PCP, indispensável a uma viragem à esquerda

Lino de Carvalho
Membro do Comité Central
Deputado à Assembleia da República


1 - Como tem sido sublinhado, o PCP abordou a sua intervenção parlamentar nesta Legislatura em condições de uma nova relação de forças na Assembleia da República. A ausência de uma maioria absoluta ou, dito de outro modo, a existência de uma maioria relativa do Partido Socialista permitiu uma outra margem de manobra dos deputados comunistas.
O alegado “novo estilo” da governação PS e do Primeiro Ministro não se deve, no essencial, a uma forma de exercício do poder estruturalmente diferente, mais aberta ou “dialogante”, do que os Governos anteriores do PSD e de Cavaco Silva. O elemento explicativo desta diferença de estilo radica fundamentalmente no facto do Partido Socialista não ter obtido maioria absoluta o que o obriga a permanentes operações de equilíbrio político e de negociação à esquerda e à direita. E sendo certo que em momentos decisivos como no caso da aprovação dos Orçamentos de Estado, o PS escolheu os acordos e as convergências com a direita a verdade é que, em muitas outras importantes questões, a posição e as propostas do PCP não puderam ser ignoradas.
Neste contexto o Grupo Parlamentar do PCP definiu como orientações estratégicas para a sua intervenção a afirmação das posições e propostas comunistas, a crítica e o combate às políticas de direita do PS, a viabilização de tudo o que pudesse corresponder a ganhos e avanços positivos.

2 - Ao aproximar-se o fim da Legislatura e sem que tal corresponda a um balanço final do trabalho realizado - que será feito em momento oportuno - desde já se pode afirmar que aquelas orientações se traduziram em resultados largamente positivos e, seguramente, no reforço da imagem e do prestígio do PCP.
O número de Projectos de Lei do PCP que foram aprovados e são hoje Leis da República ascendem já a quase sete dezenas. Mas se não quisermos incluir nesse balanço os projectos referentes à criação de freguesias, vilas e cidades, mesmo assim, é de quase quarenta o número de Projectos de Lei do PCP aprovados.
Entretanto, se adicionarmos outras iniciativas aprovadas - projectos de resolução e de deliberação bem como propostas de alterações ao Orçamento de Estado - amplia-se, sem dúvida, o balanço positivo da intervenção parlamentar comunista que importa divulgar, valorizar e potenciar.

3 - Não farei aqui a viagem por todas as iniciativas aprovadas do PCP. Mas destaco, no âmbito da toxicodependência, as que criaram “uma rede de serviços públicos para o tratamento e a reinserção dos toxicodependentes”, ou a que “assegura o financiamento público de projectos de investimento respeitantes a equipamentos destinados à prevenção secundária da toxicodependência”.
No âmbito da emigração, a que “cria os órgãos representativos dos portugueses residentes no estrangeiro”. E na imigração a que promove a “regularização extraordinária da situação dos cidadãos que residam em Portugal sem autorização legal”, a que “regula a certificação do tempo mínimo de residência dos cidadãos estrangeiros para efeitos eleitorais” ou a que “previne a prática de discriminação no exercício de direitos por motivos baseados na raça, cor, nacionalidade ou origem étnica”.
No plano laboral são de destacar as iniciativas que instituiram um “regime jurídico do contrato de trabalho a bordo das embarcações de pesca”, as que garantem o “direito à igualdade de tratamento no trabalho e no emprego”, a que “reforça os direitos dos
trabalhadores-estudantes” ou a que “proíbe a discriminação salarial dos jovens na fixação do salário mínimo nacional”.
No sector agrícola cumpre sublinhar a “Lei de Bases da Política Florestal” e a Lei que “Cria o Observatório dos Mercados Agrícolas e das Importações Agro-alimentares”. Mas também, no poder local, a Lei que “Define o Regime de Competências e Meios Financeiros das Freguesias”; a que “Garante a membros das Juntas de Freguesia o exercício do mandato em regime de permanência”; a que cria os “Conselhos Municipais de Segurança dos Cidadãos” ou a que estabeleceu a “Lei Quadro da Criação das Empresas Públicas Municipais, Intermunicipais e Regionais”.
Noutras áreas é de sublinhar a aprovação de projectos de lei do PCP sobre matérias tão diversificadas como a que “regula a actividade de transporte de doentes por corpos de bombeiros”; a que “reforça os direitos dos trabalhadores-estudantes”; a que cria o “Museu do Douro”, a que estabelece um “Programa especial de acesso aos cuidados de saúde” ou a que determina a “Garantia de alimentos devidos a menores”.
Mas se viajarmos, por exemplo, pelo Orçamento de Estado cumpre destacar as alterações introduzidas em sede de IRS que fazem com que, a partir de 1999, a carga fiscal sobre os portugueses, designadamente os trabalhadores por conta de outrem, tenha sido francamente diminuída.
Para o comprovar basta comparar as tabelas para 1999 de retenção na fonte do IRS com as tabelas de 1998.
Ou ainda, na resolução aprovada sobre os preços da electricidade que levou à diminuição das respectivas tarifas.
A actividade do Grupo Parlamentar do PCP, contudo, não se esgota nas iniciativas legislativas aprovadas (e já seria bastante). As que foram apresentadas e recusadas pela convergência PS-PSD-PP designadamente na área laboral; as que impedimos que fossem aprovadas por gravosas para os interesses nacionais e dos trabalhadores, ou as múltiplas intervenções, audições, interpelações ou requerimentos que a bancada comunista realizou ficarão também a crédito da actividade do Grupo Parlamentar do PCP nesta Legislatura.
A actividade foi (é) imensa, mais a mais se tivermos presente o número reduzido de Deputados que constituem o Grupo Parlamentar.

4 - É um balanço que deve constituir instrumento central da nossa intervenção política próxima designadamente no quadro da campanha para as eleições legislativas de Outubro. Não só o balanço quantitativo mas o significado político desse balanço. Fica claro para quem ainda tivesse dúvidas - e é preciso que fique claro para a opinião pública - que o PCP é não só um Partido necessário mas também um Partido útil e cuja intervenção é condição para a aprovação de medidas políticas positivas para o País.
Mas mais do que isso. É um balanço só possível de existir no quadro de uma composição do parlamento onde não existe maioria absoluta.
E é um balanço que confirma que o PCP está em condições de participar plenamente em soluções governativas que garantam uma efectiva viragem à esquerda em Portugal.
A falência do projecto da direita protagonizado na AD e a descredibilização dos dirigentes do PSD e do PP podem abrir, neste terreno, novas e positivas perspectivas para o reforço das posições eleitorais do PCP e da CDU nas próximas eleições legislativas.
Não só está patente que ao longo destes quatro anos a inexistência de uma maioria absoluta não conduziu a nenhuma crise de regime como também a de que não há nenhum projecto da direita (PSD/CDS) que sustente, no futuro próximo, qualquer tese de “voto útil” no Partido Socialista. Aliás uma das razões da descredibilização da direita é que, de facto, não existem entre as suas propostas e as políticas do PS diferenças substanciais.
Neste quadro é óbvia a afirmação da diferença e da mais-valia à esquerda, que representa o
PCP. E a necessidade não só de manter como de reforçar a representação parlamentar comunista como a única que pode contribuir para viabilizar uma verdadeira política de esquerda no nosso País.
«O Militante» Nº 240 - Maio / Junho - 1999