As eleições autárquicas nos Açores




José Decq Mota
Membro do Comité Central e Coordenador da DORAA


1. Em termos gerais, pode dizer-se que as eleições autárquicas na Região Autónoma dos Açores constituíram um processo complexo que, em última análise, pôs em evidência alguns dos aspectos mais contraditórios da complicada situação política específica desta Região.
De facto, alguns esperariam que, depois das alterações eleitoriais profundas que sucederam nas eleições regionais de 96 e que permitiram o acesso do PS ao poder regional, estas autárquicas de 97 viessem a ser a “confirmação” eleitoral desse sentido de voto diferente. Como se sabe, não sucedeu assim e o que vimos foi um PSD, embora enfraquecido e dividido com a derrota de 96, manter 14 das 19 Câmaras Municipais, tendo apenas perdido uma das que anteriormente detinha (Angra do Heroísmo).
Por outro lado, muitos outros esperariam que o novo poder regional e o seu partido tivessem, no exercício do poder, uma postura respeitadora do princípio da imparcialidade em período eleitoral. A realidade porém é que, mesmo sem resultados globais correspondentes, o poder regional do PS assumiu um tipo de comportamento eleitoralista totalmente inaceitável.
A conjugação destas duas situações (vitória do PSD, obtida num quadro de uma prática eleitoralista desenfreada do PS) traz ao de cima uma das questões mais importantes da actual situação regional, que reside no facto do PSD (partido derrotado em 96) manter ainda hoje uma influência social que contraria até as divisões que se notam no seu grupo dirigente.
O poder regional do PS, mantendo o mesmo estilo autoritário e não promovendo novas políticas, tem contribuído para a manutenção desta contraditória e perigosa situação.
Persistindo em não se virar para o interesse concreto das populações, insistindo na triste “teoria” de que têm o “direito” de agir como o PSD agia, preferindo, sempre e sempre, fazer concessões à direita, assumindo, como dogmas sagrados, as orientações extremadas do neoliberalismo económico, especialmente inadequadas neste espaço insular, fragmentado e distante, o PS está, de facto, a ajudar a criar as condições que poderão vir a inviabilizar uma evolução democrática segura do funcionamento do Sistema Autonómico.
As autárquicas de 97 foram, neste sentido, um aviso inequívoco e muito claro.

2. Entretanto, para além das questões gerais, as autárquicas 97, na sua peparação e mesmo nos seus resultados, incluem algumas diferenças importantes em relação a eleições anteriores, que demonstram certos aspectos concretos e certas possibilidades novas de evolução da situação política específica da Região.
O maior número de candidaturas mais fortes da CDU foi, indubitavelmente, um dado novo neste processo eleitoral, situação essa, entretanto, que coexistiu com muitas dificuldades em apresentar lista ou realizar trabalho profundo em muitos concelhos.
Não obstante a persistência dessas dificuldades pode concluir-se que, no quadro actual, a tendência que se afirmou, em vários concelhos, foi contrária à bipolarização uniforme que tende a procurar reduzir a luta eleitoral a dois partidos.
A afirmação da CDU como força presente, não em uma mas agora em três Câmaras, os resultados superiores a 20% não em um mas em três concelhos, a possibilidade de eleger um representante na Assembleia Municipal de Ponta Delgada, sem ser em coligação com o PS como aconteceu em 92, são, de entre outros, aspectos que mostram ser possível, apesar de ser muito difícil, combater com sucesso a bipolarização.
Para a CDU/Açores esta foi, com toda a certeza, a principal lição a retirar destas eleições.

