O papel dos comunistas nas lutas dos trabalhadores

O exemplo dos Cabos Ávila




José Brita
Trabalhador dos Cabos Ávila e Coordenador do Sindicato das Indúsrias Eléctricas do Sul e Ilhas


Os trabalhadores dos Cabos Ávila continuam em luta pela viabilização da empresa e pela manutenção dos postos de trabalho. O futuro da fábrica é problemático. O seu passado, porém, tem ensinamentos que apontam para o facto da influência dos trabalhadores comunistas ter contribuído, decisivamente, não só para a dignificação do trabalho mas também para que a empresa não soçobrasse poucos anos após a revolução dos cravos ou, mais recentemente, em 1995.


Lutas durante o fascismo

Desde a década de 60 que os comunistas assumiram papel determinante na defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores dos Cabos Ávila. Em 1969 foi levada a cabo uma greve de braços caídos junto às máquinas, que durou três dias. Destinou-se a lutar por aumentos de salários (15 tostões por hora para as mulheres e 25 tostões para os homens) e contra despedimentos.
A fábrica foi ocupada pela GNR e pela PIDE/DGS, com a consequente repressão sobre a generalidade dos trabalhadores e com a prisão dos principais organizadores. Foram também despedidos 200 trabalhadores alentejanos, pois foram eles os principais dinamizadores da greve, na qual a organização do Partido (então na clandestinidade) teve papel preponderante. Entre outros, os camaradas Miguel e Caeiro tiveram actuação destacada.
Numa tentativa de desarticular a greve, os patrões começaram por aumentar apenas as mulheres, pensando que, assim, as retiravam da luta. No entanto, elas continuaram em greve até à satisfação completa das reivindicações.
Uma nova greve, realizada no dia 1º de Maio de 1971, de novo liderada pelos trabalhadores comunistas, foi fundamental para cimentar a nossa unidade, a consciência da nossa força colectiva e a capacidade organizativa, o que nos levou a lutarmos por uma convenção colectiva de trabalho específica, um Acordo de Empresa, conseguido nesse mesmo ano, contemplando, para além de melhores salários, direitos sociais acima da média.


Após o 25 de Abril

Logo após o 25 de Abril, os trabalhadores comunistas dos Cabos Ávila distribuíram um manifesto de apoio à revolução, apelando à paralisação e à comemoração do derrube do fascismo. Nos dias seguintes, os trabalhadores elegeram a Comissão de Trabalhadores (CT) e os Delegados Sindicais. A escolha recaiu em trabalhadores comunistas, porque foram sempre esses homens e mulheres que se destacaram na defesa dos interesses dos trabalhadores e que estiveram à frente das lutas desenvolvidas. De então para cá, essa relação de confiança mútua manteve-se, forjada e retemperada na luta contra a exploração, contra a repressão e em defesa dos postos de trabalho e da continuidade da empresa.
Com efeito, a necessidade dos trabalhadores dos Cabos Ávila fazerem valer os seus direitos e defenderem os seus interesses não cessou com o 25 de Abril. Na segunda metade dos anos 70 e princípios dos anos 80, a gestão da empresa foi marcada por extremo reaccionarismo, que se exprimiu por um ambiente profundamente antilaboral e de repressão sistemática. Este ambiente era influenciado por Teresa de Ávila, gestora que actualmente se encontra no centro da polémica. Os Cabos Ávila eram então conhecidos como o “campo de concentração”. Na altura, chegaram a ter uma autêntica polícia privada dentro da empresa, que atingiu cerca de 80 elementos, e as lutas contra as arbitrariedades e ilegalidades da gerência sucederam-se.
Para além destas inúmeras lutas, algumas iniciadas com paralisações espontâneas pela readmissão de camaradas arbitrariamente despedidos, em meados dos anos 80 verificou-se um embate decisivo. Ocorreu em defesa do Acordo de Empresa, que a gerência pretendia pura e simplesmente abolir, conluiada com um pseudo-sindicato paralelo da UGT.
Após 17 dias consecutivos de greve, os trabalhadores não só mativeram todos os direitos consagrados no Acordo de Empresa como, na sequência da unidade e determinação demonstradas, levaram a gerência a rever a sua sistemática postura de confronto, verificando-se, a partir de então, uma distensão nas relações laborais. Escusado será dizer que o pseudo-sindicato da UGT acabou por sair totalmente descredibilizado e, pura e simplesmente, desapareceu de cena.
Foi de luta em luta, conduzida pelo Sindicato das Indústrias Eléctricas do Sul e Ilhas, pelos delegados sindicais e pela CT, com os comunistas na primeira linha, que os trabalhadores conseguiram, em 1995, que a empresa não fosse declarada falida, como era propósito do Governo Cavaco Silva/PSD, sendo então demonstrada a sua viabilidade e aprovado um plano de reestruturação financeira, no Tribunal.


