Breves considerações sobre a democracia,

o capitalismo e o socialismo




Álvaro Maia Rebelo
Engenheiro


Não tenho pretensões a ideólogo, nem através da vida dediquei os tempos que desejaria à leitura de textos ideológicos, desde os clássicos do marxismo-leninismo até à enorme riqueza de opiniões e estudos dos mais variados que vão sempre surgindo, no constante fervilhar da discussão das experiências vividas.
Mas, possuo convicções arreigadas, por tradição familiar e em resultado de toda uma vida atenta aos acontecimentos nacionais e mundiais.


Democracia e Direitos Humanos

Decerto como milhões de homens e mulheres, considero que um futuro de maior Justiça social e Paz para o conjunto da Humanidade é inseparável duma Democracia plena, isto é, Direitos Humanos completos, para todos e em todas as suas componentes: política, económica, social, cultural e ambiental.
A História regista lutas constantes, ora ocultas ora abertas, por Direitos Humanos, travadas pelos explorados e oprimidos contra os seus exploradores e opressores.
Embora com expressões diversas, encontram-se traços comuns destas motivações justas nas revoltas de escravos e dos primeiros cristãos, nas lutas dos servos contra os senhores feudais, nas revoluções burguesas contra as monarquias absolutistas, nas lutas de operários, camponeses, intelectuais e outras camadas sociais progressistas, contra a exploração capitalista e o fascismo, e nos movimentos de emancipação nacional e contra as segregações raciais e religiosas.
Presentemente, no Mundo, apesar de tantos esforços, é profunda a inquietação pelo futuro, em face da crise global que se agudiza, de que ninguém consciente pode alhear-se e que só será possível deter persistindo na batalha, sem esmorecimento perante as dificuldades. Nesse sentido, ouvi um dirigente alemão de esquerda, no Comício Internacional de Lisboa contra o desemprego, lembrar que “quem luta pode perder, mas quem não luta já perdeu”.
Na prática, a grande questão é saber como orientar a luta e congregar esforços em cada momento, mantendo uma linha de rumo coerente com os objectivos, pensando e agindo com base na observação e na crítica permanentes dos ensinamentos passados e actuais.
É humano errar, mas a muita experiência acumulada constitui um auxiliar poderoso que pode permitir às sociedades humanas orientarem-se, com os pés bem assentes na terra, na procura de soluções para o seu melhor relacionamento, sem desânimos e sem esquecerem que dispõem, para esse efeito, daquelas qualidades de inteligência, de trabalho e de empenhamento que lhes têm assegurado prodígios no seu afã milenário.


Os Direitos Humanos no capitalismo

Dentro dos regimes capitalistas, as lutas denodadas e heróicas das populações pelos seus Direitos e, portanto, pela Democracia, têm-lhes proporcionado melhorias, mas sempre parciais e sujeitas a retrocessos como os que se vivem actualmente.
As classes dominantes capitalistas, quando falam em defender a Democracia e Direitos Humanos, fazem-no com o pressuposto de que estes se confinam à componente política e, mesmo essa, limitada a um “quanto baste” que lhes permita manter e ampliar os seus próprios privilégios.
A História mostra à evidência essas limitações aos direitos políticos no Capitalismo, as quais vão desde restrições constitucionais, prepotências, mentiras e demagogias nas “democracias” capitalistas, até aos fascismos que não respeitam quaisquer direitos e proliferam no Mundo com a condescendência, o beneplácito e até a instigação dessas mesmas pretensas democracias.
As outras componentes dos Direitos Humanos não são designadas como tais pelas classes dominantes, que procuram, quanto possível, ignorá-las e contrariá-las.
No Capitalismo, endeusa-se o lucro em vez da justiça económica e social, a concorrência em lugar da organização, vitoria-se o mais forte e marginaliza-se o fraco. Negoceia-se tudo, mesmo os maiores crimes, a droga, a prostituição, os armamentos, a guerra. Pratica-se o egoísmo, o segredo, a deslealdade, o “salve-se quem puder”, em vez da solidariedade, a honestidade e a lisura de procedimentos. Generaliza-se o desemprego, a violência, a insegurança, a discriminação, a alienação e o obscurantismo. Menospreza-se a saúde, a cultura e o ambiente, excepto para privilegiados.
Em consequência, agudizam-se os desníveis e os conflitos entre as populações, dentro de cada país e no Mundo.
Quantas vezes hipocritamente, apela-se nas “democracias” capitalistas à defesa dos “Direitos Humanos” noutros países, mas consideram-se banais a miséria, a fome e as consequentes limitações a todas as componentes dos Direitos Humanos - com um cortejo imenso de sofrimentos e mortes - nos próprios países e em grandes manchas populacionais do Terceiro Mundo, também capitalista, cujos recursos naturais e humanos são entretanto explorados impiedosamente pelos potentados económicos das ditas “democracias”.
Em resumo, o Capitalismo não constitui futuro para a Humanidade, porque pratica a exploração egoísta e arbitrária do Homem e da Natureza, em vez da procura honesta dum progresso equilibrado e justo.
Daí os crescentes sentimentos de desespero, de descrença e de revolta de grandes populações, mesmo nos países desenvolvidos. Daí a necessidade de procurar caminhos alternativos ao Capitalismo.


