Está já bastante próxima a data em que os
portugueses irão referendar a criação das regiões
administrativas no nosso País.
Trata-se, de facto, de uma reforma com enorme alcance para o
nosso futuro colectivo que, contudo, pela sua complexidade,
envolve a necessidade de análises sérias, dirigidas às
múltiplas perspectivas em que deve ser encarada.
Isto é, o esclarecimento dos portugueses sobre o que se pretende
com a regionalização deveria ter como base uma campanha
esclarecedora e clarificadora, quer por parte dos que a defendem,
quer por parte daqueles, que tentando evitá-la, pretendem, na
verdade, a manutenção da actual situação.
E a questão que se coloca é saber se o argumentário dos
opositores da regionalização, que indiscutivelmente ocupa
espaço privilegiado na comunicação social, satisfaz essa
permissa que deveria enquadrar a campanha sobre a
regionalização.
Será que ele é sério? Será que ele vai ao encontro do
esclarecimento quanto à realidade complexa que envolve esta
questão?
Entendemos que não e tentaremos, sucintamente, provar, de
seguida, a falsidade e mesmo a falta de honestidade, que
caracterizam alguns dos principais argumentos utilizados pelos
advogados do Não, que assentam pura e simplesmente na
desinformação e na criação de temores sem qualquer razão de
ser.
Um primeiro: Portugal vai ficar desagregado, dividido!
Este, é um argumento frequentemente utilizado, usando o
subterfúgio da confusão entre as regiões que vão ser criadas,
de natureza estritamente autárquica e administrativa, com
estados federados, regiões nacionalidades ou mesmo regiões
autónomas como é o caso dos Açores e da Madeira.
A eleição de órgãos autárquicos regionais não tem que
semear a divisão que os outros órgãos autárquicos -
municípios e freguesias - nunca semearam.
Ao contrário, o que pode e deve esperar-se é que a proximidade
dos órgãos regionais às populações e a maior possibilidade
de desenvolvimento de lutas junto deles, resultará, certamente
em favor da diminuição das assimetrias, de um desenvolvimento
mais harmonioso do País e dessa forma, ao contrário do que os
defensores do Não afirmam, de uma maior coesão
nacional.
A unidade nacional não está em causa.
Com a regionalização a coesão sairá reforçada num quadro em
que a diversidade regional, que urge manter e estimular, se
concretize na convergência e complementaridade de um destino que
continuará a ser comum, mas melhor.
O mito do risco da regionalização para a unidade do País não
tem o mínimo fundamento. Apenas dá cobertura a preconceitos, ao
conservadorismo e ao centralismo.
Um segundo argumento: A regionalização faz-se contra os
municípios!
Quem o afirma está, desde já, a assumir a prática de uma
inconstitucionalidade. O artigo 257º da Constituição da
República define, claramente que, entre outras atribuições, as
regiões administrativas servem para apoiar os municípios, sem
que estes vejam diminuídos os seus poderes.
Aliás, o facto de as assembleias municipais elegerem parte dos
membros das assembleias regionais, reverte, inequivocamente, em
favor da garantia da defesa dos interesses dos municípios.
A lógica daqueles que agora surgem a “defender” os
municípios contra a regionalização, não é mais nem menos do
que a lógica da legitimação da desconcentração territorial
(forma actual de gestão ao nível regional) da administração
central. A lógica de quem é servido pela actual situação e,
por isso mesmo, a não quer ver mudada.
Um terceiro argumento: A regionalização vai criar novas
burocracias!
A verdade é que ao afirmar-se isto pretende-se fazer esquecer
que uma das características mais visíveis da actual
administração regional é, precisamente, uma excessiva
burocracia que se imiscuiu constantemente no funcionamento dos
municípios, designadamente, através da gestão centralizada dos
fundos comunitários.
É a burocracia em que assenta, sobretudo, a conhecida prática
dos “jobs for the boys”, burocracia poderosa e que tem
vindo a assumir, mesmo, a representação das nossas regiões na
União Europeia.
