À ofensiva responder com a luta



Jerónimo de Sousa
Membro da Comissão Política


No nosso País, tal como no plano europeu e à escala mundial, acentua-se e prolonga-se uma avassaladora ofensiva desregulamentadora contra os direitos dos trabalhadores.
Desenvolvendo uma forte campanha ideológica, os círculos de decisão do grande capital orientam as instituições e em particular os governos de cada país, para, por via de leis desreguladoras, alcançarem o binómio mais lucro/mais precarização e exploração. Basta consultar as actas do G7, os escritos dos defensores da União Económica e Monetária ou até, à nossa escala, os discursos dos banqueiros e grandes patrões após o repasto recentemente realizado em Cascais e que contou com a presença do 1º Ministro e mais meio Governo.
Repetem e reclamam, sistematicamente, mais flexibilidade do mercado de trabalho, contenção/redução dos salários e o assalto ao sistema de Segurança Social.
O Governo PS, procurando corresponder a estes objectivos, prepara-se para avançar com um conjunto de propostas de alteração às leis laborais e ao sistema de Segurança Social que, caso fossem concretizadas, seriam ainda mais gravosas que os pacotes laborais dos Governos PSD/Cavaco Silva.
Inspirado no "Acordo de Concertação Estratégica" aprovado no final do ano de 1996 e nos projectos elaborados por uma equipa do Ministério do Emprego da CIP e da UGT, o executivo de Guterres quer minar o que se pode considerar como os cinco pilares do direito do trabalho: emprego-salários-horários-férias-profissões, em articulação com o ataque ao sistema de Segurança Social e à sua concepção de direito universal.


Como preparam o terreno

Recorrendo ao seu arsenal ideológico, o capital inventa, de forma adjectivada, novas formulações como as da "empregabilidade, flexibilização, moderação salarial, novos perfis profissionais", difundindo, pela voz dos grandes meios da comunicação social, que lhes pertencem ou que dominam, a doutrina da desregulamentação.
Simultaneamente, nas grandes empresas, com destaque para as multinacionais, vão-se experimentando e praticando medidas que alteram a organização do tempo de trabalho e a sua retribuição, sempre desvalorativas da contratação colectiva. Os exemplos mais recentes verificam-se na Tabaqueira onde a multinacional Philips-Morris quer "comprar" o Acordo de empresa por umas poucas centenas de contos a distribuir pelos trabalhadores; na General Motors (Azambuja), na Auto-Europa, na Unilever, com a implementação duma nova organização do tempo de trabalho e de novos conceitos de profissão.
Quando os departamentos de pes-soal não estão preparados para concretizar essas medidas, as empresas recorrem a multinacionais mercenárias que operam no nosso País com autênticos manuais de precarização, rescisões forçadas, tudo acompanhado por sociólogos, psicólogos, economistas e juristas pagos a peso de ouro.
É com este pano de fundo que o Governo PS deliberou avançar com propostas sobre trabalho a tempo parcial, alteração dos conceitos de retribuição e de profissão, da lei de férias, dos contratos a prazo e do trabalho temporário, do regime de trabalho nocturno, do lay-off.
Reveladora da sua opção legislativa é a inclusão neste conjunto de propostas da dádiva (que a Constituição e deputados constituintes recusaram) de participação na legislação laboral às associações patronais.
Neste conjunto de peças, a pedra angular da precarização é a proposta do trabalho a tempo parcial, que visa dar corpo à substituição do conceito de emprego pela "empregabilidade". Sustentada na filosofia da partilha do emprego entre os que o têm e os desempregados, pretende-se, por um lado, precarizar os trabalhadores com vínculo efectivo, por outro lado, dar estatuto de precário permanente aos que entram no mercado de trabalho, que ficariam com menos horário mas com menos salário e, acima de tudo, aumentar o lucro e a exploração. É uma medida que, em articulação com as outras leis e práticas que vigoram (trabalho temporário, recibos verdes, contratos a prazo e sub-contratação) provocaria uma alteração radical no conceito e na segurança do emprego.
A linha desregulamentadora que atravessa todas estas propostas de lei tem maior expressão na alteração de dois importantes conceitos - da retribuição e da profissão. Ao propor-se que deixem de ser parte integrante do salário as componentes variáveis, não só fica em causa o carácter regular do salário como também o nível da base de cálculo das pensões de reforma, dos subsídios de férias e Natal, de baixa por doença, feriados e folgas. Obviamente o patronato ganhará mais porque descontará menos para a Segurança Social.
No que se refere às profissões, a ideia base é reduzir radicalmente o seu número, juntar várias numa só para permitir, por um lado, a polivalência sem limites e, por outro, obstaculizar a evolução da carreira profissional.
A alteração que se pretende à lei das férias visa, fundamentalmente, condicionar o direito ao princípio da assiduidade, penalizando a doença, a maternidade, o acompanhamento familiar e outras situações de ausência forçada ou justificada.
Esta ânsia de privilegiar o capital está claramente expressa até na "pequena" alteração ao regime de lay-off. Actualmente, a Segurança Social comparticipa com 50% de retribuição e os restantes 50% são pagos pela empresa. O Governo quer pôr a Segurança Social a pagar 70% ou até, em caso de formação profissional, pôr os patrões a pagar só 15%.
Não é ocasional que nas primeiras três propostas de lei (trabalho a tempo parcial, conceito de retribuição e lay-off) exista um fio condutor: menos descontos e mais encargos para a Segurança Social com um único privilegiado: o capital. Assim se apanha o Governo na contradição de, por um lado, proclamar as dificuldades de financiamento do sistema como argumento para o alterar, mas, entretanto, vai fazendo o garrote a esse financiamento com medidas legislativas.


