Novo Governo... pior ainda

 

Após as eleições e conhecidos e analisados os seus resultados, o interesse político voltou-se, natural e particularmente, para a constituição do novo elenco governamental e para as decisões que marcaram o começo deste segundo mandato de um governo dirigido pelo secretário-geral do PS, António Guterres.
Não há falta de factos que denotam precipitações, vaidades, invejas, inconfidências e outras falhas humanas que parece caracterizarem mais fortemente os dirigentes do Partido Socialista.
Entre os muito variados "casos" que surgiram na formação do Governo, alguns deles influenciados ainda pela utilização em proveito próprio de verbas de viagens de deputados, tornaram-se mais conhecidos alguns bem característicos: a subida a secretário de Estado do anterior chefe de gabinete do primeiro-ministro que afirmara "sentir-se cansado", a criação de um ministério para contemplar a ministra que saiu da Saúde e que não deixou de considerar o novo lugar de um "simples gabinete", a mistura, num mesmo ministro, das polícias com o desporto e o facto das obras públicas passarem a ser dirigidas pelo "chefe" do aparelho partidário, desde já preocupado com um colossal aproveitamento daquelas - as obras públicas - para a conquista de votos autárquicos.

Os polémicos pedidos de demissão de Medina Carreira e de Artur Santos Silva tornaram mais visíveis as dificuldades internas no PS e no seu governo. O primeiro fora encarregado por Guterres de estudar e apresentar uma reforma fiscal, uma das muitas promessas que o primeiro-ministro não cumpriu durante o seu primeiro governo, e dificilmente irá cumprir, pois a reforma apresentada foi totalmente posta de lado. Medina Carreira, membro do PS, caracterizou o seu partido como "decessionante".
Artur Santos Silva, banqueiro do Porto, que foi convidado por Guterres para dirigir o Porto 2001, bateu estrondosamente com a porta em completo desacerto com o ministro da Cultura, que continua a sê-lo, apesar do claro apoio dos deputados do PS a Santos Silva.
Também o director geral da Saúde, Constantino Sakellarides, se afasta caracterizando de forma extremamente negativa a situação na saúde.
Tudo isto se passa sem que se ouça uma palavra de Guterres sobre estas incómodas questões. É como se, para "chatices", não fosse ele o principal responsável pela actuação governamental. Mas isso não impede que outros falem. É o caso do ex-ministro das Finanças, Sousa Franco, que disse (ou não disse?) coisas terríveis sobre o Governo (o pior desde D. Maria I!), o novo ministro das Finanças, e outros "desabafos". E há quem espere que, mais cedo ou mais tarde, outros dirão também o que hoje ainda reprimem.
O próprio Presidente da República, numa sua iniciativa voltada para a saúde, salientou a necessidade de uma grande modificação em aspectos fundamentais dessa área, tão importante para a vida dos portugueses.
É certo que o Governo fala na sua actual "paixão" ser a saúde, mas a anterior "paixão" tinha sido a educação e os resultados foram principalmente negativos. A contestação à acção do respectivo ministro abrangeu os estudantes, os professores (em particular os que não conseguem trabalho) e, agora, já com o novo ministro, também o próprio Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas. Aliás, em quatro anos de Governo, a formação dos médicos, que deveria fazer parte da anterior "paixão", não teve qualquer avanço significativo de modo a responder a uma necessidade muito urgente que está a ser (mal) resolvida com a utilização de médicos vindos de Espanha e também com carreiras regulares que levam doentes do norte do País à Galiza para aí realizar as operações que em Portugal não têm possibilidade de fazer.

Nos dias 21 e 22 de Novembro passado, o Comité Central reuniu e aprovou um Comunicado que se insere em documentos, no final deste número de O Militante.
Durante a reunião foi analisada a situação política e social, encarada a actividade do Partido para os próximos tempos, que incluem todo o ano 2000, referidos aspectos do calendário que englobará a realização do XVI Congresso e tratadas muitas outras questões que interessam ao Partido em geral ou que tocam sectores específicos ou o trabalho desta ou daquela organização partidária em particular.
O Comunicado começa por caracterizar o novo Governo e os traços gerais da sua política que continua a ser marcada, antes de mais, pela defesa dos interesses dos grandes grupos económicos. São características da política de direita do novo Governo do PS o prosseguimento das privatizações e das modificações na legislação laboral contra os trabalhadores, a não realização da indispensável reforma fiscal, as negativas alterações que se pretendem fazer na segurança social, a aceitação e a prática das concepções neoliberais da União Europeia, enfeudada aos EUA e à NATO, e a recusa a encarar e resolver as principais questões da sociedade portuguesa. É também já evidente um ainda maior aproveitamento do aparelho de Estado ao serviço dos interesses eleitorais do PS. O Comité Central afirma que, ante tal panorama político, o PCP, como oposição de esquerda, tudo fará para combater a política de direita do PS.
O PCP tomou já a iniciativa política que incidirá particularmente nas questões que vão ser tratadas durante a presidência portuguesa da União Europeia, nas questões globais (Organização Mundial da Saúde) e campanhas em curso (Marcha Mundial de Mulheres), nos problemas do ambiente, toxicodependência, paz e solidariedade internacional e também na defesa da melhoria da vida democrática, incluindo a reforma democrática do Estado, do emprego e do trabalho com direitos e salários mais elevados (com a redução progressiva do horário semanal para as 35 horas), da segurança social, da reforma fiscal, da resolução das situações que se vivem nos serviços públicos e nos sectores da saúde, da justiça e da educação.
O PCP estimulará o desenvolvimento da luta de massas, em particular dos trabalhadores e das populações. Um apelo especial é dirigido aos militantes que lutam no movimento sindical para que tudo façam para o êxito do IX Congresso da CGTP-IN, uma organização de trabalhadores unitária, democrática, autónoma, de massas e de classe.
O PCP aprofundará a acção no poder local e dinamizará a CDU, como um amplo espaço de participação democrática cuja actividade está voltada para elevar as condições de vida das populações e reforçar o desenvolvimento local e regional.
O PCP reforçará a organização e a intervenção do Partido. Salientam-se as principais iniciativas que terão lugar no ano 2000, entre as quais dá-se destaque às eleições regionais dos Açores e da Madeira afirmando-se que o reforço eleitoral e das posições da CDU nas duas regiões são objectivos de grande importância nacional. O documento do CC termina considerando que, apesar dos passos dados no sentido do fortalecimento orgânico, é necessário reforçar a intervenção e a organização do Partido e ampliar a sua influência. Para isso referem-se algumas direcções: o fortalecimento das organizações de base, o reforço da organização e intervenção do Partido na classe operária e todos os trabalhadores, o desenvolvimento orgânico nos outros sectores e camadas sociais, em particular junto da juventude, o aumento do recrutamento, a responsabilização de quadros e o rejuvenescimento de organismos, uma vasta acção de contacto com os membros do Partido e um apelo à sua participação na vida partidária. Uma maior difusão do Avante!, que vai ser remodelado e objecto de uma ampla campanha, e de O Militante são questões também para serem alcançadas.

«O Militante» - Nº 244 - Janeiro/Fevereiro 2000