A situação actual

O regresso de Teresa de Ávila à gerência da empresa, em Janeiro de 1996 (de onde havia sido afastada, alguns anos antes, pelos familiares com interesses na empresa), inverteu a tendência de recuperação da fábrica. A partir daí, e particularmente em 1997, a situação degradou-se até chegar à ruptura financeira e à impossibilidade de laboração, por falta de matéria-prima.
Os trabalhadores e as suas organizações representativas tentaram, por todas as formas, chamar a gerência à realidade, sem resultados. Em Dezembro do ano passado, passou-se de uma situação de pagamento dos salários com atraso e aos bochechos para o não pagamento puro e simples de qualquer importância, situação agravada pelo abandono da empresa pela gerente Teresa de Ávila.
A luta entretanto desenvolvida pelos trabalhadores, em defesa dos postos de trabalho e pela viabilização da empresa, é conhecida. Ela continua, para que o Governo, que é o maior credor da empresa, com créditos superiores a cinco milhões de contos, intervenha, de molde a que a fábrica possa ser relançada e, assim, se evitem os prejuízos e os custos sociais que de outra forma serão inevitáveis.
O futuro dos Cabos Ávila é problemático e depende, em grande medida, do Governo, o que, convenhamos, não é motivo de tranquilidade. No entanto, do que depender dos seus trabalhadores, e designadamente do esforço dos comunistas, esse futuro só pode ser a viabilização da fábrica e a manutenção dos postos de trabalho. Aliás, se não fosse o sentido de responsabilidade e a luta sempre ponderada e esclarecida dos seus trabalhadores, a empresa já há muito teria desaparecido, devorada pelas contradições dos interesses familiares em jogo, ao nível da gerência, e pela evidente inadaptação da figura mais carismática dos seus herdeiros-gestores, Teresa de Ávila, às mais elementares regras da democracia, às normas laborais vigentes e aos direitos sindicais e mesmo humanos dos trabalhadores, mesmo daqueles que laborando na empresa são seus familiares próximos e também herdeiros com interesses na fábrica.

O caso dos Cabos Ávila é simultaneamente igual e diferente a muitos outros verificados em Portugal, após a revolução do 25 de Abril. casos que remetem para um patronato profundamente reaccionário, sem capacidade de adaptação ao jogo democrático e dramaticamente fixado na obsessão de cristalizar no tempo as relações laborais no interior das suas empresas, sobrepondo esse objectivo a todos os outros, mesmo às necessidades mais correntes e óbvias em termos de gestão equilibrada. A consolidação da democracia resolveu, de uma forma ou de outra, esses casos. Os Cabos Ávila subsistiram contra-natura, digamos assim, porque os seus trabalhadores desenvolveram, desde antes do 25 de Abril, uma forte consciência de classe e um elevado sentido de responsabilidade, onde o Partido e o movimento sindical unitário desempenharam um importante papel. Se assim não fosse, os Cabos Ávila não teriam resistido às vicissitudes que cilindraram, nos anos 70 e princípios de 80, centenas e centenas de empresas sofrendo do mesmo estigma.
Valeu e vale sempre a pena lutar.






«O Militante» Nº 234 - Maio / Junho - 1998