Escola pública de qualidade:
a luta por uma cidadania responsável
Paulo Sucena
Membro do Comité Central
Hoje em dia toda a gente reconhece que a democracia, a paz e o desenvolvimento transformaram-se em componentes imprescindíveis da evolução das sociedades. Porém, não há desenvolvimento sustentável sem paz, do mesmo modo que não há paz sem desenvolvimento, e não há ambas as coisas sem democracia e nada disto se alcança plenamente se não se assegurar o direito das crianças e dos jovens a uma educação de qualidade para todos.
A vida dos cidadãos depende da dinâmica que se estabelecer entre estes diferentes aspectos. Por sua vez os sistemas educativos devem ter a flexibilidade suficiente para permitirem uma resposta eficaz em diversos contextos, mas sempre de modo a que a construção de uma democracia plena, a paz e o desenvolvimento sejam o fundamento dos processos educativos qualquer que seja a sua renovação. No processo educativo é necessário ter em conta que os alunos devem, mediante a prática democrática, ser os sujeitos principais do seu próprio desenvolvimento e os promotores de atitudes e de modos de acção solidários.
A paz não pode ser definida apenas como a ausência de guerra. A paz adquire verdadeiro sentido quando resulta da justiça social, da participação dos cidadãos na construção das decisões políticas e na partilha dos frutos do crescimento económico. Daí a importância que as políticas educativas, o sistema e a escola têm no crescimento das crianças, dos adolescentes e dos jovens que pretendem ver devidamente apetrechados para poderem contribuir para o desenvolvimento, o reforço e o aprofundamento da democracia nas suas diversas vertentes.
Necessária uma concepção humanista
Para que a escola cumpra esse papel é preciso aceitar que o processo de desenvolvimento social deve repousar também numa concepção humanista que ponha em prática três princípios: primeiro, o acesso à cidadania e à sua prática quotidiana de todos os cidadãos, sem excepções; segundo, o uso dos códigos da modernidade (linguagens, competências) de forma suficientemente satisfatória de modo a permitir a todos a participação na vida pública e produtiva; terceiro, a instituição de uma atitude ética e moral, assente no respeito por si mesmo e pelo outro, olhado como um ser cujos direitos são tão legítimos como os seus.
Assim sendo, não podemos deixar de verberar a orientação neoliberal do Governo que tem conduzido à desresponsabilização cada vez maior do Estado nas questões educacionais e ao fomento da expansão do sector privado em detrimento de uma escola pública, democrática e de qualidade. Esta política é tanto mais reprovável quanto se choca com o proclamado desígnio do Ministério da Educação de promover a descentralização. Ora, num país pejado de assimetrias, um sistema educativo descentralizado exige, para salvaguarda da qualidade e da equidade, o reforço das funções próprias do Estado no sentido de ele proporcionar as condições e os recursos necessários à prossecução e cumprimento de objectivos básicos por todos os alunos, ao incremento da igualdade de oportunidades de acesso e sucesso educativo em todos os segmentos do sistema, combatendo assim o abandono escolar precoce dos alunos, e ao efectivo desenvolvimento da autonomia e direcção e gestão democráticas das escolas. Neste último aspecto o Governo falhou rotundamente ao impor um modelo de direcção e gestão das escolas inspirado numa concepção de escola como empresa de modo a poder subtrair o Estado às suas responsabilidades e concomitantemente desvalorizando o papel dos professores e do Conselho Pedagógico.
Propostas de alteração do PCP
Em boa hora o Grupo Parlamentar do PCP apresentou, em 2 de Outubro passado, à Assembleia da República, um conjunto de alterações ao Decreto de Lei da Gestão que irão ser analisadas na Comissão de Educação. As propostas de alteração, consonantes com o pensamento da maioria dos professores portugueses, visam fundamentalmente responsabilizar o Estado na defesa e expansão de uma escola pública de qualidade; defender os órgãos colegiais da escola contra a ideia de órgãos unipessoais; valorizar o Conselho Pedagógico; defender que a formação para a Gestão esteja contemplada na formação inicial dos professores e faça parte da sua formação contínua para que todos os professores reunam as condições para participação dos órgãos de Gestão Democrática das escolas; valorizar a democracia participativa contra a ideia de democracia meramente representativa. Se estes princípios vierem a ser concretizados na lei, o PCP deu, sem dúvida, um grande contributo para o funcionamento democrático das escolas.
