Um orçamento da injustiça e das desigualdades
Octávio Teixeira
Membro da Comissão Política e Presidente do Grupo Parlamentar
O Orçamento do Estado para 1998 é,
expressamente, o Orçamento da transição para a moeda
única. É o Orçamento para chegar à meta na corrida
dolorosa para o cumprimento dos critérios de convergência
nominal de Maastricht.
Só por isso, e tendo em conta os sacrifícios que por sua causa
os portugueses já suportaram e irão suportar no futuro com o
chamado Pacto de Estabilidade a impor políticas económicas,
sociais e orçamentais mais restritivas para Portugal,
justificar-se-ia que o Orçamento do Estado para 1998 tivesse o
voto contra do PCP.
Mas outras razões justificaram esse voto. Desde as perspectivas
de emprego, de salários, de distribuição do rendimento
nacional e de privatizações, até às opções fiscais
assumidas aberta e intrinsecamente pelo Governo neste Orçamento.
Defesa do interesse nacional
O PCP adoptou no debate deste Orçamento, como de resto sempre o
faz, a postura de defesa do interesse nacional. Como partido da
oposição, que somos de facto e por muitos factos, desmontámos
o que se esconde por detrás das taxas e dos números: a
realidade dos factos e da vida dos portugueses.
Mostrámos que o País continua, com o Governo do PS tal como com
os Governos do PSD, a apresentar uma grande dependência da
evolução económica da conjuntura externa, que as estruturas
produtivas, a preparação dos recursos humanos, o padrão de
especialização produtiva, continuam a apresentar as mesmas e
grandes fragilidades.
Mostrámos que, com o Partido Socialista no Governo, a política
económica e social continua a assentar num modelo condenado, por
se basear em métodos de exploração da força de trabalho
contrários ao desenvolvimento das forças produtivas e
prosseguir uma política de rendimentos e preços que agrava as
desigualdades sociais.
Mostrámos que o crescimento recente da economia e do
investimento, a redução estatística do desemprego e a
redução dos défices orçamentais escondem o essencial: o peso
crescente do trabalho precário e o emprego de
sobrevivência, uma evolução da estrutura produtiva que
privilegia o aproveitamento das vantagens
comparativas dos muito baixos salários, o aumento das
desigualdades.
Mostrámos que uma das questões centrais do Orçamento para 1998
é a do agravamento das injustiças e desigualdades, é a de
manter intocados todos os privilégios de que o capital e a
actividade financeira e especulativa vêm gozando, é o carácter
particularmente escandaloso e iníquo do Orçamento continuar a
fazer recair quase todo o peso da fiscalidade directa sobre os
rendimentos do trabalho.
Mostrámos e denunciámos a profunda incoerência do PS, a
duplicidade de posições defendidas pelo PS enquanto oposição
e enquanto Governo, o cada vez maior afastamento da prática do
Governo relativamente às promessas eleitorais do PS.
Mostrámos a ausência de medidas, de fundo ou meramente
reformistas, que ao menos pudessem indiciar uma alteração de
políticas económica e social por parte do Governo PS,
alternativas às prosseguidas anteriormente pelos Governos do
PSD.
Mostrámos ... e demonstrámos com os factos da vida e do
Orçamento para 1998.
O grande objectivo do Orçamento
O grande objectivo, a preocupação fundamental do Orçamento, é
o de garantir o cumprimento dos critérios de convergência
nominal de Maastricht. Olvidando os objectivos, prioritários e
essenciais, da convergência real e da coesão social.
Nomeadamente, o objectivo de uma mais justa repartição da
riqueza criada por quem trabalha.
Assim, o Governo aponta para um aumento da produtividade do
trabalho de 2,7%. Daqui resulta que, mesmo que apenas se
mantivesse uma perspectiva conservadora de manutenção das
profundas desigualdades actualmente existentes na distribuição
do rendimento nacional (e todos sabemos que o necessário e
justo seria aumentar a participação dos rendimentos do trabalho
para, pelo menos, níveis relativos já atingidos em épocas
anteriores), os salários nominais deveriam aumentar em 1998
cerca de 5,3%, tendo em conta o deflator do PIB de 2,5% previsto
pelo Governo.
Mas a verdade é que o Governo não quer que os salários
aumentem mais que 3% a 3,5%. Sendo que para os trabalhadores da
Administração Central e Local o Governo propõe bastante menos
que isso (2,25%!): para adequar o OE à moeda única e para dar
um sinal e um incentivo ao grande patronato. E prosseguindo uma
degradação da distribuição do rendimento gerado pelo
trabalho, retirando aos trabalhadores para beneficiar o capital.
Tal como já o fez em 1996 e 1997.
O seu conteúdo substantivo
O agravamento das desigualdades e da injustiça é, igualmente, a
questão central do conteúdo substantivo do Orçamento para
1998, especialmente no âmbito dos impostos.
