A defesa das pescas nacionais




Carlos Luís Figueira
Membro da Comissão Política

O sector pesqueiro tem uma importância económica e social no País que somos que está muito para além do peso relativo que hoje ocupa na economia nacional.


Importância da pesca

Somos um País com uma extensa costa ao longo da qual se instalaram e ainda vivem importantes comunidades piscatórias desde há muito ligadas ao mar por dele tirarem a principal fonte de rendimento para enfrentarem a sua sobrevivência.
O consumo de pescado em fresco continua a constituir não só um elemento de grande peso na dieta alimentar dos portugueses (39 quilos/ano/habitante), como representa, em muitas zonas do litoral, um produto turístico de inegável importância.
Por sua vez a pesca está particularmente associada à indústria conserveira, sector de grandes tradições entre nós, com uma mão-de-obra especializada e um domínio de reconhecida técnica de produção o que faz com que as conservas de peixe nacionais continuem a ser apreciadas internacionalmente apesar de todos os constrangimentos que têm vindo a sofrer no quadro da Europa comunitária em que estamos inseridos.
Está também estimado que a 1 posto de trabalho no mar correspondem 4 em terra o que avoluma por este ângulo a importância alargada do sector pesqueiro, a par, naturalmente, da construção e reparação naval, da fabricação de artes, etc..
Por razões culturais, por tradição, as comunidades piscatórias constituem realidades cuja actividade dificilmente pode ser reconvertível pelo menos num curto prazo. Este facto não pode deixar de pesar na consideração de qualquer projecto ou políticas para o sector pesqueiro nacional.
Assim, a apreciação e a valorização que se fizer sobre o sector pesqueiro tem de ter em conta uma multiplicidade de factores que lhe estão associados, cujos efeitos se repercutem muito para além da mera percentagem relativa que ocupa no PIB nacional.


Crescentes dificuldades

O 25 de Abril encontrou o sector pesqueiro em grandes dificuldades. Diminuição de produção, envelhecimento e desadequação da frota, dificuldades em manter a ocupação de pesqueiros fora da nossa ZEE (Zona Económica Exclusiva). Perderam-se entretanto anos para recuperar tais atrasos. A integração de Portugal na UE conduziu por sua vez à criação de maiores dificuldades, das quais destacaríamos: a aplicação indevida pelos sucessivos governos de uma política que em nome da imposição das políticas comunitárias privilegiou sobretudo a redução da frota através do abate, em muitos casos de forma compulsiva; perda de oportunidades de pesca em águas exteriores à comunidade, designadamente no Atlântico Norte (pesca do bacalhau), em virtude de uma posição de fragilização por parte dos Governos do PSD e agora do PS para defender posições históricas que aí detínhamos, situação da qual beneficiaram particularmente os espanhóis; estrangulamentos criados por uma desadequada política de financiamento ao sector, com repercussões negativas na renovação e modernização da frota; ausência de uma política de investigação orientada para gerir da melhor forma os recursos pesqueiros conhecidos, como a permitir, de forma rentável, explorar outros; completa desarticulação entre as políticas que conduziram à construção de infra-estruturas (portos) e o sector pesqueiro.


Dez anos de integração na UE

Neste contexto, o balanço a 10 anos de integração na UE (1986/96) no que respeita ao
sector pesqueiro é, pela negativa, ilustrativo das consequências que conduziram a tais
políticas.
A frota diminuiu 37% dos seus efectivos, o emprego diminuiu 24,6%, a produção caiu 15%, enquanto que no mesmo período as importações de produtos relacionados com a pesca subiram 101% representando hoje mais de 100 milhões de contos/ano gastos a importar produtos da pesca. De um país produtor passámos para uma situação de grande importador de produtos derivados da pesca, já que enquanto a produção nacional em pouco ultrapassa as 232 mil toneladas/ano as importações subiram para 291 mil toneladas.
As quebras verificadas na produção atingiram brutalmente as pescas que dependiam da frota industrial longínqua a operar no Atlântico Norte, com uma diminuição de 36,7% no montante das capturas o que conduziu a uma redução desta frota para cerca de metade.
Importa entretanto sublinhar que, no final do período em referência, 85% da frota pesqueira nacional continua a manter uma TAB (Tonelagem de Arqueação Bruta) abaixo das 5 toneladas. Isto é, continua a ser caracterizada por pequenas e médias embarcações, a esmagadora maioria das quais a operar no interior das 12 milhas náuticas, o que equivale a dizer que o tão propalado objectivo da modernização, com base no qual se alicerçou também o impulso para o abate da frota, não foi atingido.
Sublinha-se, ainda, que, num recente relatório da Comunidade destinado a avaliar o grau de cumprimento de cada país das linhas impostas pela Política Comum de Pescas, relatório da autoria de Arlindo Cunha, ex-ministro do Governo de Cavaco Silva, com inquestionáveis responsabilidades nesta matéria, se dá conta que Portugal foi dos países comunitários que melhor se comportou, isto é, que mais frota abateu.
É um quadro devastador que pode vir a acentuar-se se entretanto não forem defendidos devidamente os interesses nacionais no quadro das negociações que decorrem na UE em relação à Política Comum de Pescas para um horizonte de quatro anos a partir do ano de 2002.