Ao contrário, a hipotética “nova burocracia” que a
regionalização supostamente iria criar, essa, terá que ser
eleita pela população, por ela poderá ser controlada e a ela
terá que prestar contas no fim do seu mandato.
Um quarto argumento: A regionalização implicará
grandes despesas!
E avança-se, mesmo, com a ameaça de novos impostos, omitindo
que apenas à Assembleia da República cabe a decisão da
política fiscal.
Isto é, que apenas ela poderá criar novos impostos.
Por outro lado, esconde-se que os futuros eleitos das assembleias
regionais não serão remunerados. Apenas receberão senhas de
presença nas reuniões onde estiverem presentes.
Da mesma forma, nada se diz quanto ao facto dos serviços e dos
edifícios onde irão funcionar os novos órgãos regionais
resultarem de transferência e serem os mesmos de que dispõem
actualmente as Comissões de Coordenação Regional e os outros
serviços periféricos dos vários ministérios.
Cargos bem remunerados, como sejam governadores civis (18) e
presidentes e vice-presidentes das CCR’s (15), deixarão de
existir. Em seu lugar serão criados os lugares de governadores
regionais (8) e de membros das juntas regionais, em número
equivalente ao de uma nova câmara municipal pequena, por
região.
Que estará então por detrás desta falácia dos elevados custos
da regionalização? Certamente, o facto das vultuosas verbas
agora geridas por funcionários sem rosto e sem legitimidade
democrática, passarem, após a criação das regiões
administrativas, a sê-lo de forma mais transparente e
participada, por órgãos eleitos e representativos da vontade
popular. E é isto que aqueles que apregoam o despesismo parecem
pretender evitar a todo o custo.
Um último argumento: Com a regionalização, mais
caciques e mais poderes não democráticos!
Os detractores da regionalização afirmam isso, mas não os
ouvimos denunciar a actual administração regional instalada no
Continente, que gere centenas de milhões de contos sem qualquer
controlo popular, sendo também interessante notar que para estes
senhores o conceito de “tacho” só o parece ser, quando
existe a perspectiva de designação de titulares dos cargos por
sufrágio universal.
Trata-se, obviamente, de uma ideia que tem subjacente a própria
contestação do princípio da democracia representativa.
De facto, quando há eleições, em princípio, ninguém tem a
garantia do resultado vir a ser o que julga melhor. Mas,
contrariar a sua existência seria como defender, por exemplo, a
conti-nuação da nomeação pelo governo dos presidentes de
câmara, como antes do 25 de Abril, só porque estaríamos
perante a eventualidade de escolhas eleitorais menos adequadas.
É esta a posição daqueles que se pretendem mostrar preocupados
com eventuais novos caciquismos e que, em última análise, mais
não fazem do que pôr em causa a democracia representativa, a
todos os níveis.
É evidente que continua a haver diferentes formas de
manipulação que influem decisivamente nos resultados
eleitorais.
E é também evidente que a democracia representativa está muito
longe de ser perfeita. Mas isso não significa que as eleições
não devam existir. Os resultados muitas vezes não são os
melhores, mas o caminho terá de ser sempre o da luta com vista
à sua rectificação e neste momento, essa luta não pode
contemplar, seguramente, a contestação à democracia
representativa.
A terminar, não queremos deixar de propor um curto exercício
que não parece difícil: o de tentarmos perceber as razões e
motivações que se posicionam por detrás de alguns conhecidos
“leaders” do Não, bem como de uma grande
parte da oligarquia financeira que navega nas mesmas águas.
Porque será que não querem órgãos regionais democraticamente
eleitos?
Porque será que não querem que se criem as condições capazes
de permitir que as vontades regionais se possam expressar em
defesa dos seus interesses?
Porque será que tudo fazem para impedir a concretização da
norma constitucional que vem finalizar a construção do
edifício da nossa democracia?
A resposta a estas questões só pode vir dar mais força à
consciência que devemos ter quanto à necessidade de um grande
empenhamento na batalha do esclarecimento e da mobilização de
todos os camaradas e de outros democratas para o voto no Sim.