O Sector público forte - componente indispensável
de uma democracia plena




Francisco Lopes
Membro da Comissão Política


1. O sector público criado com a Revolução de Abril, que constituiu um grande impulso democrático e de desenvolvimento, tem sido alvo de uma sanha destruídora conduzida pelo PS, PSD e CDS.
A história do processo de privatizações, das suas consequências para o País, dos programas e compromissos eleitorais e da prática concreta das várias forças políticas, das sucessivas fases, métodos e argumentos, das alterações constitucionais e legislativas, dos escândalos antigos e recentes, do nepotismo e da corrupção, não está feita, mas existem elementos suficientes para afirmar que estamos em presença de um dos mais graves atentados contra os interesses nacionais, na história recente de Portugal.
É toda uma política de classe que tem vindo a concentrar e centralizar aceleradamente o capital, a reconstituir os grupos monopolistas, com crescente penetração e domínio do capital estrangeiro.
Tem sido, e é, um processo que se traduz em elevados prejuízos para o País, com a venda ao desbarato do património do Estado, a apropriação privada de imensos lucros, a redução dos impostos pagos sobre lucros afectando seriamente o Orçamento de Estado, o desperdício de dinheiros públicos em pagamentos a consórcios responsáveis pelas operações de privatização e em custosas operações de propaganda, a redução de investimentos, o condicionamento dos meios para a investigação e desenvolvimento, o agravamento das assimetrias regionais.
Os serviços públicos crescentemente sujeitos à exclusiva lógica do lucro, vêem os seus custos substancialmente agravados e são atingidos na sua qualidade, segurança, acessibilidade e universalidade pondo em causa interesses e direitos das populações.
Os trabalhadores das empresas e sectores privatizados são fortemente atingidos nos seus direitos. Foram extintos muitos milhares de postos de trabalho, precarizados vínculos de trabalho, reduzidos direitos e regalias, promovidas discriminações, limitada a liberdade de organização e acção sindical.
Com a reconstituição dos grupos monopolistas que, articulados com o capital estrangeiro, têm um enorme poder económico em vastos e estratégicos sectores da economia e exercem cada vez mais um efectivo poder político, é a soberania nacional que é posta em causa, é a democracia que fica mais limitada.


2. O sector público e o seu papel constitui um aspecto central clarificador do posicionamento das forças políticas na vida política portuguesa.
Não deixa por isso margem para dúvidas que o PS, que está, na actualidade, com o escandaloso programa de privatizações, a levar mais longe que quaisquer outros a destruição do sector público, se confirma mais uma vez como partido ao serviço do grande capital.
Neste novo ano, o Governo PS prossegue e pretende intensificar a sua acção visando a privatização de mais empresas públicas, de áreas fundamentais da administração pública, de importantes funções sociais do Estado.
Já não tem sequer a preocupação de avançar argumentos, cada vez mais eles escasseiam. É a privatização como objectivo em si, como transferência da propriedade pública para as mãos dos grupos económicos, independentemente das consequências para o País, os trabalhadores e as populações.
A resistência às privatizações, o alerta para as suas consequências, tem vindo a crescer, confrontando o governo PS com incómodas denúncias.
É uma luta que é necessário intensificar e alargar, em que o esclarecimento assume importância primordial e que, a partir dos exemplos concretos dos efeitos das privatizações, designadamente para os interesses imediatos dos trabalhadores e das populações, associados a aspectos essenciais das consequências para a democracia e a soberania nacional, tem condições para ser mais sentida e participada.


3. A ofensiva privatizadora reduziu o sector público drasticamente e a actual fúria privatizadora do PS está a reduzi-lo ainda mais. Coloca-se, por isso, não apenas a reclamação imediata da suspensão do processo de privatizações, mas também a necessidade da exigência do reforço do sector público, do controlo público sobre sectores e serviços estratégicos e essenciais.
A luta em defesa do sector público é assim uma luta actual com consequências imediatas, mas que não se esgota no resultado de cada processo de privatização. É uma luta que tem em vista o futuro que é inseparável do projecto de uma democracia avançada, da democracia completa que o PCP propõe ao povo português, uma democracia simultaneamente política, económica, social e cultural, inseparável de uma perspectiva de progresso social, para o Portugal do século XXI.
O futuro democrático de Portugal não é compatível com uma situação em que o poder económico esteja nas mãos de um restrito círculo de grupos monopolistas associados e dominados pelo capital estrangeiro.
Grupos que agravam a exploração dos trabalhadores e põem em causa os seus direitos.
Grupos que dominam os sectores económicos estratégicos, controlam toda a actividade económica afundando os interesses das pequenas e médias empresas.
Grupos que transformam serviços sociais fundamentais em fonte exclusiva de lucros pondo em causa a sua natureza e objectivos.
Grupos que controlam crescentemente os principais meios de comunicação social pressionando e intoxicando a opinião pública.
Grupos que exercem uma influência decisiva sobre as decisões do Estado, dominam de facto o poder político e fazem funcionar o sistema eleitoral de maneira a promover a escolha de quem melhor defende os seus interesses, numa alternância que visa impedir qualquer alternativa que defenda os interesses do povo e do País e possa prejudicar o seu poder e privilégios.
Muitos aspectos há a considerar numa proposta para o sector público e os serviços públicos do século XXI, a partir da vida, das experiências concretas, de novas necessidades, do desenvolvimento técnico e cientifico, tendo sempre presente o objectivo de uma sociedade liberta da exploração, de uma sociedade mais justa.
O papel do sector público - os sectores e serviços estratégicos nos nossos dias -, a natureza do sector público e dos serviços públicos como propriedade pública, o papel do aparelho de Estado, as formas de controlo do Estado, a gestão do sector público e a participação dos trabalhadores, a eficácia do sector e dos serviços públicos, a intervenção do Estado, o papel do mercado e formas de intervenção e controlo popular, são alguns dos aspectos que exigem reflexão e aprofundamento.
A reflexão indispensável e o aprofundamento do estudo necessário para a fundamentada proposta do sector público e dos serviços públicos do século XXI, interligam-se com a luta quotidiana contra as privatizações e a reconstituição do poder do grande capital.
Uma causa com grande actualidade e relevo porque o futuro democrático e progressista do País, a efectiva soberania do povo português sobre o seu destino, o desenvolvimento e a justiça social, exigem no quadro de uma economia mista um sector público forte e serviços públicos de qualidade.


«O Militante» Nº 232 - Janeiro / Fevereiro - 1998