Vanda Santos
Membro da Direcção Nacional
e do Secretariado da Direcção Central
do Ensino Superior da JCP
Desde 92 que a sociedade portuguesa assiste à contestação contínua e crescente dos estudantes do Ensino Superior pelo direito fundamental à Educação Pública, gratuita e de qualidade!
O movimento estudantil é hoje, de resto, uma das maiores forças reivindicativas em Portugal.
Como consequência duma enorme movimentação de massas em que o movimento estudantil se incorpora caíram ministros, caíram governos...
Depois de dez anos de regime laranja eis que surge aos olhos de uma grande parte do eleitorado a esperança de mudança com perfume a rosas. O País decidiu apostar naqueles que, à sombra do diálogo e da paixão, não pretenderam nunca mais do que apostar na continuidade camuflada das políticas de direita...
O PS usou talvez a mais antiga das técnicas de ilusão: tirou da cartola novas máscaras e novos discursos, juntou-lhes sorrisos e propostas de políticas concertadas q.b. e com tudo isto conseguiu fazer prevalecer os mesmos valores, princípios e objectivos que orientaram toda a actuação de Cavaco Silva e seu governo.
Mas como “se apanha mais depressa um mentiroso do que um coxo”, o pano acabou por cair e a resposta não se fez esperar!
Uma perspectiva neoliberalizadora do Ensino Superior
Desde que Marçal Grilo assumiu a pasta da Educação e tentou passar à prática a sua perspectiva neoliberalizadora e privatizadora do Ensino Superior, violando a paixão e com ela as promessas de diálogo, de concertação, de reestruturação, de investimento real, de aumento de qualidade, os estudantes fizeram-se ouvir da forma correcta e justa - pela luta!
No último ano lectivo os estudantes fecharam escolas, saíram à rua e realizaram a maior manifestação nacional de estudantes de que há memória desde a Revolução dos Cravos.
Perante toda esta força, que só pode advir da unidade e da convicção, Marçal Grilo reagiu com toda a arrogância que, às vezes, a inteligência consegue ter: minimizou e relativizou esta luta de massas, cobrindo o seu Ministério com o manto da impunidade, tentando sorrateiramente dividir os estudantes, fragilizando-os (usando as próprias contradições internas, o espírito de competitividade selvagem e os problemas sociais inerentes à sociedade capitalista em que vivemos - desde logo através da questão da empregabilidade) e vendendo à opinião pública uma imagem desprestigiante, irresponsável, inconsequente e sem fundamento dos jovens portugueses.
Com tudo isto o Governo tentou manter toda a população portuguesa à margem da questão fundamental e de princípio (que é acima de tudo de carácter ideológico): qual a função da educação na construção duma sociedade que se pretende justa, democrática e desenvolvida, baseada no princípio da igualdade de oportunidades?
Vivemos hoje numa sociedade que se rege cada vez mais pela lei do mais forte, onde se acentuam de forma insustentável desigualdades económicas, sociais e culturais. Tudo isto é caprichosamente disfarçado por mecanismos próprios do sistema capitalista (a massificação, a sociedade de crédito...), mas se olharmos crítica e atentamente para a realidade só poderemos chegar a uma conclusão: vivemos numa sociedade de elites que é sustentada por uma enorme massa de população explorada, injustiçada e marginalizada, à qual é vedado o acesso (desde logo por razões económicas) aos mais elementares bens sociais.
Educação, uma função social do Estado
A Educação (a par da Saúde, da Habitação, da Segurança Social, do Emprego) só pode e tem que ser sempre, portanto, uma função social do Estado!
Porque é um dos pilares básicos na formação equilibrada do homem enquanto ser humano e cidadão, bem como na transformação desta sociedade numa outra verdadeiramente justa e desenvolvida, sem exploradores nem explorados!
Só desta forma, só quando a todos e a cada um dos cidadãos for garantida esta base social mínima, poderemos falar em verdadeira igualdade de oportunidades.
Infelizmente a educação em Portugal continua a caminhar em sentido inverso e paralelo a tudo isto.
Se compararmos o nosso sistema de ensino com qualquer outro a nível europeu, sairemos sempre a perder:
temos a maior taxa de analfabetismo (cerca de 8% - contra 2% em Espanha, 1,2% em França, 1% na Finlândia);
apenas 33% dos jovens portugueses recebem formação escolar a nível secundário ou superior;
só 7% da população activa tem formação superior (contra 19% no conjunto da OCDE);
somos o penúltimo país da UE em termos de abrangência da Acção Social Escolar.
Estes dados são consequência reveladora da permanente política de desresponsabilização do Estado pela educação, concretizada pelo Governo e por Marçal Grilo (sempre com a conivência do PSD e o silêncio conformista e conveniente do PP) numa série de medidas concretas adoptadas.
De facto, tudo continua na mesma. A educação em Portugal continua em crise!
O desinvestimento no Ensino Superior Público acentua-se de ano para ano (através de cortes orçamentais às universidades, que só este ano lectivo rondam os 13 milhões de contos!). Se a isto juntarmos a falta de infra-estruturas (salas de aula, bibliotecas, laboratórios...), bem como todos os problemas pedagógicos que infestam as universidades portuguesas (planos curriculares desactualizados, fenómeno dos turbo-professores...), será fácil de concluir que a educação não é de forma alguma uma prioridade apaixonada do PS e do Governo.