Defesa dos interesses nacionais

Para cumprir esse objectivo é de fundamental importância que em tais negociações se preserve a nossa zona das 12 milhas (mar territorial) para uso exclusivo da frota nacional como igualmente fique defendido que a zona adjacente das 12 às 20 milhas náuticas fique consagrada para utilização preferencial da frota nacional.
De facto é na zona das 12 milhas que o nosso País tem os principais recursos, sendo nesta área que se capturam mais de 80% da produção actual e se ocupa 60% da mão-de-obra. Por aqui se percebe quanto de essencial é a sua defesa como reserva estratégica do País.
O problema coloca-se pela existência de uma linha na política comunitária de pescas que claramente visa a completa comunitarização de todas as águas e recursos o que, a vingar, abriria a exploração intensiva dos nossos principais recursos a frotas de outros países e designadamente da frota espanhola.
Num outro plano exige-se que o Governo português assuma uma outra postura nas negociações para a distribuição das quotas de pesca em águas exteriores à Comunidade, garantindo valores de distribuição que permitam que a nossa ainda importante frota industrial longínqua possa continuar a operar. No mesmo sentido, exige-se igualmente do Governo português a abertura de negociações visando a utilização pela frota portuguesa de quotas distribuídas e não utilizadas por outros países comunitários.
O problema da manutenção e gestão dos recursos pesqueiros é hoje uma questão que tem vindo a assumir importância crescente. Por excesso de capturas ou por problemas criados por alterações ambientais. Em nome da sua defesa tem sido erguida uma política comunitária assente em restrições e condicionamentos ao exercício da pesca. Nem sempre tais medidas têm tido o suporte científico devido.
Sendo um problema crucial, importaria então que o Governo português investisse mais meios financeiros, técnicos, humanos, destinados à investigação realizando-a em estreita articulação com o sector produtivo. No entanto o que se tem assistido é a uma postura inversa, com a consagração no Orçamento do Estado de verbas sucessivamente inferiores para esta área, o que também tem contribuído para enfraquecer a nossa posição negocial no quadro da UE. Também neste plano há que inverter o sentido das políticas até aqui praticadas.


Situação social

Por último, uma nota sobre a situação social do sector. Para além dos inúmeros postos de trabalho perdidos (mais de 9.000 no período em referência), a perda de rendimentos na pesca tem vindo a afastar camadas mais jovens do seu exercício, ao ponto de hoje múltiplas tripulações serem constituídas por trabalhadores reformados. É uma situação insustentável.
Neste plano cabe referir os recuos verificados no Grupo Parlamentar do PS que, cedendo às pressões dos Armadores, permitiu desvirtuar a consagração em lei de direitos sociais tal como o PCP propunha no Projecto de Lei que apresentou mais de uma vez na Assembleia da República, de forma a equiparar os pescadores aos restantes trabalhadores.
É neste mar revolto que navega com dificuldades diversas o sector pesqueiro nacional. A garantia do seu futuro está indissoluvelmente associada à execução de políticas que no plano nacional apoiem, incentivem, a modernização da frota, a defesa dos recursos e a sua melhor prospecção, bem como a melhoria dos rendimentos e condições de trabalho aos seus trabalhadores. Políticas conjugadas com uma postura na UE que consagre a defesa do exercício exclusivo da nossa frota na zona das 12 milhas.




«O Militante» Nº 234 - Maio / Junho - 1998