Portugal e a Agenda 2000


 



Joaquim Miranda
Membro do Comité Central. Deputado ao Parlamento Europeu


A Comissão Europeia apresentou no princípio do semestre passado um documento intitulado Agenda 2000, no qual formula um conjunto de propostas para a União Europeia, para o período 1999-2006.
Trata-se de um documento cuja oportunidade não merece particulares reparos, dada a proximidade do termo do período de vigência do “Pacote Delors II” e a perspectiva de um novo alargamento da União - factos que reclamam, naturalmente, um novo quadro de respostas, especialmente no domínio financeiro e também relativamente a algumas políticas comuns, como é o caso da PAC.
Se pouco haverá a dizer quanto ao momento da sua apresentação o mesmo não acontece, entretanto, relativamente ao respectivo conteúdo. Apesar de o mesmo não constituir uma surpresa.
Com efeito, a evolução orçamental nos últimos anos evidenciava já tendências confirmadas no documento e, inclusivamente, revelava igualmente a predisposição para ir impondo, antecipada e paulatinamente, orientações e regras só formalmente consagradas com a Agenda 2000.
O facto de o orçamento comunitário para 1998 representar apenas 1,12% do PIB comunitário e não 1,27%, como fora decidido em Edimburgo, é testemunho particularmente elucidativo do que acaba de se afirmar. Como o são as dificuldades crescentemente criadas à transferência de verbas para certos objectivos, em especial no domínio dos fundos estruturais, de que são exemplos flagrantes os casos do Alqueva ou da nova ponte sobre o Tejo (obviamente sempre a pretexto de nobres argumentos, como o ambiental).
Não raras vezes chamámos a atenção do Governo e das outras forças políticas representadas no Parlamento Europeu para este facto e para a necessidade de combater a consolidação de tal estratégia. Infelizmente, pregámos no deserto...
De tal forma que, apesar dessas nossas sistemáticas chamadas de atenção, sempre as outras forças políticas votaram favoravelmente os sucessivos orçamentos comunitários e nada foi feito pelo Governo, durante a fase de elaboração do documento, para que outro fosse o sentido das propostas formuladas pela Comissão.
Só agora, perante os perigos evidentes e eminentes, umas e outro parecem acordar!


Quais são os perigos?

Mas, afinal, em que consistem tais perigos?
A questão central é a seguinte: de acordo com as propostas da Comissão o plafond de recursos próprios da União Europeia, decidido em Edimburgo para o período que termina em 1999 - 1,27% do PIB comunitário -, deverá manter-se inalterado para o período que irá até 2006, devendo o mesmo dar resposta, apesar de igual, já não só aos objectivos fixados para quinze Estados, mas também aos custos, seguramente elevados, da pré-adesão e dos primeiros anos da União alargada.
A razão de ser desta orientação restritiva é óbvia: ela resulta directa e inequivocamente da política de austeridade orçamental inerente à prossecução da União Económica e Monetária e, em especial, ao cumprimento dos critérios de convergência nominal.
Isto é: os governos dos Estados principais con-tribuintes financeiros para o orçamento da União, com a Alemanha à cabeça, querem o alargamento (e, fundamentalmente, querem assegurar as vantagens económicas que dele decorrem), mas não querem abrir os cordões à bolsa, já que isso dificultaria a diminuição dos respectivos défices orçamentais...
Uma contradição flagrante resulta evidente, assim, da “necessidade” simultânea de encontrar recursos adicionais para fazer face ao alargamento - tanto mais que o PIB dos países candidatos é inferior ao PIB médio da União a quinze - e de dar concretização à política de austeridade orçamental determinada pela UEM.


Soluções que nos desfavorecem

A saída encontrada para esta contradição e vertida na Agenda 2000 é óbvia (e dela resultam os perigos referidos para o nosso País): consiste no sacrifício puro e simples da política de coesão.
A qual se pretende alcançar quer por via do constrangimento dos fundos estruturais, quer pela da não adequação de certas políticas, particularmente a PAC, aos interesses dos países de menor desenvolvimento.
Com efeito, resulta seguro do documento da Comissão que a dotação anual média para os actuais quinze Estados membros, em fundos estruturais e para o período 1999-2006, seria inferior à actual, a cumprir-se o proposto na Agenda 2000.
E o peso dos fundos estruturais e do fundo de coesão no conjunto das despesas comunitárias, entre o actual e o futuro quadro financeiro, diminuiria de 36% para 26%.
Donde se conclui, sem margem para erro, que se pretende, com tais propostas, que sejam os países principais utilizadores dos fundos estruturais e do fundo de coesão a pagar o alargamento. Apesar da coesão se encontrar inscrita no Tratado como pilar fundamental da União!
Convirá entretanto ter presente que tais perspectivas são elaboradas num quadro de excessivo optimismo.
Na realidade, os recursos previstos pela Comissão para o período referido baseiam-se num crescimento anual médio de 2,5%, para os quinze, e de 4% nos países candidatos e numa inflação de 2%.
Convenhamos que nada permite assegurar uma tão favorável evolução. E se ela não ocorrer, obviamente que mais magros serão ainda os recursos.
É verdade que nada está ainda definitivamente adoptado. E é até provável que pouco se avance, em termos de quadro global e definitivo, até às próximas eleições gerais na Alemanha, a realizar em Outubro. Mas isso não pode tranquilizar.
Para já é certo que a base de trabalho das negociações a efectuar será esta Agenda 2000, e ela é seriamente desvantajosa para os interesses do País.
Também porque a presente presidência britânica não nos será, neste domínio, favorável. E a seguinte, a austríaca, ainda menos o será.
Depois, porque a Comissão continuará seguramente a ensaiar novos passos com vista à sua prática consolidação. No orçamento para 1999 e, particularmente, com a nova regulamentação para os fundos estruturais e no domínio da PAC.


Um alargamento a todo o custo

Uma tão importante questão reclama, obviamente, posições muito firmes.
Em primeiro lugar, é preciso deixar bem claro que as dificuldades surgem, antes de mais, pela obsessão que se verifica em torno do cumprimento dos critérios de convergência nominal.
Em segundo lugar, se não há razões de princípio que levem a pôr em causa o alargamento,
é igualmente certo que ele não pode ser concretizado a todo o custo e, muito menos, com sacrifício da política de coesão.
Simultaneamente, é indispensável que alguns aspectos desta questão sejam clarificados.
É necessário conhecer com rigor os custos reais do alargamento, em termos orçamentais. E é preciso criar um instrumento financeiro próprio, até por razões de transparência.
Como é indispensável conhecer e ter presente as incidências reais, económicas e sociais, positivas e negativas, para cada um dos Estados membros, para cada um dos Estados candidatos e para o todo comunitário, resultantes do mesmo alargamento.
Com efeito, trata-se duma questão que não pode ser exclusivamente encarada segundo a vertente financeira e orçamental. Esse será seguramente o entendimento que os países que altamente beneficiam da adesão, em termos económicos, pretendem impor. Mas não é, obviamente, o que se coaduna com os interesses de Portugal.




«O Militante» Nº 234 - Maio / Junho - 1998