Até sempre, camarada!
Milhares de pessoas, entre as quais se incluíam
personalidades marcantes da vida portuguesa, dirigentes do
Partido e muitos camaradas, amigos e pessoas anónimas,
participaram no funeral do dirigente do PCP Octávio Pato,
cujo falecimento ocorreu quando a anterior edição de O
Militante já estava impressa. E no domingo seguinte, 21 de
Fevereiro, 60 mil sócios e adeptos do Sport Lisboa e Benfica
respeitavam, no estádio da Luz, um minuto de silêncio em
memória deste combatente antifascista que iniciou uma luta
política intensa de seis décadas quando era jovem futebolista
daquele clube. Na sua aparente simplicidade, aquele gesto
colectivo como que justifica, em boa parte, o combate exemplar
pela liberdade, pela justiça e pela democracia que Octávio Pato
travou de forma intransigente. Quem imaginaria tal coisa, 26 anos
atrás?
No comunicado em que anuncia o falecimento de Octávio Pato, o
Secretariado do Comité Central lembra o «seu alto exemplo de
grande figura da resistência e combate à ditadura fascista e da
construção do Portugal democrático saído da Revolução de
Abril, com uma vida inteira generosamente dedicada à luta dos
trabalhadores e do povo português pela liberdade, pela
democracia e pelo progresso social, à afirmação na sociedade
portuguesa dos ideais do socialismo e do comunismo e ao
fortalecimento do PCP como uma grande força democrática e
revolucionária». Percurso que Carlos Carvalhas,
secretário-geral do nosso Partido, evocaria passo a passo, desde
a clandestinidade às duras batalhas do pós-25 de Abril, na
comovida intervenção que fez no cemitério do Alto de S. João.
«Tudo o que devemos a Octávio Pato tem um valor e um
significado que, desta ou daquela forma e por muitos caminhos,
sempre sobreviverão à sua morte». E se Octávio Pato «não
estará mais ao nosso lado nos combates e trabalhos que temos
pela frente, sempre com os trabalhadores, sempre pelos interesses
e aspirações do nosso povo, sempre pela causa da democracia, do
socialismo e do comunismo», continuará a nosso lado «a
memória do seu exemplo, a memória do seu empenhamento, a
memória da sua generosidade, a memória de que dedicou 60 anos
da sua vida a trabalhar e a lutar para que, hoje infelizmente já
sem ele, continue a haver razões para que não nos falte a
força de alma, a convicção num projecto político
transformador e revolucionário, a capacidade de agregar novas
energias para responder aos novos desafios, a determinação e a
esperança no êxito da luta do Partido Comunista Português e no
seu presente e futuro».
60 anos de luta
Nascido no ano de 1925 em Vila Franca de Xira, Octávio
Floriano Rodrigues Pato começou a trabalhar com a idade de
14 anos na indústria do calçado e como empregado de comércio.
Entrou para o PCP em 1941. Funcionário do Partido desde 1945,
viria a aceder ao Comité Central em 1949, sendo dos mais jovens
num colectivo cujos três membros mais velhos ainda não tinham
atingido a idade de 35 anos.
Aos 15 anos iniciara a sua actividade revolucionária na
Federação da Juventude Comunista Portuguesa. Após a
reorganização de 1940/41 fez parte do Comité Local de Vila
Franca de Xira e do Comité Regional do Baixo Ribatejo.
Na região de Vila Franca de Xira, teve participação activa na
preparação, organização e desencadeamento das grandes greves
de 8 e 9 de Maio de 1944, que abrangeram todo o Ribatejo, a
região de Lisboa e Loures. Foi assinalável o seu papel na
organização do amplo e emocionante movimento de solidariedade e
apoio popular aos grevistas e suas famílias.
Obrigado a passar à clandestinidade em 1945, passou a dirigir as
organizações juvenis e estudantis do Partido. Em 1946, usando o
nome de Octávio Rodrigues, foi, numa situação de
semi-clandestinidade e por incumbência do Partido, um dos
fundadores e dirigentes do MUD Juvenil (Movimento de Unidade
Democrática Juvenil).
