As verdades e as mentiras sobre o desemprego

Eugénio Rosa
Economista


Segundo os jornalistas Hans-Peter e Schumann, da revista alemã “Der Spiegel”, que por sua vez citam o economista Thurow, do conceituado instituto americano MIT, nos Estados Unidos da América, “a estatística oficial de desemprego divulgada pelas autoridades americanas induz em erro e é pouco mais do que propaganda. Ao número oficial de 7 milhões de pessoas que procuravam emprego em 1995 - número recolhido pelo Governo através de sondagens - deverão somar-se mais 6 milhões, que é o número de pessoas que precisam de emprego, mas que desistiram de o procurar. Além disso, cerca de 4,5 milhões de empregados trabalham involuntariamente em regime de part-time. Se se somarem apenas estes três grupos, conclui-se que deve faltar trabalho decente para cerca de 14% da população activa americana. O exército de desempregados subirá para uma percentagem de 28% se contarmos com o grupo dos que têm trabalho apenas por fases: 10,1 milhões a trabalharem através de empresas tipo manpower e 8,3 milhões de trabalhadores por conta própria” (A Armadilha da Globalização, pág. 133). Portanto, números muitos diferentes daqueles que são utilizados pelos defensores nacionais do neoliberalismo e monetarismo, os quais procuram apresentar os EUA como um exemplo milagroso a seguir no campo da política de emprego.
Em resumo, assiste-se actualmente, em relação aos números sobre o desemprego a uma profunda manipulação, até porque eles são utilizados na batalha ideológica pelos defensores do capital, com o objectivo, por um lado, de “narcotizar” a opinião pública e, por outro lado, de dificultar e amortecer a luta dos trabalhadores.
Perante estes dados e estas conclusões, as perguntas que imediatamente se colocam são nomeadamente as seguintes: E o que se verifica em Portugal? Os dados produzidos pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre o desemprego, são também manipulados?


O desemprego está a aumentar em Portugal

De acordo com o boletim “Estatísticas do Emprego” do INE, do 3º trimestre de 1998, que é o último que saiu até a esta data, o desemprego aumentou entre o 2º e o 3º trimestre de 1998, pois passou de 226.200 para 231.900 desempregados. No entanto, a este último número haveria que acrescentar ainda 90.500 “inactivos que pretendem trabalhar mas que não fizeram diligências nas últimas 4 semanas”, 30.800 “inactivos desencorajados” que deixaram de procurar emprego... Se somarmos apenas estes dois grupos ao número oficial de desempregados, utilizado na sua propaganda pelo Governo - 231.900 -, obtemos já 353.200 desempregados, segundo o próprio INE, o que representa uma taxa de desemprego de 7,1%, portanto já bastante acima dos 4,7 % utilizados pelo Governo na sua propaganda (mais 51%). Para além disso, existiam na mesma altura, segundo o INE, 59.100 em situação de “subemprego visível”.
Idêntica tendência e dimensão revelam os dados do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP). Segundo a sua “Informação Estatística” de Janeiro de 1999, o desemprego registado aumentou 1,7% entre Dezembro de 1998 e Janeiro de 1999, pois passou de 390.536 para 397.385. E como se sabe, existem muitos desempregados que não se inscrevem nos chamados Centro de Emprego do IEFP.


O emprego fictício em Portugal continua a crescer

O INE, que divulga os dados sobre o desemprego em Portugal, considera como empregado, “o indivíduo com idade mínima de 15 anos, que, na semana do inquérito, se encontra numa das seguintes situações: (a) tenha efectuado trabalho de pelo menos uma hora, mediante o pagamento de uma remuneração ou com vista a um benefício para a família; (b) tenha um emprego, não estava ao serviço, mas mantinha uma ligação formal com o seu emprego; (c) tenha uma empresa, mas não estava temporariamente ao trabalho; (d) estava em situação de pré-reforma.
Portanto, para o INE, são considerados como tendo um emprego, e portanto empregados (não constando nem do número de desempregados nem do número de inactivos desencorajados), os que tenham trabalhado apenas uma hora na semana do inquérito; os que tenham trabalhado, por exemplo, numa horta familiar; os que mantinham uma relação apenas formal com uma empresa; os que, possuindo ou estando ligados a uma empresa, não trabalhavam. Em resumo, muitas destas situações que são consideradas pelo INE como geradoras de empregos, não correspondem a empregos reais e efectivos.
Analisemos agora os dados sobre o emprego em Portugal construídos desta forma. E para isso, vai-se utilizar outros dados também apresentados pelo INE.
De acordo com o último boletim publicado pelo INE, a população empregada em Portugal atingia, no 3º trimestre de 1998, 4.523.900 pessoas, sendo 891.200 “trabalhadores por conta própria como isolado” (muitos destes integram o chamado grupo dos “recibos verdes”), 270.600 são “trabalhadores por conta própria com empregados” (com um empregado ou mais, que pode ser “recibo verde” ou familiar), e 135.000 são “trabalhadores familiares não remunerados e outros”. Se somarmos estes três grupos obtemos 1.296.800, que representam 28,6% de toda a população que o INE considera como empregada, portanto não constando no número oficial de desempregados que apresenta e que o Governo utiliza na sua propaganda. No entanto, é evidente que muitos destes 1.296.800 que o INE considera como empregados, ou não têm emprego ou têm emprego fictício ou vivem de “biscates”.