Não foi por acaso que o VI Congresso da FENPROF (Maio de 1998), na esteira do anterior, retomou a defesa de uma escola pública de qualidade e democrática capaz de proporcionar as aprendizagens que contribuam para a integração social e não para a exclusão. Hoje em dia perfila-se como condição de sobrevivência e de desenvolvimento pessoal e social num mundo de grande informação, mudança e fluidez, a construção de capacidades imbuídas de um profundo sentido ético. Isto pressupõe efectivas capacidades para o acesso, a organização, produção, interpretação e análise da informação; uso correcto e adequado da língua materna; acesso e domínio das tecnologias da informação; domínio de conhecimentos científicos e humanísticos básicos; e o desenvolvimento de capidades no domínio relacional. Acresce ainda a necessidade de complementar aquelas aprendizagens com o desenvolvimento de uma cultura científica e tecnológica fundamental, desde o ensino básico, e com o estabelecimento de objectivos transversais no processo educativo que desenvolvam a capacidade do jovem se conhecer a si mesmo, de se relacionar solidariamente com os outros e de agir, respeitando os contextos natural e cultural.
Uma urgente e profunda mudança
Esta é a escola pela qual os professores progressistas lutam irmanados na sua mais representativa organização sindical - a FENPROF e os seus sindicatos. Esta escola exige uma urgente e profunda mudança das políticas educativas. Mudança que deve ser capaz de promover uma eficaz educação ao longo da vida, propiciadora de uma aprendizagem contínua, mudança que deve incrementar a integração da educação permanente e de adultos, mudança que deve formular estratégias nacionais de combate ao analfabetismo, mudança que precisa de criar as condições indispensáveis ao cumprimento da escolaridade básica por todos os alunos, investindo seriamente a Acção Social Escolar naqueles que provêm de meios sócio-económico-culturais desvaforecidos, mudança que deve propiciar os meios necessários à rápida expansão da rede pública da educação pré-escolar de modo a que, a breve prazo, esta educação seja obrigatória e universal no ano que imediatamente precede a entrada da criança no sistema de ensino, mudança favorecedora de políticas que reforcem a capacidade das escolas do ensino superior para atingirem os mais altos padrões de qualidade, a fim de lhes permitirem cumprir cabalmente a sua missão de formadores de recursos humanos e de lhes aumentarem as possibilidades de se tornarem centros de investigação científica e tecnológica cada vez melhores, mudança que promova uma efectiva valorização da profissão docente para a qual lutaram coerente e tenazmente os educadores de infância e os professores dos ensinos básico e secundário, sob a bandeira da FENPROF, com significativas conquistas, mudança que contribua para a melhoria das condições de trabalho e para a transformação das escolas em espaços humanizados onde dê gosto aprender e ensinar porque toda a educação, como escreveu Elise Freinet, deve principiar pela abordagem da alegria.
O que temos vindo a enunciar como reivindicações imprescindíveis à melhoria da Educação são tanto mais imperiosas quanto a realidade sobre que escrevemos ou é modificada ou o País e o sistema educativo condenarão à morte laboral e cultural mais de 3 milhões de portugueses como se escreveu na Carta Magna, elaborada pela insuspeita Comissão Nacional para o Ano da Educação e Formação ao Longo da Vida. É por isso que os professores e as suas organizações sindicais mais representativas olham a realidade não com olhos de medusa mas com o desejo e a vontade de a transformar.
As importantes conquistas alcançadas pelos educadores e professores dos ensinos básico e secundário em Outubro e Novembro abrem um horizonte de esperança e reforçaram a confiança dos docentes em si próprios e na sua capacidade e determinação para lutar pela mudança do que urge transformar.
«O Militante» Nº 238 - Janeiro / Fevereiro - 1999