Em 1947, por ter sido referenciado pela polícia política,
voltou à mais rigorosa clandestinidade e passou a integrar a
Direcção da Organização Regional de Lisboa do PCP.
Em 1949 foi eleito para o Comité Central como membro suplente e
em 1952, já como efectivo, foi designado para o Secretariado do
Comité Central.
Como membro do CC, trabalhou nas direcções das Organizações
Regionais de Lisboa, do Norte e do Sul, bem como na Redacção do
Avante!, tendo sido também responsável pelo
controlo das duas tipografias clandestinas centrais.
Preso pela PIDE em 1961, foi barbaramente espancado e torturado
(impedido de dormir durante 18 dias e noites seguidos e quatro
meses incomunicável). Recusou-se a responder a quaisquer
perguntas. A firmeza com que fez a sua defesa política durante a
mascarada de julgamento no Tribunal Plenário de Lisboa valeu-lhe
ser espancado na própria sala de audiências.
Condenado a oito anos e meio de prisão, prorrogados
indefinidamente por via das célebres «medidas de segurança»,
foi libertado em 1970 após um grande movimento de solidariedade.
Voltou pouco depois à luta na clandestinidade.
No período que antecedeu o 25 de Abril, era membro do
Secretariado e da Comissão Executiva do Comité Central, tendo a
seu cargo, entre outras tarefas, a responsabilidade pela
Redacção do Avante!.
Depois do 25 de Abril, Octávio Pato foi deputado e Presidente do
Grupo Parlamentar do PCP na Assembleia Constituinte, candidato à
Presidêncdia da República em 1976, e deputado à Assembleia da
República de 1976 a 1991. Membro da Comissão Central de
Controlo e Quadros de 1988 a 1992; membro da Comissão Política
de 1974 a 1988, e do Secretariado do Comité Central de 1974 até
ao seu falecimento.
Homenagens
Os seus camaradas de jornada apreciaram-lhe, desde a juventude, a
frontalidade, a ponderação e a enorme capacidade de iniciativa
de que deu mostras em todas as tarefas partidárias. Qualidades
essas que, juntas à coragem, firmeza e determinação com que
enfrentou todas as situações, mesmo as mais complexas, mesmo as
mais difíceis, mesmo as mais extremas, lhe mereceram a
admiração e o respeito de camaradas, amigos e adversários, mas
sobretudo dos trabalhadores portugueses, justificação nuclear
de uma vida de combate que não vacilou até ao último momento.
Por isso o funeral de Octávio Pato foi uma afirmação da
democracia portuguesa na defesa dos seus próprios valores,
independentemente das divergências de percurso e de opinião.
Na última homenagem a este destacado dirigente comunista
estiveram presentes Jorge Sampaio, Presidente da República,
Almeida Santos, Presidente da Assembleia da República, e
António Guterres, Presidente do Conselho de Ministros. Presentes
ainda os ministros Jorge Coelho e João Cravinho, em
representação do Governo, e o Presidente da Câmara Municipal
de Lisboa, João Soares. Várias forças e partidos políticos
fizeram-se representar pelos seus dirigentes mais destacados:
Partido Socialista, Partido Ecologista Os Verdes, Intervenção
Democrática, UDP, PSR, Política XXI.
Presentes igualmente representações ao mais alto nível de
associações e sindicatos, entre os quais a CGTP-IN, a
Associação 25 de Abril, o Sport Lisboa e Benfica. E ao Partido
chegaram mensagens de todo o País, não só individuais como
emanadas das mais variadas associações e colectividades que
dão vida à sociedade portuguesa.
Marcaram igualmente presença dezenas de personalidades dos meios
político, intelectual, artístico e científico, integrados numa
multidão de gente anónima do povo que, de punho erguido e cravo
vermelho ao alto, prestou homenagem a um dos seus que partia.
Até sempre, camarada!
«O Militante» Nº 240 - Maio / Junho - 1999