Emprego fictício na agricultura

Como toda a gente sabe, a agricultura é um sector que enfrenta uma profunda crise em Portugal. No entanto, é aquele que, segundo o INE, tem criado maior número de empregos, sendo a percentagem de população empregada na agricultura portuguesa superior ao dobro da média comunitária.
Assim, de acordo com o INE, a população empregada na “Agricultura, Silvicultura e Pesca” passou, entre o 1º trimestre de 1996 e o 3º trimestre de 1998, de 476.000 para 601.900, portanto sofreu um aumento de 26,4%, ou seja, foram criados mais 125.900 empregos. Por outro lado, a população empregada neste sector representava, no 3º trimestre de 1998, 13,3% da população total empregada, o que é um valor impressionante e consideravelmente superior à média comunitária.
Em resumo, dados que levantam sérias e legítimas dúvidas sobre a sua credibilidade e consistência de muitos destes milhares de empregos.


Precaridade do emprego continua a crescer nos trabalhadores por conta de outrem

Entre o 1º trimestre e o 3º trimestre de 1998, o número de trabalhadores por conta de outrem passou, segundo o boletim do INE, de 3.169.700 para 3.227.100, portanto aumentou apenas 1,8%. No entanto, se desagregarmos este número, constatamos, segundo também o INE, que o número de trabalhadores com contratos a prazo aumentou, durante o mesmo período , de 392.800 para 428.200 (um crescimento de 9%), o número com contrato de prestação de serviços cresceu de 40.500 para 45.100 (mais 11,3%) e o número com “outro tipo de contrato” cresceu de 116.100 para 135.900 (mais 17%).
Portanto, mesmo entre aqueles que são considerados como tendo emprego, é claro o aumento vertiginoso da precariedade, o que se agravaria muito mais se o Governo, em aliança com a direita, conseguisse impor as suas alterações às leis laborais.


O desemprego e a precariedade aumentam e a qualidade do emprego degrada-se rapidamente

Os dados oficiais publicados pelo INE, apesar da sua parcialidade (por ex., consideram como empregado aquele que tenha trabalhado uma hora no período de referência) e dos esforços para encobrir a realidade (o INE só publica a taxa de desemprego no sentido restrito), mesmo assim, eles não conseguem, como mostramos, esconder nem a grande dimensão que já atinge o desemprego no nosso País, nem a degradação rápida da qualidade de emprego existente.
A liberalização do comércio, mas fundamentalmente a do capital, a nível global, e a crescente desregulamentação das relações laborais que está intimamente associada às duas primeiras, está a conduzir ao aumento vertiginoso da precariedade do trabalho, a uma redução assustadora da qualidade do emprego e a salários cada vez mais degradados. Nos EUA, por exemplo, já 25% da população empregada tem uma remuneração abaixo do limiar oficial da pobreza (os chamados “working poors”).
Hoje em dia o capital financeiro, concentrado fundamentalmente em fundos de investimento e em fundos de pensões, desloca-se vertiginosamente de país para país, não se sujeitando a quaisquer regras (em Portugal as mais-valias bolsistas não pagam impostos), na procura de altas taxas de rentabilidade, não vacilando, para as alcançar, em destruir empresas, em liquidar milhares e milhares de postos de trabalho, em arruinar nações (recorde-se o que aconteceu há bem pouco tempo no Brasil).
Em resumo, tão grave como o desemprego visível é a rápida degradação da qualidade do emprego ainda existente, a dimensão crescente dessa degradação e a sua difícil visibilidade mediática, e a aparente normalidade como é encarado e escondido pelos poderes públicos e pelos orgãos de informação.
«O Militante» Nº 240- Maio / Junho - 1999