Uma pseudo-esquerda - 1
«Sob o patrocínio de Mário Soares. Ofensiva
ideológica da esquerda começou às 19h30, no Altis». São
estes o ante-título e o título de um artigo do Público
(18/12/97).
É natural o espanto, da parte de quem se considera
verdadeiramente da esquerda que possa haver uma ofensiva de
esquerda patrocinada por quem, quando foi primeiro-ministro - e
não foi poucas vezes nem durante pouco tempo -, defendeu e
dirigiu sempre uma política de direita autêntica, algumas vezes
em governos de coligação com partidos que se considera
situarem-se à sua direita (considera-se porque é difícil
definir bem quem deseja e pratica política mais à direita),
lutou incansavelmente contra tudo o que cheirasse a socialismo e
foi um dos mais importantes patrocinadores da
contra-revolução, da destruição das conquistas de Abril,
cujas consequências estamos a viver situando-nos, nos mais
diversos índices de desenvolvimento, no último lugar da chamada
União Europeia.
Entretanto, com a utilização de citações diversas, o artigo
empola tanto quanto pode o lançamento de um livro intitulado:
O que é governar à esquerda?.
Aproveita para citar o que Guterres pensa da esquerda e
classifica este pensamento de filosófico.
«É lutar pelo protagonismo português na
construção de uma nova arquitectura mundial que elimine o
salve-se quem puder e o cada um por si.
É ter uma profunda consciência social. É fazer da
educação e formação uma prioridade da acção
governativa. Não é alinhar na visão arcaica
de esquerda que defende a propriedade (pelo Estado) da
banca e das grandes empresas. É, também, lutar pela
redução do défice e da inflação.»
Um conjunto de palavras que pode colocar na esquerda qualquer
pessoa por mais da direita que seja. Quem é que, nos tempos de
hoje, nega ter uma profunda consciência social? Ninguém, mesmo
aqueles que exploram ao máximo os seus
trabalhadores, mesmo aqueles que estão impondo em todos os
países que podem políticas neoliberais, profundamente
anti-sociais, quer se intitulem trabalhistas, ou
socialdemocratas, ou socialistas, como Tony Blair, ou Guterres,
etc..
São essas políticas que colocam o Estado ao serviço do poder
económico, ao serviço dos magnates, ao serviço das grandes
empresas multinacionais e transnacionais. É o neoliberalismo que
considera arcaico que o Estado tenha poder sobre os bancos e as
grandes empresas estratégicas de qualquer país.
Depois, no artigo, cita-se Sérgio Sousa Pinto, líder
da JS.
«Os socialistas são agora, com a derrocada da utopia
comunista, cada vez mais os depositários únicos da
aspiração humanista a uma nova ordem económica, social e
ecológica em que imperem a Justiça e a Razão.»
Este jovem socialista até mata a utopia comunista. Não é
possível, nunca o foi. E, depois, admira-se que dois membros do
PCP (Luís Sá e Rúben de Carvalho) tenham recusado colaborar no
tal livro. É capaz de nem perceber... Mas perceberá que um dos
colaboradores do livro tenha sido Francisco Pinto Balsemão. É
natural que o seu pensamento de esquerda caiba
perfeitamente na definição filosófica expressada
por Guterres.