3. Os resultados eleitorais globais demonstram que esta perpectiva contrária à bipolarização tem progredido e pode continuar a progredir. Por seu turno, esta perspectiva dá um sentido objectivo concreto aos aspectos eleitorais da luta política em que estamos envolvidos.
Onde a CDU se conseguiu afirmar como força com quadros locais e projecto local, abriu-se caminho a uma clara renovação de listas e consequente reforço eleitoral da CDU.
Repare-se, entretanto, que a generalidade dos programas e propostas da CDU, em todos os concelhos, assentam nos mesmos princípios da participação, do conhecimento, do rigor que se procura estejam presentes no trabalho local da CDU.
Não houve, em nenhum caso, cedências nos princípios e nos programas com vista a obterem-se listas diferentes e potencialmente com maior capacidade de atracção de votos.
Nos três concelhos em que a CDU elegeu vereadores (Santa Cruz das Flores, Horta e Lajes das Flores), em dois deles (Santa Cruz e Horta) as listas para a Câmara foram encabeçadas por dirigentes do Partido e foram (puderam ser) construídas com uma perspectiva de alargamento e renovação muito grandes.
No outro caso (Lajes das Flores) a CDU aceitou candidatar em primeiro lugar, como independente, o anterior Presidente da Câmara, eleito em 93, como independente, pelo PSD.
O facto do grupo da CDU na respectiva Assembleia Municipal nunca ter votado contra nenhum Plano de Actividades desse anterior Presidente, era demonstrativo de que, localmente, as divergências entre a CDU e o então Presidente da Câmara não eram divergências de fundo.
Poderá dizer-se que estas três candidaturas da CDU, objectivamente mais fortes, não tiveram sucesso uma vez que apresentando projectos de alternativa, inovação ou renovação não lograram vencer. Sendo essa uma análise possível, não se pode, entretanto, deixar de a considerar como muito redutora face às realidades concretas existentes na Região.
Os três casos considerados têm em comum o facto de terem levado a que as votações para as Câmaras respectivas se tivessem situado acima dos 20% e tivessem levado a uma divisão dos eleitos nas Câmaras por três partidos e não por dois.
São, no entanto, casos em si mesmo diferentes.
Na ilha das Flores a CDU tem desde 1976, maior força e maior representação do que no resto do Arquipélago e, desde 1988, no plano regional, é uma das forças que elege deputado regional (dos três em disputa).
Em 1996, a CDU ganhou mesmo o círculo eleitoral regional constituído por aquela ilha, tendo ficado a cerca de 70 votos de eleger o 2º deputado.
A pretensão de vencer nos municípios das Flores teve, pois, fundamento na real implantação política que a CDU e o PCP têm na ilha. Aconteceu, entretanto, que os resultados de 96 (regionais) não se transferiram para as autárquicas de 97, embora, globalmente, os resultados das autárquicas sejam os melhores conseguidos até hoje naquela ilha para este nível de poder.
Na ilha do Faial a situação tem diferenças apreciáveis.
Naquela ilha a CDU e o PCP gozam, desde há anos, de uma implantação urbana que é importante e que motiva uma expressão eleitoral na Horta em geral acima da média regional. Em termos rurais a expressão eleitoral foi sempre muito pequena.
No conjunto da ilha a CDU tem rondado nos últimos actos eleitorais (regionais e autárquicos
93) os 5% e agora obteve para a Câmara 22,3%.
A expressão eleitoral nas freguesias que constituem a cidade da Horta andou perto dos 30%, sendo a CDU a segunda força e nas treze freguesias rurais aproximou-se dos 20%.
A apreciação destas duas situações (Flores e Faial) permite algumas conclusões:

a) É possível, embora difícil, manter elevados níveis de influência anteriormente obtidos (caso das Flores) e generalizar progressivamente essa influência aos vários e diferentes actos eleitorais.
Repare-se que as candidaturas mais atacadas naquela ilha foram as candidaturas da CDU e repare-se também que o quase desaparecimento eleitoral do PS no concelho de Santa Cruz se traduziu num inesperado e por nós não previsto aumento, ou ressurgimento, do PP nesse concelho.
Repare-se, também, que em Santa Cruz a CDU reafirma o resultado de 93.
Quanto às Lajes a CDU sobe muito, elege um vereador mas fica longe de ganhar a Câmara.
De qualquer modo hoje a CDU nas Flores é, para além de uma grande força regional, que já elegeu um deputado para 3 mandatos sucessivos, uma força autárquica maior do que antes e mais homogénea em toda a ilha.

