Existe uma alternativa à política actual




Foi em 1976 com o primeiro Governo PS, dirigido por Mário Soares, que se instalou, no Portugal de Abril, uma política de direita, voltada para a recuperação capitalista, para a restauração do capitalismo monopolista de Estado e, por isso, necessariamente, para a destruição das grandes conquistas da revolução.
Os sucessivos governos prosseguiram sempre uma política de direita. A evolução da repartição do Rendimento Nacional mede bem, até quantitativamente, quem beneficiou com essa política e a quem foram retirados os direitos que tinham, com grande esforço, sido conseguidos. A parte do Rendimento Nacional que vai para o mundo do trabalho é actualmente ainda menor do que no tempo do fascismo. A liberdade e a democracia conquistadas foram sofrendo limitações crescentes. O poder económico foi passando a subordinar o poder político. A comunicação social foi sendo absorvida pelos magnates e ganhou um poder muito grande. As eleições estão já profundamente inquinadas por estes poderes, cada vez mais sujeitos ao económico.

Instalou-se assim, no nosso País, um sistema em que dois partidos, o PS e o PSD (um dito socialista e o outro dito social-democrata), em conjunto ou fingindo degladiarem-se, com o apoio (claro ou às escondidas) do CDS/PP (agora dito popular) procuram servir o grande capital e servirem-se, porque a clientela é numerosa.
É uma solução “ideal”, até permite a alternância, ficando tudo, no essencial, na mesma. Mas, como há sempre que “melhorar”, trabalha-se para que a lei eleitoral crie círculos uninominais para que a tendência para escolher um dos dois principais partidos seja ainda mais forte.
Nas últimas eleições legislativas, muitos eleitores, descontentes com a política neoliberal de Cavaco Silva, abandonaram o PSD e deram a vitória ao PS. O PCP procurou avisar que o PS iria, como tinha feito antes, continuar com uma semelhante política de direita. Os nossos esforços de esclarecimento não tiveram grande sucesso. Mas a vida vai continuando a mostrar que a nossa apreciação era correcta. É difícil hoje encontrar analista ou comentarista que não diga que a política levada a cabo pelo Governo do PS é, no fundamental, idêntica à do Governo do PSD. Mas há muitos portugueses que ainda pensam que houve qualquer mudança significativa.

Continua a ser necessário explicar que a orientação de Guterres não se diferencia, nos aspectos essenciais, da de Cavaco. É a mesma política neoliberal e de sujeição aos critérios de Maastricht, consubstanciada no favorecimento dos interesses dos investidores contra os interesses dos trabalhadores, na privatização do sector público, na limitação crescente dos apoios sociais, no endeusamento do mercado, na verdadeira redução do emprego, na crise que alastra na nossa agricultura, na pesca e na própria indústria, na submissão cada vez maior em relação aos ditames dos países mais poderosos e das grandes transnacionais.
Os números que o Governo apresenta sobre a diminuição do desemprego escondem a verdadeira realidade porque contam como empregados dezenas de milhares de trabalhadores que perderam o emprego e aparecem agora como trabalhando na agricultura, a que se socorreram para tentarem sobreviver.
Também os novos preços da electricidade, telefones, transportes, portagens e outros bens e serviços essenciais - alguns dos quais eram já os mais caros da União Europeia - vão aumentar ainda mais e ultrapassam muito a inflação de que Guterres fala para tentar impor o “tecto” salarial de 2%. Sempre se disse que a privatização das empresas conduziria ao aumento dos preços dos seus produtos ou serviços e não é a grandeza, a profusão e a despesa dos anúncios na comunicação social que vão impedir que a verdade se torne conhecida.
O recente "negócio" entre o PS e o PSD para um referendo sobre o aborto e outras questões que lhes interessam resolver é mais um exemplo do desrespeito pelos órgãos de soberania e por uma democracia com alguma transparência.

Não é só necessário insistir e tornar cada vez mais claro que a política do PS é semelhante à do PSD e que qualquer delas não está voltada nem vocacionada para a resolução dos grandes problemas nacionais.
É necessário explicar e mostrar que os portugueses não estão condenados a suportar sempre uma política de direita, uma política dominada pelos interesses do capital.
Há uma alternativa, uma alternativa de esquerda, uma democracia que defenda: 1) um regime de liberdade e um Estado democrático, representativo, participado e moderno; 2) um desenvolvimento económico assente numa economia mista, moderna e dinâmica, ao serviço do povo e do País; 3) uma política social que garanta a melhoria das condições de vida do povo; 4) uma política cultural que assegure o acesso à livre criação e fruição culturais; 5) uma pátria independente e soberana com uma política de paz, amizade e cooperação com todos os povos.

