"Olha o Avante!
Comprem o jornal dos comunistas portugueses!"

Fernando Correia


“Olha o Avante! Comprem o jornal dos comunistas portugueses!” Nas ruas de Lisboa, do Porto e de outros pontos do país, nas zonas de maior movimento, junto às fábricas e às escolas, nos mercados e nos transportes públicos, era este o pregão gritado por dezenas e dezenas de vendedores voluntários, uns membros do Partido, outros não, todos irmanados na emoção comum de, em público e de viva voz, proclamar, finalmente, a existência legal do órgão do PCP.
Estava-se a 17 de Maio de 1974. Cumpria-se assim uma das primeiras decisões da direcção do Partido após o derrube do fascismo. Mas havia quem não gostasse da ideia. Logo nas primeiras horas da Revolução, a 29 de Abril, o General Spínola, presidente da Junta de Salvação Nacional, tinha recebido a primeira delegação oficial do PCP, composta por Octávio Pato, Joaquim Gomes e Jaime Serra, e argumentara, conforme anos mais tarde recordaria Pato, que “ainda era cedo para o aparecimento dos partidos” e que, pelo nosso lado, “não deveríamos usar a foice e o martelo como emblema, nem bandeiras vermelhas, nem publicar o Avante!”. Foi-lhe respondido que isso era inaceitável, pois significaria que com o derrube do fascismo se iria conseguir aquilo que a repressão nunca alcançara!
O primeiro número foi mesmo para a frente, com a brevidade possível. Na sua preparação e elaboração participaram Álvaro Cunhal e Carlos Brito, pela direcção do Partido, e Albano Lima, António Santos, Fernando Correia, Figueiredo Filipe, Helena Neves, José Araújo (que fez a maqueta, juntamente com Luís Filipe da Conceição), José Saramago e Ruben de Carvalho, na altura redactores ou colaboradores em diversos órgãos de imprensa. Alguns deles integrariam desde logo a redacção do Avante!.
António Dias Lourenço, que figurava já no cabeçalho como director, só dias depois entraria “ao serviço” na redacção (tal como outros dois camaradas vindos da clandestinidade, Pedro Soares e Ivone Lourenço), visto estar a recuperar de uma pneumonia.
Muitos outros camaradas deram igualmente decisiva colaboração, em aspectos diversos, como foi o caso de Vítor Branco, que então trabalhava na empresa de O Século, no sector da distribuição - e que, por esses dias, com Francisco Melo, poriam em actividade a Editorial Avante!
Com quatro páginas de grande formato, esse número memorável do Avante! teve uma tiragem histórica: aos 300 mil exemplares inicialmente previstos tiveram que se acrescentar, para responder à procura, mais 200 mil, o que perfez um número cerca de dez vezes superior à média dos diários portugueses de então.
A alegria nas ruas começara já antes, na tipografia de O Século, onde o jornal foi composto, paginado e impresso: dezenas de jornalistas e outros trabalhadores, muitos vindos de outros jornais, tinham convergido para as oficinas, a fim de assistirem, e emocionadamente festejarem, a saída da rotativa do primeiro número do Avante! legal.
Fora a solidariedade para com o órgão dos comunistas portugueses, aliás, que possibilitara a rápida produção técnica do jornal. Empenhados numa greve às horas extraordinários, os tipógrafos de O Século e das outras publicações da Sociedade Nacional de Tipografia abriram uma excepção e três dezenas deles asseguraram a edição do jornal.
A publicação do Avante! legal representava um novo e significativo passo na consolidação da recém-nascida democracia portuguesa, a que outros se seguiriam: no dia 18 Álvaro Cunhal dava em Lisboa a sua primeira conferência de imprensa formal, para jornalistas portugueses e estrangeiros; no dia 19 a organização de Lisboa promovia o seu primeiro comício, no campo do Alhandrense, com a presença de quatro mil pessoas, a que poucos dias depois se seguiriam os grandes comícios no Pavilhão dos Desportos de Lisboa e no Palácio de Cristal do Porto; no fim desse mês de Maio, o Partido já tinha abertos, de norte a sul do país, cerca de trinta Centros de Trabalho, ao mesmo tempo que era editado, pela primeira vez na legalidade, o livro com o Programa do PCP.
O Avante! não estava sozinho: constituía mais um sinal, entre muitos outros, da firme disposição dos comunistas em ocuparem na vida nacional o lugar a que legitimamente tinham direito, ao serviço do povo e da democracia.
«O Militante» Nº 240 - Maio / Junho - 1999