b) É possível, embora difícil, romper-se com situações de expressão eleitoral pequena e muito pequena e “dar o salto” para uma expressão que permite outro tipo de representatividade (caso do Faial).
Em boa verdade, o fenómeno já tinha acontecido nas Flores em 88 quando nas regionais obtivemos 30%, tendo como ponto de partida os cerca de 10% obtidos 4 anos antes.
A CDU apresentou como primeiro candidato no Faial o Coordenador do PCP/Açores e conseguiu associar a essa candidatura um largo movimento, que teve como principal consequência uma muito ampla renovação das listas municipais, renovação essa que se traduziu num claro reforço do conjunto da CDU (reforço esse que teve confirmação nas urnas).
Não houve, naturalmente, nem apagamento humano nem apagamento político do PCP na candidatura da CDU no Faial. Houve realmente uma aliança política local, muito mais ampla do que foi possível antes, entre o PCP e outros cidadãos.
A candidatura da CDU, apresentando-se como alternativa a uma má gestão do PS, quadriplicou de votos, para a Câmara, indo angariar apoios e votos em todas as outras áreas.
A candidatura da CDU no Faial, hoje constituída em Grupo de Apoio aos Eleitos da CDU no Faial, deu ao conjunto da CDU e ao PCP uma possibilidade de intervenção nessa ilha que até então não tinha existido.

c) É possível, embora difícil, encontrarem-se, no quadro das especificidades da vida política regional, vias de actuação e intervenção que, em última análise, visam, procuram e contribuem para o reforço do Partido como força de transformação da sociedade.

4. A última conclusão apontada levanta, ela própria, toda uma outra temática, que será apenas aflorada dada a falta de espaço.
De facto, para que se tenha conseguido trabalhar no sentido de se aproveitarem as condições favoráveis que se colocavam nos três casos referidos e em mais uma ou outra situação, foi necessário tomar, no plano da direcção, medidas que não favoreceram a evolução do trabalho naqueles outros casos onde a implantação, expressão e intervenção são pequenas e assim se mantiveram.
O aproveitamento de todos os casos com maior perspectiva determinou que os principais dirigentes do Partido na Região tivessem tarefas eleitorais como candidatos; o facto do número de quadros de direcção ser pequeno determinou que muitas tarefas de apoio às ilhas e concelhos mais isolados, habitualmente realizadas pelos quadros mais conhecidos, agora a encabeçar candidaturas, não tivessem tido um desenvolvimento tão intenso; a natureza e as exigências técnicas e propagandísticas que as campanhas mais fortes colocaram, enfraqueceram a campanha geral, por carência de meios; a própria Direcção Regional e especialmente o seu Secretariado, ao ver-se confrontado pela primeira vez (salvo o caso das Flores) com situações tão diversas, dispondo à partida dos mesmos meios, não teve facilidade em lidar com uma situação tão nova.
Uma coisa porém é bem certa: ao ter conseguido, claramente em três concelhos e mais esbatidamente noutro, combater a bipolarização, a CDU/Açores projectou-se regionalmente e reforçou, de forma global, a sua capacidade de intervenção.
A atempada discussão colectiva, na Região e no âmbito nacional, pode, entretanto, atenuar ou mesmo contornar limitações excessivas e penalizadoras que a existência de situações tão diversas num mesmo espaço tendem a gerar.
A abertura à sociedade, que algumas das candidaturas açorianas da CDU revelou, mostrou-se, entretanto, sem sombra de dúvida muito positiva e geradora, estamos certos, do reforço do Partido na Região.


«O Militante» Nº 233 - Março / Abril - 1998