A situação do emprego



A evolução do emprego e do desemprego entre 1992 e 199

Fernando Marques
Economista

A crise económica teve consequências pesadas na situação do emprego. O emprego global diminuiu entre 1993 e 1995 e estagnou em 1996. Foi sobretudo atingido o emprego assalariado, tendo-se verificado a destruição de 200 mil postos de trabalho. Confirmou-se assim que esta componente do emprego é fortemente sensível à conjuntura económica.
Se tivermos como referência o período mais próximo, observa-se que em 1996 houve um pequeno aumento do emprego. Este é em boa parte artificial, já que é quase só explicado por um aumento anómalo na agricultura, enquanto o emprego continua a descer na indústria e estagna nos serviços.
Só em 1997 se verifica que o crescimento económico se transmite à criação de emprego, mas esta evolução é explicada por um número restrito de sectores - a agricultura, a construção e obras públicas e alguns serviços (por ex: informática). O emprego assalariado aumenta mas quase só por via da precaridade de emprego (crescimento dos empregos não permanentes em 16% no 1º semestre).


Composição social do emprego

Verificaram-se neste período alterações sensíveis na composição social do emprego e do desemprego. Destacam-se quatro aspectos principais.
O primeiro é o aumento verificado no emprego por conta própria, ou isolados, ao mesmo tempo que se reduziu o emprego assalariado. Esta evolução é em parte devida à prestação de trabalho assalariado com o regime legal de trabalho independente (recibos verdes).
O segundo respeita a uma tendência de diversificação crescente e de deterioração do estatuto social dos trabalhadores assalariados, que se traduz na precaridade de emprego, que adiante será analisada.
O terceiro é o do aumento da participação feminina no emprego, reforçando tendências de longo prazo. O emprego das mulheres reduziu-se neste período, mas menos que o dos homens. Como aspecto significativo deste período refira-se a maior incidência de ofertas em regimes de emprego a tempo parcial sobretudo nalguns sectores, como as grandes superfícies comerciais, sendo estes empregos ocupados sobretudo por mulheres.
O quarto respeita a alterações na composição do desemprego. A mais importante é o maior peso dos desempregados de longa duração (25,8% em 1992 para 42% em 1996) no total do desemprego. Mas, também é significativo que o número de desempregados diplomados tenha vindo a crescer.


A evolução do desemprego

O aspecto mais marcante é o forte crescimento do desemprego desde 1992, o que está relacionado com o período recessivo vivido e com as vagas de despedimentos verificadas. A recuperação económica não teve neste período consequências significativas na alteração deste quadro: o emprego não cresceu e a taxa de desemprego aumentou em 1996, ainda que ligeiramente.
Não se pode, no entanto, concluir que a realidade do desemprego é sobretudo estrutural, como pretende o Governo. Tal significaria que não bastaria o crescimento económico para melhorar a situação do mercado de emprego. Certamente que não chega, mas não deve por isso ser subestimado.
Pelo contrário, os dados confirmam a sensibilidade de dimensões fundamentais do desemprego, como o de longa duração, à conjuntura económica, com o agravamento substancial em períodos recessivos e dificuldades de descida quando se verifica a retoma.
A realidade do desemprego é no entanto mal apercebida pela simples evolução da taxa de desemprego. Por um lado, porque se devem ter em conta aspectos como o desencorajamento (pessoas que não tendo emprego deixam de o procurar, porque, por ex: acham que não vale a pena); o subemprego nas suas diversas formas; a subsidiação dos empregos (ex: programas ocupacionais); a precaridade de emprego; os empregos de curta duração (ex: tempo parcial). Por outro lado, porque há que considerar dimensões qualitativas como: o desemprego de longa duração; um elevado número de desempregados com baixas habilitações e com idade superior a 45 anos - este constitui porventura o núcleo mais vulnerável do desemprego (1); o facto do desemprego estar também a abranger pessoas com formação superior; o facto de os trabalhadores com mais de 45 anos serem vítimas de ideias feitas sobre o seu rendimento no trabalho, a sua capacidade de adaptação; etc..
É neste quadro que se podem analisar posições críticas do Governo, incluindo do 1º Ministro, sobre a taxa de desemprego (admite-se agora que mede mal o desemprego) e sobre a necessidade de ter em conta aspectos qualitativos como o baixo nível de habilitações e as qualificações dos trabalhadores. O que é correcto - mas só se “descobre” tal realidade quando estão em causa novas regras de acesso aos fundos estruturais?


