Dia Internacional da Mulher




Fernanda Mateus
Membro da Comissão Política


Passaram 88 anos desde que Clara Zetkin propôs o 8 de Março, como o Dia Internacional da Mulher. Foram as duras condições de vida e de trabalho das operárias têxteis no final do século XIX que inspiraram a consagração deste dia, simbolizada pelas operárias de Nova Iorque que, em 1857, se rebelaram e exigiram “redução da jornada de trabalho, por oficinas claras e sãs para trabalhar, salários iguais ao dos alfaiates”.
De ano para ano, esta data passou a ser assinalada em todo o mundo dando eco e estímulo à luta das mulheres e dos povos em cada país por direitos políticos, económicos, sociais e culturais. Em Portugal responde-se positivamente a este apelo apesar de todas as proibições que o fascismo impôs. Chegam-nos até aos dias de hoje numerosos registos de muitas lutas e acções de índole diversa que ocorreram no 8 de Março por melhores condições de trabalho e de salário, contra a guerra colonial, contra o fascismo.


Comemorações depois do 25 de Abril

Há 23 anos que decorrem em Portugal as comemorações do 8 de Março em liberdade e democracia, constituindo parte indissociável da democracia, direito à igualdade de oportunidades entre mulheres e homens em todas as esferas da vida nacional.
Mas, neste final do século XX, as razões que inspiraram a comemoração deste dia continuam a ter actualidade: a exploração da mão-de-obra, os baixos salários, a precaridade e o desemprego são, nos dias de hoje, graves flagelos que afectam ainda mais as mulheres e as jovens gerações; perduram discriminações em função do sexo em vários domínios da sociedade. O 8 de Março deve continuar a constituir um dia de luta e de acção das mulheres.
Passados 88 anos da consagração do Dia Internacional da Mulher é patente que não tem bastado a existência de leis que consagram a igualdade, para que os governos as façam cumprir. Não bastam discursos políticos pela igualdade, quando as práticas políticas os contrariam diariamente penalizando duramente as mulheres que desejam afirmar direitos e capacidades. Em muitas partes do Mundo, às mulheres continua a ser negado os mais elementares direitos.
Ainda presente na nossa memória está a manifestação de mulheres realizada o ano passado por iniciativa do MDM e da CGTP-IN e à qual aderiram diversas organizações de mulheres e de juventude.
Em Março de 1998, num ambiente de festa e de convívio, as mulheres portuguesas e o movimento feminino não deixarão de formular ao poder político as reivindicações prioritárias para a concretização da igualdade de direitos e de oportunidades: o cumprimento do direito ao trabalho, com direitos; a promoção da qualidade de vida e elevação do poder de compra; a efectiva redução do horário de trabalho para as 40 horas; a diminuição da idade da reforma das mulheres para os 62 anos; o respeito pela função social da maternidade-paternidade que impeça a discriminação da trabalhadora-mãe; a generalização do planeamento familiar gratuito, a educação sexual e a adopção de medidas legislativas que ponham fim ao flagelo do aborto clandestino.


