O Partido, a luta social e as batalhas eleitorais



Jeronimo de Sousa
Membro da Comissão Política do PCP
Realizadas as eleições, em Junho passado, para o Parlamento Europeu e já numa fase de preparação da importante batalha das eleições legislativas, o papel da luta de massas, com destaque para a luta dos trabalhadores, continuará a ser um factor muito importante constitutivo e inseparável da luta eleitoral.

Grandes causas sociais

Pela natureza de classe do Partido e pela própria natureza de classe da política do Governo PS, a acção e a intervenção junto dos trabalhadores, sem delas ter nenhuma visão absolutizante, assumem um carácter de prioridade.
Não se podem subestimar as razões de tanto descontentamento dos agricultores e da juventude estudantil, nem deixar espaço ao PS, PSD e PP quanto à situação dos reformados, vítimas das opções e práticas políticas de direita. Há que ter uma compreensão mais aberta para os problemas com que se confrontam as pequenas e médias empresas, há que persistir na valorização e empenhamento dos intelectuais e quadros técnicos e não fazer só discursos nas lutas que as mulheres travam pelo seu devido lugar na sociedade.
Mas quando, nesta época que vivemos, em que o grande capital, os governos e as instituições que o servem procedem a uma das mais violentas e sofisticadas ofensivas contra os direitos do trabalho pela via da desregulamentação e precarização, a luta por grandes causas sociais, designadamente o direito ao emprego com direitos; aos salários e horá-rios dignificados; à Segurança Social, que também determina a existência e o grau de efectividade de direitos colectivos; à greve; à contratação, participação e organização; é intrínseca à luta dos comunistas, seja nas instituições, seja onde estão os destinatários dessa acção e dessa luta.

Esclarecimento, mobilização e lutas

No que ao Partido se refere, a nível nacional, muito antes da batalha para o Parlamento Europeu, houve um esforço notável e persistente no esclarecimento e mobilização dos trabalhadores contra o pacote laboral ou pela redução do horário de trabalho das quarenta horas; no Parlamento Europeu houve um grande empenhamento de três deputados comunistas no tratamento das questões dos têxteis, dos ferroviários, da ex-Renault, no combate às directivas comunitárias de conteúdo laboral desregulamentador. Na Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PCP, com as suas propostas, com a sua solidariedade para com a luta dos trabalhadores de diversos sectores, com a sua denúncia e combate às situações de injustiça e discriminação, assumiu um papel ímpar e de grande valor.
Mas depois há quem olhe para as regiões de maior concentração operária e de trabalhadores e fique desiludido com a leitura dos resultados eleitorais.
E sempre se constata nessa análise de resultados que o Partido, mantendo e, em alguns casos, alargando a sua influência e prestígio social, fica sempre aquém das expectativas no plano eleitoral. Na verdade é certo que, pela primeira vez, uma lista unitária ganhou as eleições para a Comissão de Trabalhadores da Auto-Europa; se reforçaram posições na Lisnave, na Petrogal e na Phillips de Aveiro; se lutou muito na Rodoviária do Sul, nas minas de Aljustrel e de Neves-Corvo, nos Cabos D’Ávila; se assistiu à maior manifestação de rua da CGTP dos últimos 12 anos, contra o pacote laboral do Governo PS; à mais prolongada greve dos pescadores do arrasto; a fortes movimentações dos trabalhadores da Administração Local e Central; que, em empresas têxteis do Vale do Ave, se fez greve pela primeira vez, envolvendo quase todos os trabalhadores e trabalhadoras de fábricas com milhares de operários de primeira geração; que, na hotelaria, os jovens com vínculo precário aderiram à greve, paralisando quase a 100% alguns hotéis de Lisboa; que mais de 1700 dirigentes sindicais e membros de Comissões de Trabalhadores, protagonistas das grandes lutas, subscreveram o apoio à CDU. E, no entanto, a maioria dos trabalhadores por conta de outrem voltou a votar PS.
Um novo degrau de consciência social nunca fez a transposição mecânica para um novo patamar de consciência política e eleitoral.
Mas valeu a pena. Fez-se um caminho. Abriram-se novas possibilidades de recrutamento e reforço da organização do Partido nas empresas se se partir de uma ideia chave já afirmada aqui em O Militante: é importantíssimo as organizações do Partido “irem lá”, mas é insubstituível e indispensável “estarem lá” de forma organizada. Quanta importância e actualidade não têm as conclusões da Conferência Nacional do Partido de Novembro de 94 sobre “renovar e reforçar a organização e a intervenção do Partido no seio dos trabalhadores”?

