no final da presidência
portuguesa. Há mesmo comentadores políticos que consideram que
este será o momento de Blair e Schroder levarem por diante as suas
reformas neoliberais na área da legislação laboral e
dos direitos sociais dos trabalhadores, visando a sua redução,
com o pretexto do aumento da competitividade da União Europeia face
aos EUA, no âmbito das negociações da OMC (Organização
Mundial do Comércio). Assim, o Conselho Europeu do Emprego não
seria mais do que um biombo para desviar as atenções das medidas
neoliberais da Cimeira de Junho.
Entretanto, dando cumprimento ao mandato do Conselho Europeu de Colónia
e às conclusões de Helsínquia, serão, eventualmente,
dados alguns passos no sentido de elaborar uma Carta Europeia dos Direitos
Fundamentais. Falta saber que direitos é que irão ser considerados
fundamentais.
A reforma institucional
Terá início durante a presidência portuguesa a Conferência
Intergovernamental (CIG) para a revisão das instituições
da União Europeia, que ficou prevista nas conclusões da Cimeira
de Colónia. São conhecidas grandes divergências quanto
ao sentido das reformas das instituições.
Em nome da eficácia, e tendo em conta o previsível alargamento
da União Europeia, há quem defenda a redução da
Comissão Europeia, do número de deputados e do número
de línguas de trabalho e, simultaneamente, o aumento do número
de votos no Conselho aos Estados com mais população e o fim
do direito de veto e das decisões por unanimidade. Poderá, pois,
estar em causa a participação nos moldes actuais de pequenos
países como Portugal e o equilíbrio de forças nas instituições
europeias.
Na prática, pode sair reforçada a tese da consagração
de directórios dado que, como afirma Seixas da Costa, cada
vez se sentem menos obrigados a proceder à disponibilização
de mecanismos compensatórios e parece darem por adquirida a inevitabilidade
da dualização do desenvolvimento, agora que já obtiveram
as vantagens do mercado interno e a liberdade de expressão financeira
e empresarial dos seus importantes interesses económicos.
Ora, como o demonstra a enorme abstenção nas últimas
eleições para o Parlamento Europeu, o que se impõe é
uma outra reforma que permita reforçar os mecanismos democráticos
e aproximar os cidadãos do processo decisório, com uma efectiva
participação dos eleitos nacionais no processo de decisão
europeia, através do reforço de competências dos Parlamentos
nacionais e da sua representação no processo interinstitucional,
bem como das competências do Conselho onde participam os Governos de
todos os Estados-membros e onde o devem fazer em pé de igualdade.
Por outro lado, não é aceitável que os países
candidatos à adesão fiquem de fora desta discussão, pois
que, se isso acontecer, podem deparar com uma União Europeia a funcionar
em termos muito diferentes dos actuais em que está a decorrer o processo
de adesão.
O alargamento da UE
Como é conhecido, estão a decorrer negociações
com um primeiro grupo de seis países (Chipre, Eslovénia, Estónia,
Hungria, Polónia e República Checa) e é natural que durante
a presidência portuguesa avancem alguns capítulos de maior delicadeza
negocial como são os casos da agricultura e da livre circulação
de pessoas. Mas, certamente, não ficarão concluídos durante
os próximos meses.
Há outros seis países que pretendem também iniciar negociações
com vista a uma futura adesão. São a Bulgária, a Eslováquia,
a Letónia, a Lituânia, Malta e Roménia. Provavelmente
estas negociações irão ser lançadas durante a
presidência portuguesa. No entanto, é difícil apontar
qualquer data credível para a concretização do alargamento.
Há ainda o problema da Turquia que tem feito grandes pressões
no sentido de também ser aceite como país candidato à
adesão, apesar dos graves problemas de não cumprimento de direitos
humanos por parte do seu governo.
Política europeia comum de segurança e defesa
É conhecido que o Tratado de Amesterdão e o Conselho Europeu
de Colónia estabeleceram directrizes com vista à criação
de uma PESCD - Política Europeia Comum de Segurança e Defesa.
Com base nestas directrizes, há quem defenda a futura integração
das funções da UEO (União da Europa Ocidental) na União
Europeia. Claro que para lá chegar é necessário que haja
acordo de todos os países, incluindo daqueles que até agora
têm mantido uma posição neutral. Mas, com a nomeação
de Javier Solana para Senhor PESC (o mesmo que dirigiu a NATO durante os bombardeamentos
da Jugoslávia), não faltarão pressões para avançar
no sentido de uma militarização da UE.
Está previsto que durante a presidência portuguesa se introduza
um novo modelo, o chamado Comité de Segurança e Defesa, dependente
do actual Comité Político, que estará em articulação
com um Comité Militar. De acordo com posições conhecidas
do Governo português, irá ser defendida a complementaridade da
evolução da PESCD com os compromissos no seio da Aliança
Atlântica.
Ora, toda esta reflexão que decorrerá no seio da União
Europeia, não deixará de ter repercussões no funcionamento
paralelo da UEO também presidida por Portugal no primeiro semestre
de 1999 e, mesmo, na evolução das estruturas actuais e no respectivo
funcionamento.
No entanto, é preciso ter em conta que há parceiros da UE que
não são membros da NATO (Áustria, Finlândia, Irlanda
e Suécia) e países pertencentes à NATO que não
são membros da UE (Estados Unidos, Canadá, Islândia, Turquia,
República Checa, Hungria e Polónia), o que, naturalmente, dificultará
uma opinião consensual aos que defendem rapidez na via militarista
da União Europeia. Importante é que a presidência portuguesa
desenvolva os caminhos da cooperação e desenvolvimento com o
objectivo da defesa da paz na Europa e no mundo e não siga os que pretendem
intensificar meios e estatégias militares que podem conduzir a novos
conflitos armados.
Cooperação com países terceiros
Estão previstas várias iniciativas neste campo, incluindo a
Cimeira UE-África, a ter lugar em Abril, no Cairo, e o novo acordo
com os países de África, Caraíbas e Pacífico,
podendo vir a ser assinado o Acordo que sucederá à Convenção
de Lomé IV.
Outras iniciativas decorrerão durante este período, designadamente
as negociações com vista à criação de uma
zona de comércio livre entre a União Europeia e o Mercosul,
diversas iniciativas na área mediterrânica com destaque para
a conferência sobre investimentos e uma reunião ministerial na
área da indústria, além do acordo de pescas com Marrocos
e outros dossiers que irá herdar da actual presidência.
Por último, importa ter em conta que será também durante
a presidência portuguesa que outros assuntos importantes irão
ser analisados. Destaco, na área dos direitos das Mulheres e das questões
da Igualdade, a Conferência Intergovernamental de avaliação
de Pequim+5 para se conhecer do grau de cumprimento pelos diversos
governos da Plataforma de Acção de Pequim, de 1995.
Naturalmente que outras questões, designadamente nas áreas da
agricultura, do ambiente e da indústria estarão presentes durante
o semestre da presidência portuguesa, seja no âmbito de alterações
de regulamentos, seja de negociações da OMC ou com vista ao
alargamento da União Europeia.
«O Militante» - Nš 244 - Janeiro/Fevereiro 2000