Os Direitos Humanos no socialismo

O Século XX ficará assinalado na História, com letras de ouro, pelo advento das primeiras sociedades socialistas, implantadas com notável êxito, apesar da feroz oposição militar, económica e ideológica das classes dominantes nacionais e mundiais.
Entre enormes dificuldades, erros e inevitáveis limitações políticas resultantes daquela oposição, as novas sociedades realizaram, na prática, desenvolvimentos nunca antes conhecidos nos Direitos Humanos, a par de rápidos progressos materiais.
Como farol pioneiro, a União Soviética deu exemplos ao Mundo, ao estabelecer, pela primeira vez na História, a universalidade dos seguintes Direitos Humanos:

- O pleno emprego;
- A assistência médica, as creches e o ensino gratuitos;
- A reforma na velhice, a protecção na invalidez e as férias pagas;
- Baixos preços na habitação, nos transportes públicos, nas comunicações e nos artigos de primeira necessidade;
- O acesso generalizado à cultura, à ciência, ao desporto e a um ambiente mais saudável.
No plano internacional, foi também assinalável a defesa dos Direitos Humanos pelo campo socialista, através da procura incessante da Paz e de múltiplas acções de solidariedade internacionalista com países, governos e populações de variados matizes políticos.


As dificuldades do socialismo e o futuro

Presentemente, as esperanças num futuro próximo mais feliz para a Humanidade, que foram bem fundamentadamente alimentadas pelo florescer das novas sociedades mais justas e prósperas nos países socialistas e pela derrota militar das grandes potências fascistas na Segunda Guerra Mundial, estão mais longe de se concretizar do que se julgava. Por outras palavras, como ouvi a Álvaro Cunhal, verifica-se que construir o “Homem Novo” é mais difícil do que se esperava.
A este respeito, julgo correcto considerar, como também ouvi, que o Socialismo ainda teve pouco tempo de experiência, pois que 80 anos são pouco tempo à escala da História, podendo dizer-se que, apesar dos progressos alcançados, ainda não passou da idade pujante da juventude, faltando-lhe chegar à maturidade.
Penso também que, na componente política da Democracia, há uma característica que o Capitalismo, muitas vezes, evita e teme e que é fundamental no Socialismo: a participação popular, que foi a chave do êxito das revoluções vitoriosas e dos seus desenvolvimentos posteriores.
Infelizmente, este aspecto foi diminuindo pouco a pouco na URSS, espartilhado pelo poder pessoal de Stáline, sendo essa, em minha opinião, uma das causas determinantes da actual queda no caos do retorno capitalista. Mas ainda se viu na URSS o vigor da participação popular na Segunda Guerra Mundial, tanto nas frentes de batalha como na retaguarda, onde foi possível o milagre de produzir, durante o conflito, três vezes mais tanques e aviões militares que os nazis.
Dum modo geral, no Mundo, será que, com o decorrer do tempo, alguns dos problemas mais difíceis para a estabilização do Socialismo residem naquela falta de participação popular e numa aceitação acrítica das administações e das suas orientações, por rotina e por carência de informação e de formação ideológica, principalmente na juventude?
Outra dificuldade é a brutal pressão militar e económica, sempre presente, da “cortina de ferro” capitalista, de que Cuba é a vítima mais evidente mas de que sofreram e sofrem todos os países comunistas ou que lutam por verdadeira independência.
Como enfrentar tamanhos obstáculos?
Estou convicto de que no Mundo e, em particular, nos ex-países socialistas, estes problemas são motivo para cada vez maiores populações pensarem e lutarem, passo a passo e muito diversificadamente, conforme as circunstâncias do lugar e do momento, mas na certeza de que a única “luz no fundo do túnel”, para as sociedades humanas de todas as raças e em todos os continentes, continua a ser o Socialismo, condição indispensável para uma verdadeira e completa Democracia.
Para um futuro mais largo, continuo também convicto de que o objectivo ideal será o Comunismo, no sentido de uma sociedade sem exploração do homem pelo homem e, portanto, sem classes, em que será necessária excelente organização, com programas e chefias debatidos, controlados e sancionados por votações, em todos os escalões.

A Humanidade precisa de respeitar-se a si própria e ao Universo em que se insere e continuará a lutar para vencer esse desafio.

Lisboa, Dezembro de 1997




«O Militante» Nº 234 - Maio / Junho - 1998