Os jovens trabalhadores são o alvo principal

O carácter experimental destas medidas no plano legislativo não é pioneiro no nosso País. Em vários países da Europa, e julgando contar com a colaboração do movimento sindical onde existe uma influência predominante e determinante da social-democracia e da direita, os Governos tentaram ou aprovaram leis desregulamentadoras, numa linha de precarização e redução da protecção social do Estado. As lutas poderosas travadas em países até aí considerados como santuários da concertação social (Alemanha, Dinamarca, Bélgica, França e até Coreia do Sul), algumas delas à revelia das direcções sindicais reformistas, levaram a um acerto táctico por parte do capital e dos Governos, preferindo agora o faseamento das medidas ou, se quisermos, "fazendo um caminho caminhado".
Não é por acaso que o Governo PS, em vez dum pacote laboral de grande dimensão, perspectiva um processo a realizar em duas ou três etapas. Tem receio da tomada de consciência dos trabalhadores e em particular dos jovens trabalhadores, alvos principais destas medidas desregulamentadoras.
Sabe o Governo que a geração mais velha e de consciência social mais elevada foi obreira e continuadora de direitos e regalias conquistados antes e depois da revolução de Abril e que acabaram por ser consagrados na Constituição e no edifíco jurídico-laboral português. Geração que defenderá esses direitos através do seu exercício e da sua luta. Mas a geração que agora ingressa no mercado de trabalho não tem nem a mesma consciência quanto ao valor e importância desses direitos nem tem a percepção da ofensiva que se desenha. E, no entanto, nos preâmbulos e primeiros artigos das propostas sobre trabalho a tempo parcial, férias, profissões, sistema de Segurança Social, o fio condutor é criar uma situação geral de precarização em que o jovem trabalhador de hoje seja, no futuro, o trabalhador adulto sem direitos.


Esclarecer, mobilizar e lutar

Não foi inocente o calendário escolhido pelo Governo para colocar em discussão pública as propostas de diploma. Anunciou, em sede de concertação social, que essa discussão realizar-se-ia em Junho e Julho. Contava com a Expo'98, a natural dramatização em torno do referendo sobre a despenalização do aborto e com as férias.
Enganou-se. Em primeiro lugar, porque o Partido, no quadro da campanha nacional em torno da valorização do trabalho e dos trabalhadores, desencadeou uma ampla e diversificada acção de esclarecimento e de denúncia contactando centenas de milhares de trabalhadores de cerca de 500 empresas. E, em segundo lugar, devido à reacção da estrutura sindical da CGTP que, esclarecendo e mobilizando os trabalhadores, se prepara para a luta.
E, embora se admita desenvolvimentos posteriores à feitura deste artigo, há já um facto relevante a registar: o Governo foi obrigado a reconsiderar o seu calendário devido à acção do PCP e do movimento sindical unitário.
Decerto que não esmoreceram nem os objectivos do Governo nem os do capital. E aqui, mais uma vez, o que vai ser determinante para influenciar os calendários e os desfechos legislativos desta ofensiva será a luta de massas, precedida de plenários, de tomadas de posição, do envolvimento dos trabalhadores, procurando a sua convergência com expressão de rua. A defesa dos fundamentos do direito do trabalho assim o exige.


«O Militante» Nº 235 - Junho / Agosto - 1998