A precaridade de emprego

A precaridade de emprego deve ser vista globalmente, pois é sabido que muitas vezes a redução duma forma de precaridade apenas significa o crescimento mais acentuado doutras. Os contratos a prazo ter-se-ão reduzido em 1993 e 1994, porque estes trabalhadores foram dos primeiros a serem abrangidos pelas grande vagas de despedimentos deste período, mas depois voltaram a subir.
Novas formas emergiram ou ganharam maior relevância neste período: É o que acontece com o falso trabalho independente, a subcontratação e o emprego a tempo parcial. A incidência continua a ser mal conhecida.
Por exemplo, no emprego por conta própria não se sabe o peso que nele assume o falso trabalho independente (ou recibos verdes, como é conhecido). O que se pode dizer é que este tipo de trabalho explica parte da expansão verificada nesta forma de emprego desde 1992.
Por sua vez, na subcontratação e no emprego temporário (ou aluguer de mão-de-obra) as fronteiras entre o trabalho legal e o ilegal são difíceis de separar. No trabalho temporário existiam, em 1994, 130 empresas legais e 400 sem alvará, sendo estas as que detinham a maioria do mercado. Coexistem aqui grandes empresas, que incluem multinacionais (Manpower, Psicoemprego, Ecco, Addia), com “empresas” que com um mínimo de meios gerem ficheiros de desempregados. A promessa de que a regulamentação deste trabalho, ocorrida em 1989, poria ordem no sector não foi até agora cumprida.
O emprego a tempo parcial cresceu fortemente em 1996 e 1997. Dir-se-á que existem diferentes realidades, não sendo precários todos estes empregos. Mas a realidade dominante é a de empregos de má qualidade, pouco qualificados e com poucos direitos. A maior incidência destes empregos nas mulheres está a contribuir para deteriorar uma situação que em termos globais é mais desfavorável.


Aspectos sectoriais e regionais

A evolução do emprego agrícola é anómala, não pelo aumento em si verificado em 1996 e em 1997, mas porque não corresponde a um aumento da actividade económica neste sector. São empregos de recurso que podem estar associados a situações de esgotamento do subsídio de desemprego ou a actividades exercidas por reformados.
A indústria continua a perder empregos - há uma pequena melhoria este ano, devida sobretudo à construção e obras públicas. Este sector está num pico de actividade - que acontecerá quando terminarem as grandes obras em curso? Nos sectores em declínio de emprego, destaca-se o têxtil com uma perda de 18% entre 92 e 96.
Nos serviços, a tendência é para a estagnação, mas com evoluções sectoriais muito distintas. O maior crescimento verifica-se nas actividades informáticas e de investigação e desenvolvimento, nos hóteis e restaurantes e nos outros serviços; as maiores quebras verficam-se nos transportes, correios e comunicações. O comércio (sector com maior peso no emprego dos serviços) vê também diminuidos os seus efectivos.
A distribuição do emprego por regiões reflecte os graves e crescentes desequilíbrios económicos, de que são expressão a concentração do emprego (o Alentejo e Algarve representam menos de 10% do total) e as variações muito acentuadas do desemprego tanto a nível regional como local. Existem regiões onde as “perspectivas” de emprego são os programas ocupacionais dirigidos a desempregados ou... a emigração. É o caso do Alentejo (2).


Que políticas de emprego?


As condicionantes de natureza macro-económica do emprego são hoje desvalorizadas nas posições dos Governos. Assim acontece porque as principais opções de política económica escapam cada vez mais às políticas nacionais. O emprego é cada vez menos um domínio fundamental das políticas económica e cada vez mais uma variável de ajustamento face a políticas determinadas supranacionalmente.
Em tal quadro onde se situam as políticas de emprego desenvolvidas neste período? Situam-se essencialmente:

- na desregulamentação que conduz ao embaratecimento do trabalho. Trata-se de uma visão neoliberal segundo a qual o desemprego é sobretudo devido a custos excessivos do trabalho. É nesta lógica que se advoga a flexibilidade dos horários, a polivalência desqualificante e o fomento do emprego a tempo parcial.

- nas políticas “activas” de emprego que são hoje artificialmente opostas às políticas “passivas” com o objectivo de pôr em causa a segurança social dos desempregados;

- no mercado social de emprego que deve abranger sectores e actividades protegidos da concorrência internacional, estando implícito que nos sectores concorrenciais apenas pode haver perdas de emprego por razões de manutenção da competitividade.

Se, mais restritamente, analisarmos as medidas de política de emprego e formação profissional no âmbito dos ministérios do emprego e da segurança social (quadro seguinte), vemos que estas respeitam sobretudo a:

- apoio aos desempregados, tendo o subsídio de desemprego aumentado devido à evolução do desemprego;

- apoio ao emprego de jovens, através sobretudo da isenção de contribuições para a segurança social, com pesados custos para esta, sem que sejam claros os resultados positivos desta medida;

- programas ocupacionais, que têm vindo a ganhar importância (35 mil pessoas em 1996 e um número idêntico previsto para 1997) e que nalgumas regiões deprimidas do interior representam para muitos desempregados a única perspectiva de emprego. Estamos aqui na zona em que o emprego e o desemprego se cruzam, não obstante estatisticamente serem considerados empregados.

- acções de formação no âmbito de Centros de Gestão Participada que são centros criados por protocolo entre o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) e associações patronais, não tendo, regra geral, participação sindical.


(1) A percentagem dos desempregados com habilitações inferiores ao secundário é de 80% em Portugal face a 49,6% na média comunitária.

(2) Em 1994, os desempregados cobertos pelas chamadas políticas activas de emprego, com excepção dos Centros de Gestão Participada, ascende a 17% no Continente, sendo de 39% no Alentejo (M. Qualificação e Emprego, Relatório de Conjuntura Anual de 1994, p.107.





«O Militante» Nº 232 - Janeiro / Fevereiro - 1998