O objectivo de tudo isto é incontornavelmente claro: pôr em causa o princípio de Escola Pública, investindo-se cada vez menos na rede pública de Ensino e trabalhando-se para a gradual privatização do Ensino Superior em Portugal - ou seja: desresponsabilizar, ao limite máximo, o Estado por uma das suas principais funções sociais, comprometendo-se assim o futuro de milhares de jovens e hipotecando-se o desenvolvimento do País!...
Cada vez serão mais os excluídos da formação superior por meras razões de ordem económica!!! (Actualmente só 25% dos estudantes são filhos de trabalhadores da indústria ou agrícolas, pertencendo cerca de 70% à burguesia!)
Com a proliferação desenfreada do Ensino Superior Particular e Cooperativo, estimulada pelo próprio Estado, sem que em muitos casos haja qualquer critério de rigor na homologação destas Instituições (o que, ao contrário do que prometeu Marçal Grilo, só vem descredibilizar este subsistema de ensino), e com a manutenção dos numerus clausus continuará a haver todos os anos milhares de estudantes que, não obtendo colocação no Ensino Superior Público, são literalmente empurrados para as instituições privadas (e isto se tiverem condições para pagar os custos da sua educação!...) - havendo mesmo situações trágico-cómicas de cursos dos quais o Estado é o único empregador, que não existem em funcionamento numa única das Universidades Públicas (como é o caso do Serviço Social!).
Se deixarmos que esta perspectiva neoliberalizadora vingue e prossiga, teremos um Ensino Superior dimensionado tendo em conta a capacidade económica da população (e portanto a sua capacidade de suportar os custos da sua própria formação) e não uma Educação pensada e estruturada face às necessidades do País!
Numa situação destas só quem puder pagar poderá aceder ao ensino, agravando-se mais e mais o fosso que separa os cidadãos consoante a sua condição económica e social, travando-se de forma flagrante o desenvolvimento do País e da sua capacidade competitiva num quadro geral de globalização e abertura de mercados e fronteiras. Continuarão a vingar as ideias da direita que vêem a educação como um mero serviço em que o estudante passa a ser o cliente do sistema que compra (na medida em que o possa fazer!) a sua formação!!
Uma tarefa dos comunistas
Mas nós, comunistas, temos como tarefa travar esta bola de neve que ameaça esmagar o futuro dos jovens portugueses e do nosso País!
É hoje assumido à escala mundial que da educação (com qualidade e de acesso garantido a todos os cidadãos) depende o desenvolvimento de qualquer sociedade. A aposta séria e o investimento crescente dos governos na educação dos cidadãos significam antes de mais um investimento no próprio País e no seu próspero desenvolvimento, devendo o sistema educativo ser estruturalmente repensado de forma a dar resposta cabal às necessidades reais do País e às legítimas expectativas dos seus jovens.
Porque a educação é um direito! Porque a educação é o futuro!
É tudo isto que nos move. É tudo isto que mantém e dá razão de ser a esta luta por um Ensino Público, gratuito e de qualidade!
As propinas são apenas a ponta do iceberg. Mas, de facto, interessa ao Governo convencer a opinião pública de que os estudantes se movem só porque não querem pagar! A verdade é bem outra!
A luta que tem vindo a ser incansavelmente travada é muito mais abrangente, tem um carácter muito mais global.
Os estudantes lutam para defenderem a Escola Pública, lutam por um ensino de qualidade, lutam pelo direito que têm de acesso à Educação.
Nós, comunistas, sabemos desde sempre que dinamizar e reforçar esta contestação é nosso dever. Porque ela está enformada de valores, princípios e objectivos justos. Porque ela tem uma importância estratégica.
Ganhar esta luta por um Ensino Público, gratuito e de qualidade significará dar um passo fundamental em frente no caminho de uma sociedade mais justa.
Ao intervir por um direito, estamos a lutar pelo futuro!
Ao transformar o presente estamos a garantir o futuro!
A Juventude Comunista Portuguesa e o Partido Comunista Português têm uma enorme responsabilidade nesta área. De toda a discussão e reflexão feitas só pode sair uma orientação: é necessário continuar esta luta!
Sempre estivemos ao lado dos estudantes. Desde sempre defendemos uma educação de qualidade para todos.
A nossa coerência dá-nos a força e credibiliza-nos junto dos estudantes.
O inconformismo, a insatisfação e o grito dos milhares de estudantes envolvidos neste processo, dão-nos razão.
A JCP e o PCP estão com os estudantes em luta pelo futuro!
Continuaremos aqui porque sabemos que cabe ao Estado (em função das necessidades do País e independentemente de qualquer ordem de razão de política financeira) assegurar e investir na rede pública dos bens sociais fundamentais que possibilitarão a construção de uma sociedade mais justa, onde impere a igualdade de oportunidades, num ambiente de paz social, sem exploradores e sem explorados.
Estaremos aqui porque sabemos ser este o caminho a travar rumo ao socialismo, rumo ao comunismo!
É para tudo isto que estes senhores têm que trabalhar!...
«O Militante» Nº 238 - Janeiro / Fevereiro - 1999