A crescente insatisfação com a política de direita que há vinte e dois anos tem dirigido Portugal tem levado alguns dos seus maiores responsáveis a afirmarem-se de esquerda. Mário Soares, em entrevistas, em discursos, em prefácios, tem-se destacado nessa campanha. Mas, ao mesmo tempo que agora já diz que o neoliberalismo “é um monstro”, afirma também que, hoje, votar à esquerda na Europa é votar em Guterres, em Blair, em Jospin, escondendo que os dois primeiros defendem e praticam o neoliberalismo e, por isso, no recente Congresso do PSF foi afirmado que não haverá um “blairismo” à francesa.
A falta de coerência, de sinceridade, tornam estes “defensores” da esquerda, verdadeiros embustes. Compreende-se que Manuel Vilaverde Cabral, citando Mário Soares, mas também Eduardo Prado Coelho, Pina Moura e outros que tais, diga: “(...) com amigos destes, a esquerda prática, hoje e aqui, não precisa de inimigos” (D.N., 23/1/97).
Outros há que, ante o facto dos comunistas continuarem activos, com uma importante influência no poder local, com críticas e iniciativas que ganham o apoio de muitos portugueses, pensam que “o melhor” é o PCP tornar-se uma espécie de consciência de esquerda do PS ou, também, um apoiante da “ala esquerda” do PS. Uma verdadeira campanha na comunicação social quer, por um lado, reduzir o papel dos comunistas e, por outro, procurar aplicar o adjectivo esquerda ao PS ou pelo menos a uma sua parte.
Muitos portugueses que desejam uma política de esquerda no nosso País votam no PS. E mesmo em outros partidos. Não se pode confundir essa massa de eleitores com aqueles que fazem do PS um partido semelhante, em muitos aspectos, ao PSD, até na existência de uma ampla clientela que está principalmente interessada não em servir o País mas em servir-se... Mas não se avista nenhuma perspectiva do PS abandonar a política que tem seguido, nem de alguns que poderão ter um pensamento de esquerda ganharem qualquer influência significativa naquele partido.

O PCP tem que continuar e ampliar a sua acção de esclarecimento, em todos as áreas, em todos os níveis, em todos os sectores.
Por todo o lado, as organizações do Partido têm de vencer dificuldades e debilidades, quer orgânicas quer de relacionamento com os outros trabalhadores, os vizinhos, os conhecidos, as populações em geral. É preciso acompanhar as modificações que se vão dando na composição social e ter sempre a preocupação de dialogar com toda a gente, cientes da justeza das nossas posições.
O fortalecimento do Partido e o aprofundamento da sua inserção na sociedade portuguesa é condição necessária para melhorar e alargar o esclarecimento sobre a situação no País e as suas causas.

No começo de Março o Partido celebra o seu 77º aniversário. Há que aproveitar essa data para, em muitas organizações, reunir os membros do Partido e os seus simpatizantes e amigos, para os animar, para os mobilizar, para que todos contactem com as outras pessoas e expliquem que há uma outra política, uma política que interessa aos trabalhadores, a todas as camadas laboriosas, aos jovens, às mulheres, aos reformados, a Portugal. Os nossos avanços em muitos concelhos e freguesias, mesmo em regiões ainda muito influenciadas pela direita, por um pensamento e prática reaccionários, são exemplos que devemos analisar e seguir.
Fez 150 anos que foi publicada a primeira edição do Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels. A sua leitura e estudo continua a ser indispensável. As ideias fundamentais que estão na sua base não perderam actualidade. O desenvolvimento do capitalismo mostra claramente que é um sistema de sociedade desumano. Só uma sociedade socialista corresponde ao actual estado da evolução do homem.
A passagem do Dia Internacional da Mulher - 8 de Março - é motivo para se celebrar, de diversas formas, a luta pela sua emancipação.
Em Abril completam-se 24 anos da data querida da grande massa dos portugueses, da Revolução dos cravos, do 25 de Abril. É um aniversário que deverá juntar portugueses com diferentes posições políticas mas unidos na luta contra o que tem praticamente apagado a intensa e brilhante luz que o 25 de Abril abriu.
Já em Maio, no seu primeiro dia, é a grande Jornada dos Trabalhadores, de milhões de explorados no nosso País. É necessário que a comemoração do 1º de Maio constitua um grandioso protesto contra a política de direita que, desde 1976, impera em Portugal, uma política que trata os grandes capitalistas como filhos, como os “amigos”, e os trabalhadores como enteados, como os inimigos.

Existe uma alternativa à política actual, uma política de esquerda. Lutemos por ela.

12 de Fevereiro de 1998


«O Militante» Nº 233 - Março / Abril - 1998