Começaram os debates
para uma política de esquerda



Edgar Correia
Membro da Comissão Política

Com a calendarização, até ao período das férias de Verão, de um primeiro conjunto de iniciativas em Lisboa, Coimbra, Porto, Setúbal e Évora, abrangentes de temas como a segurança social, a participação democrática dos cidadãos, o sistema fiscal, o projecto de esquerda, os direitos dos trabalhadores, a regionalização e o desenvolvimento, a justiça e a política de saúde, foi dado início a um vasto programa de debates para uma política de esquerda que, sob a comum designação de PORTUGAL 2000, o PCP decidiu empreender depois da reunião de Fevereiro do Comité Central.
Estão já em preparação para o último quadrimestre do ano muitas outras iniciativas - quer promovidas a nível central ou em colaboração com as principais Direcções de Organização Regional, quer realizadas de forma mais descentralizada - e perspectivam-se para o início de 1999 os debates que culminarão o processo do PORTUGAL 2000, antes da entrada do País na fase eleitoral para as europeias e para as legislativas.
Recorde-se que entre os temas gerais que o PCP pretende debater - alguns dos quais através de mais do que uma realização e com desdobramento em sub-temas - se encontram nomeadamente os seguintes: afirmação de um projecto de esquerda e de poder - que política? com que forças? por que caminho?; desenvolvimento económico, emprego com direitos, horário de trabalho, repartição do rendimento; as funções sociais do Estado e os cidadãos, com destaque para as reformas da segurança social, da saúde, e da educação; Portugal e a integração europeia; cultura e cidadania; participação, informação, democracia; descentralização, regionalização, áreas metropolitanas, poder local; qualidade de vida, habitação, urbanismo, crise urbana, ambiente; toxicodependência; a justiça social - objectivo e condição de desenvolvimento; sector público, serviços públicos de qualidade; as mudanças sociais; a exclusão social e a pobreza; Portugal no século XXI - uma visão prospectiva.


Um primeiro passo

Está assim dado um primeiro passo na contribuição do PCP para a afirmação de uma esquerda e de um projecto de esquerda que suporte a perspectiva, a possibilidade e a luta pela concretização de um novo rumo democrático para o nosso País.
Um caminho que parte da recusa do rotativismo, centrado no PS ou no PSD, e provadamente assente na continuidade de políticas de inspiração neoliberal, para abrir a perspectiva e a possibilidade de concretização de um governo de esquerda em Portugal, à entrada do novo milénio, construído a partir do apuramento substantivo de uma política de esquerda e da reunião de condições de suporte indispensáveis à sua concretização, e inserido numa vasta dinâmica social.
Um caminho que não vai ser certamente fácil nem linear. Que não é percorrível sem a participação activa do PCP e sem o reforço objectivo da sua influência social, política e eleitoral, na vida do País. Mas cujo percurso e velocidade não vão depender apenas, como é óbvio, do empenho dos comunistas e dos seus aliados mais próximos. E que, por isso, não está limitado temporalmente e balizado pelas próximas eleições legislativas, embora sem dúvida se possa prever que o seu resultado represente um importante factor acelerador ou retardador da sua concretização.
Do que se trata para os comunistas, e como já tem sido sublinhado, a par da reforçada participação em toda a dinâmica social - com destaque para os trabalhadores e para a juventude - e da natural afirmação da voz própria do seu Partido, é o de conseguirem abrir-se mais profundamente à sociedade e ao contacto com outras forças, posicionamentos, ideias e aspirações, que se manifestam criticamente em relação às orientações neoliberais. E de contribuírem, sem exclusivismo nem pretensões hegemónicas, que seriam de todo estranhas e opostas ao objectivo anunciado, para um alargado e genuíno processo de diálogo, de debate de ideias e de políticas, respeitador da pluralidade das expressões e das diferenças, susceptível no seu desenvolvimento de materializar pontes e de ajudar a construir convergências políticas que contribuam para viabilizar um projecto de esquerda e de poder.
O PORTUGAL 2000 representa, além disso, um espaço de debate do conteúdo substantivo de uma política alternativa à do neoliberalismo e das condições para a concretização de um projecto de esquerda e de poder, um importante forum para credibilizar e dinamizar junto da opinião pública a perspectiva de uma nova política. E constitui um lugar donde é possível gerar iniciativas concretas dos cidadãos em torno de causas e de problemas que as preocupam ou a que desejem dar pública voz.


Uma resposta inovadora e dinâmica à política actual

Esta linha fundamental para a intervenção política do PCP, aprovada na reunião de Fevereiro do Comité Central, não constitui uma direcção de trabalho isolada. Ela articula-se com a afirmação do Partido como oposição de esquerda, combativa, consequente e responsável; com a defesa activa de uma política de desenvolvimento e de emprego, com direitos, com uma justa repartição do rendimento nacional e a defesa e preservação do ambiente; com a intervenção activa por reformas democráticas na área da educação, saúde, segurança social; e com a luta por um novo rumo para a construção europeia.
Nesta orientação estratégica condensam-se diferentes questões e procura-se uma resposta, inovadora e dinâmica, para a situação política actual. Resposta às dificuldades e às exigências objectivas e subjectivas com que nos confronta o quadro de profundas mudanças e de complexas contradições que caracterizam a sociedade portuguesa contemporânea; resposta à incontornável necessidade de renovação que se coloca aos comunistas para uma afirmação partidária bem sucedida no tempo presente; e reconhecimento e valorização das possibilidades de convergência que estão a surgir à esquerda, e que são susceptíveis de envolverem comunistas, muitos socialistas, ecologistas e outros democratas, de serem mobilizadoras e envolventes de forças sociais e culturais diversas, e de poderem ser motivadoras da participação directa dos próprios cidadãos.


Uma alternativa política ao actual estado de coisas

Como sublinhou o Secretário-Geral do PCP no Acto de Apresentação do PORTUGAL 2000, "a sociedade portuguesa enfrenta o novo milénio em condições assaz contraditórias".
Apesar das transformações positivas ocorridas depois do 25 de Abril e de importantes realizações nacionais, subsistem no nosso País importantes expressões quantitativas e qualitativas de atraso sócio-económico. As desigualdades sociais e a desvalorização do trabalho não cessam de acentuar-se. E a vida democrática evidencia uma continuada degradação.
O neoliberalismo, em qualquer das suas graduações, com a sujeição do político ao económico, e com a subordinação do económico à lógica absoluta do mercado capitalista e da maximização do lucro a qualquer preço, seja esse preço social ou ambiental, está a agravar o quadro das contradições e dos desafios a que a sociedade portuguesa tem que fazer face.
É neste contexto que o PORTUGAL 2000 - os debates para uma política de esquerda - situando-se explicitamente no vasto campo dos que, através de percursos e de modos muito diversos, têm vindo a convergir na crítica das orientações e políticas neoliberais, constitui uma iniciativa particularmente oportuna.
Uma iniciativa que, sem pretensões de precedência ou de exclusivismo, procura também acrescentar um contributo político e ideológico nacional ao muito largo movimento dos trabalhadores, das sociedades e das nações. Que por toda a parte estão a erguer a resistência e a luta contra as políticas neoliberais, a liquidação de direitos cívicos e políticos duramente conquistados e a efectivação de um grave retrocesso civilizacional. E que, por isso, vêm activamente empenhando-se na procura de uma alternativa política que permita superar o presente estado de coisas.


«O Militante» Nº 235 - Junho / Agosto - 1998