Estar na empresa

É na empresa que se demonstra a estreita ligação entre os problemas dos trabalhadores e a política, que se evidencia a coincidência estratégica entre os interesses do patrão e os do Governo PS e dos partidos de direita, que aí se formam quadros, se despertam consciências, se fortalecem as organizações dos assalariados, se libertam energias de luta e de combate. E para o capital e a ideologia dominante não há coisa mais maldita que a política feita na empresa, exigindo que os trabalhadores se “dispam” à porta da fábrica e dos serviços, ficando reduzidos ao papel de simples factor de produção, de “capital humano”. Tal limite tem a função redutora da actividade política dos cidadãos, empurrados para o papel de espectadores de campanhas eleitorais e, em particular, para o acto de votar, decisivamente influenciados por aquilo que aparece ou parece nos grandes meios de comunicação social.

Podemos e devemos reforçar a influência do PCP

É necessário percorrer um caminho de conquista quase “a pulso”, de fazer coincidir o trabalhador que luta com o cidadão que vota, persistindo na ligação dos problemas imediatos e concretos dos trabalhadores com as grandes opções políticas dos órgãos de poder e diversas forças políticas e partidárias. Tal perspectiva transforma-se numa orientação e numa tarefa que resultará tanto mais quanto mais tiver um carácter quotidiano.
Significa tal perspectiva a subestimação de factores que determinam hoje comportamentos e opções dos trabalhadores? Significa que subestimamos as poderosas forças que animam a divisão dos trabalhadores, que promovem o culto do egoísmo e do individualismo, o consumismo, que agudizam as barreiras geracionais, sexistas e étnicas; que subavaliamos as mutação e alterações que se processam aceleradamente na organização da produção e os efeitos da precarização, que atinge mais de um milhão de trabalhadores?
O que se afirma neste quadro de correlação de forças tão desfavorável para os trabalhadores, a sua organização e o seu Partido de classe, é que continua a haver condições e possibilidades para reforçar a influência social, política e eleitoral do PCP junto dos trabalhadores, partindo dos seus problemas e das suas aspirações.
Assim fez a CDU nesta campanha eleitoral para o Parlamento Europeu, contra a avassaladora campanha da política espectáculo, onde prevaleceu o artificialismo e o faz de conta do PS, PSD e PP.

A luta de massas continua

Mas a realidade está aí. Os problemas continuam a existir e a luta de massas volta à ordem do dia.
Nenhum conformista acharia possível que no sector da pesca do arrasto, autêntica coutada eleitoral do PS, do PSD e da UGT durante 25 anos, se veja hoje homens a protestarem frente ao engenheiro Guterres e dispostos a lutar até à exaustão; se visse em 25 de Março milhares de jovens operários têxteis em manifestação frente ao Largo do Rato, a fazerem um “manguito” ao PS; se visse aqueles jovens contratados a prazo na hotelaria a fazerem greve, com a consciência de estarem sujeitos à não renovação do contrato; a luta que atravessa vários sectores da Administração Pública; aqueles vinte pescadores de Matosinhos saudarem os candidatos da CDU, agradecendo a solidariedade do PCP.
Coisa pequena, dirão alguns. Será, porventura. Mas a resistência, aliada à luta e à proposta, permitirá que travemos com confiança as duras batalhas que se avizinham. É que nunca houve nem haverá caminhos fáceis ou atalhos para o Partido dos trabalhadores e dos comunistas portugueses na sua luta pela transformação da sociedade.
«O Militante» Nº 241 - Julho / Agosto - 1999