Desde logo, a componente dos benefícios fiscais, que em termos
orçamentais são despesa fiscal que o Governo realiza em
benefício, fundamentalmente, de aplicações financeiras e das
actividades financeiras. O montante global dessa despesa fiscal,
de receita que, por vontade própria do Governo, deixou de entrar
nos cofres do Estado, atingirá 225 milhões em 1998.
Em particular, não há quaisquer razões, de natureza económica
e muito menos social, que minimamente justifiquem que anualmente
os bancos paguem menos 60 milhões de contos de impostos do que
deveriam pagar. Do mesmo modo que não é legítimo continuar a
suportar anualmente uma despesa fiscal de 16 milhões de contos
por benefícios concedidos às operações de venda de empresas
privatizadas e aos dividendos das acções cotadas na Bolsa.
Dois pesos e duas medidas
Por outro lado, os dois pesos e duas medidas que o Governo usa
para o IRC (o imposto sobre os lucros) e o IRS (o imposto sobre
os rendimentos do trabalho e os dos pequenos empresários em nome
individual).
Para o IRC o Governo decidiu a baixa da taxa de 36% para 34%.
Mas para o IRS o Governo promove um efectivo aumento da carga
fiscal.
De facto, o Orçamento apenas se propõe fazer a actualização
normal dos limites dos escalões (mantendo inalteradas as taxas),
bem como a dos limites máximos das deduções e abatimentos ao
rendimento e a das deduções à colecta, a um nível próximo do
da taxa de inflação prevista. Contrariamente àquilo que o
Governo pretende fazer crer, essas actualizações nem sequer
mantêm as taxas de incidência efectiva do IRS verificada em
1997. A menos que os salários reais não aumentem ou diminuam.
Se os rendimentos do trabalho anuais, em 1998, tiverem uma
actualização nominal igual ou inferior a 2% (taxa de
inflação), então não haverá agravamento da tributação real
em sede de IRS. Mas se houver um crescimento real dos salários,
por menor que seja, então verifica-se um agravamento efectivo da
carga fiscal. Em todos os níveis de rendimentos. Com maior
peso nos escalões de rendimentos mais baixos!
Idêntica a opção seguida pelo Governo no que respeita ao
Orçamento da Segurança Social. Apesar de o Governo se gabar que
nos dois últimos anos o Orçamento da Segurança Social deu
saldos positivos da ordem dos 200 milhões de contos, a verdade
é que se recusou a fazer o aumento extraordinário de 3.000$00
mensais para as pensões mínimas que o PCP propôs no debate do
Orçamento. Não por não haver dinheiro, mas porque o Governo e
o PS não o quiseram.
O processo de privatizações
Quanto ao processo de privatizações, o OE promete e assegura
que o Governo do PS continuará na senda do fundamentalismo que
desde o início mostrou quanto à transferência do
património produtivo público para o grande capital nacional e
multinacional.
Aliás, o Governo do eng. Guterres gaba-se de, em apenas dois
anos, ter obtido receitas de privatizações de cerca de 1300
milhões de contos, mais que os Governos de Cavaco Silva de 1989
a 1995.
E para 1998, o Governo prevê arrecadar mais 400 milhões de
contos com as privatizações. Depois parará, porque não
haverá mais empresas para privatizar... Na fúria pelas
privatizações, pela concessão de mais poder económico e
político ao grande capital, o Governo do eng. Guterres não
sofre confronto com os Governos de Cavaco Silva, mas apenas com
os Governos da Sra. Tatcher.
Algumas propostas
Mas o PCP não se limitou a mostrar e a demonstrar os muitos
aspectos negativos do Orçamento para 1998. Fizémos também
propostas. Que visavam uma mais justa repartição da carga
fiscal. Fazendo pagar impostos a quem hoje foge aos impostos com
a complacência do Governo. Reduzindo os benefícios fiscais às
actividades e operações de natureza financeira e especulativa.
Assim aumentando as receitas do Estado para as poder distribuir
por quem mais precisa.
Por exemplo, propostas para a redução do IRS, beneficiando
todos os contribuintes, mas relativamente mais os mais baixos
rendimentos. Propostas para a tributação dos bancos, das
empresas seguradoras, das operações bolsistas, sem privilégios
que os trabalhadores, os agricultores e as empresas directamente
produtivas não têm. Propostas para apoiar e promover a
fixação de empresas e actividades produtivas nas zonas do
interior do País. Propostas para um aumento extraordinário das
pensões mínimas de 3.000$00, e para uma actualização
extraordinária das pensões de apo-sentação dos professores
aposentados que se reformaram antes de 30 de Setembro de 1989, e
que vivem com pensões profundamente degradadas. Propostas para o
Orçamento acorrer aos prejuízos decorrentes das intempéries
que se abateram sobre algumas regiões do País, e para
reconstruir rapidamente o que por elas foi destruído. Em suma,
propostas que assegurariam, mais equidade fiscal, mais justiça
social, maior solidariedade para com os mais desprotegidos.
O Governo e o PS, tal como o PSD e o PP, não as quiseram
aprovar. Mas mais uma vez ficou demonstrado que a política
de direita não é inevitável, que há uma política alternativa
de esquerda, protagonizada pelo PCP.