Aborto - que a Assembleia cumpra o que decidiu

No limiar do século XXI, o aborto clandestino é um grave problema de saúde pública, um cruel atentado aos direitos das mulheres. As mulheres sempre fizeram abortos, quando não têm alternativas, mesmo nas piores circunstâncias e correndo o risco de morte, de prisão ou de ficarem com sequelas físicas e psíquicas.
No plano internacional é reconhecido que o aborto praticado em condições pouco seguras é um risco para a saúde pública. É reconhecido o direito das mulheres à saúde reprodutiva e sexual, com direito à informação e aos meios que permitam determinar o número e o momento do nascimento dos filhos.
Consciente que estas questões são particularmente importantes para as mulheres e para os casais, o PCP tem desencadeado iniciativas legislativas que permitiram, designadamente, a aprovação, em 1984, de leis que consagram a maternidade-paternidade, como função social e a implementação de Planeamento Familiar, com a gratuitidade dos métodos contraceptivos.
Igualmente, desde 1982, que o PCP tem apresentado propostas que visam a despenalização do aborto e permitir o seu recurso em serviço hospitalar, a pedido da mulher até às 12 semanas. Por nove votos, a Assembleia da República (A.R.) desperdiçou de novo a oportunidade de aprovar o projecto-lei do PCP, em Fevereiro de 1997.
Um ano depois da iniciativa do PCP na A.R, o PS decidiu agendar para 4 de Fevereiro a discussão e votação de projectos-lei relativos a esta problemática. O PCP criticou a forma apressada como foi agendado este debate - doze dias depois da entrega na A.R. do projecto-lei do PS, cujo conteúdo sofreu substanciais alterações relativamente a soluções legislativas anteriormente propostas pela JS - sem dar espaço à dinamização do movimento de opinião em torno dos projectos em discussão.
O projecto do PS sobre a IVG (Interrupção Voluntária da Gravidez), conhecido como o projecto da JS, foi votado favoravelmente, contando com 116 votos de deputados socialistas, comunistas, ecologistas e três deputados do PSD.
O Projecto-Lei do PS/JS sobre o aborto, aprovado a 4 de Fevereiro, prevê que não seja punível a interrupção voluntária da gravidez a pedido da mulher, após uma consulta num Centro de Aconselhamento Familiar, nas primeiras 10 semanas de gravidez, para preservação da sua integridade moral, dignidade social ou maternidade consciente.
O PCP decidiu votar favoravelmente o projecto do PS possibilitando assim a sua aprovação, apesar das dúvidas que o PCP levantou no decorrer do debate quanto à eficácia de algumas soluções apresentadas, reservando-se o direito de avançar com propostas concretas no debate na especialidade. Destacam-se os recuos nos prazos propostos (passou de 12 para 10 semanas), a obrigatoriedade de passagem pelos Centros de Aconselhamento Familiar, que podem constituir um travão à liberdade de opção da mulher. A previsão de criação de apenas um centro por distrito poderá invialibilizar a IVG nos prazos propostos.
O PCP propunha que deixe de ser ilegal e punível o recurso ao aborto e que passe a ser legalmente permitido nos serviços hospitalares quando realizado nas primeiras doze semanas a pedido da mulher por razões económicas e sociais.
O Projecto-Lei do PCP (entregue na Assembleia da República em Outubro de 1997) contou com 107 votos a favor, mais oito votos que os obtidos na sessão plenária anterior. Foi derrotado por três votos, estando assim impossibilitado de ser discutido na especialidade, com o projecto do PS, permitindo uma versão final da lei com as melhores soluções legislativas.
A proposta do PP que pretendia a consagração de personalidade jurídica ao embrião recolheu 14 votos favoráveis e 188 votos contra. Tratou-se de uma das mais descaradas tentativas de colocar as leis do Estado ao serviço da imposição a toda a sociedade das concepções de apenas alguns.
O PSD, que apresentou uma proposta de referendo prévio sobre o aborto, (que tinha estado “congelado” desde Fevereiro de 1997), decidiu retirá-la momentos antes da votação.
O calendário previamente definido estabelecia, a partir desta votação os seguintes momentos: a discussão na especialidade do Projecto-Lei, agora aprovado na Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias e a sua votação final na sessão plenária da A.R. a 19 de Fevereiro.
Passadas 24 horas deste debate na Assembleia da República, o Partido Socialista decidiu ceder às pressões do PSD e de Marcelo Rebelo de Sousa em matéria de referendo, pondo em causa os compromissos e expectativas que criou durante meses e que culminou com o debate de 4 de Fevereiro.
O Partido Socialista, mais uma vez, à margem da A.R. decide congelar o processo legislativo por ela decidido, quando votou favoravelmente uma lei de despenalização do aborto em prazos e circunstâncias definidos. O PS dá, assim, o dito por não dito e manifesta uma enorme falta de ética e de coerência que empobrece a democracia.
O PS dá, assim, cobertura à posição demagógica do PSD que pactuou ao longo dos anos com a realidade do aborto clandestino, sem nunca propor o recurso ao referendo. Porque manteve congelada a sua proposta de referendo, quando em Fevereiro de 1997 foram derrotados os projectos de despenalização da IVG, em prazos e circunstâncias definidas? Porquê a bandeira do referendo só serve para obstaculizar alterações ao quadro legal actual que continua a criminalizar as mulheres que recorrem ao aborto por razões económicas e sociais? O PS dá cobertura à manobra do PSD que visa congelar o processo legislativo iniciado a 4 de Fevereiro, obstaculizando a aprovação final e implementação de uma lei que, não obrigando nenhuma mulher a abortar, permita que, quem o tenha que fazer, o faça em condições de segurança e de acompanhamento médico.
Como é afirmado na carta da Organização das Mulheres Comunistas dirigida a várias organizações e entidades é necessário demonstrar indignação e oposição a esta manobra e exigir o empenhamento da Assembleia da República no cumprimento previsto para a entrada em vigor da lei. A Assembleia da República decidiu: é para cumprir.


«O Militante» Nº 233 - Março / Abril - 1998