Um "partido de todos os interesses"


Nem todos, naturalmente, têm a mesma opinião sobre o PS.
Um dos fundadores do PS, Alfredo Barroso, escreve no Expresso (19/12/98): "Receio bem que este socialismo recentrado e pós-moderno - que tem horror à velha esquerda «keynesiana», intervencionista, igualitarista e adepta do pleno emprego - não seja mais, afinal, do que uma espécie de «cavaquismo de rosto humano». À imagem e semelhança do «New Labour» e, sobretudo, do Governo do senhor Tony Blair, que não desdenha de boa parte do legado da «Nova Direita» da senhora Thatcher e, por isso mesmo, já é por muito boa gente qualificado como o intérprete ideal de um «thatcherismo de rosto humano» (...) A mesma obsessão por um relacionamento político privilegiado com o mundo dos negócios."
O director do Diário Económico, Sérgio Figueiredo, diz, por exemplo (11/1/99): "É triste verificar que, precisamente quando temos um Governo que se diz socialista e um primeiro-ministro assumidamente cristão, aumenta à vista desarmada o número de cidadãos excluídos".
Ricardo Leite Pinto, no Diário de Notícias (23/1/99) afirma que Guterres e Marcelo são "os Dupont e Dupond da política portuguesa", isto é, são iguais. E depois de afirmar: "Está criada na opinião pública a convicção de que este Governo não existe" e explica que "não há uma única reforma importante, profunda, séria, inovadora que saia das reuniões do Conselho de Ministros", termina o seu artigo com um conselho, ou advertência: "Entre o zero e a nulidade, o povo português que escolha".
Outras opiniões semelhantes de analistas que, segundo pensamos, nunca foram comunistas, poderiam encher muitas mais linhas e mesmo páginas.

É por isso "valioso" que se apresente também uma opinião muito diferente, que é descrita no Diário Económico (8/1/99): "Veiga de Oliveira considerou «que hoje, em Portugal», só o PS «pode dar força» ao seu «amor à liberdade», à sua «sede de verdade e de justiça», à sua «vida de luta pela utopia»".
Como Veiga de Oliveira saiu do PCP há mais de dez anos, pode dizer-se que demorou muito até descobrir as extraordinárias qualidades do partido que agora escolheu para si. Uma tal descoberta, tão estranha, não podia deixar de merecer uma recepção em que estiveram Mário Soares, António Guterres, Almeida Santos, Manuel Alegre e, com certeza, outros.
Pena é que outro ex-PCP, que fazia parte, com Veiga de Oliveira, de um grupo de seis comunistas que se afastaram, há muito, do Partido e que já foi eleito deputado pelo PS, tenha sobre este - o PS - uma opinião tão diferente, mais conhecedora, decerto. Diz ele, Vital Moreira, que "o PS aproxima-se hoje de um «catch-all party», um partido tendencialmente de toda a gente, em que a marca de esquerda originária se vai diluíndo". (Público, 2/2/99).
João Carreira Bom (DN, 7/2/99), depois de afirmar: "Guterres faz passar como socialismo precisamente as ideias que alguns socialistas ainda combatem", diz que discorda de Vital pois "o PS já não corre tamanho risco" e traduz a expressão inglesa como "partido de todos os interesses".


«O Militante» Nº 239 - Março / Abril - 1999