Os media e a sociedade capitalista




Fernando Correia
Jornalista


Desde os tempos mais remotos a comunicação entre os homens constitui um elemento essencial à vida em sociedade. Os mais longínquos antepassados dos jornais parece terem sido as Acta Diurna mandadas elaborar por César para dar conta dos trabalhos do Senado. No séc. XVI, na Itália e na Alemanha, são criadas folhas contendo informações essencialmente de natureza comercial, ligadas à actividade da burguesia nascente e destinadas ao seu serviço e interesse.
A partir do século passado, porém, o nascimento da imprensa industrial e, posteriormente, já no nosso século, o aparecimento da rádio e depois, no fim da Segunda Guerra Mundial, a implantação da TV levaram, nas sociedades desenvolvidas, ao surgimento e crescente importância da comunicação social de massa, fazendo dos media (1) um factor de importância determinante e com um lugar central no funcionamento da sociedade.

Nos últimos anos a evolução tornou-se extraordinariamente rápida e profunda. A multiplicação das possibilidades técnicas de produzir e divulgar informação provocou uma verdadeira explosão informativa. À imprensa, à rádio e à TV vieram juntar-se os novos media, como a Internet. Nos países mais avançados, a quantidade e diversidade da comunicação e da informação praticamente deixaram de ter limites.
Os jornais, a rádio e a TV convivem quotidianamente connosco e, directa ou indirectamente, interferem nas nossas formas de pensar e de agir. Criaram-se assim, em teoria, as condições capazes de proporcionar uma profunda transformação no conhecimento entre os povos e nas suas relações mútuas.
A comunicação e a troca de informações tornaram-se, mais do que úteis, verdadeiramente essenciais à vida das sociedades, das comunidades locais e das instituições, tanto no que respeita às necessidades materiais como às novas e crescentes exigências intelectuais.

(1) Media, órgãos de comunicação social e meios de comunicação de massa são aqui utilizados como sinónimos, abrangendo a imprensa, a rádio e a TV.


1. As funções dos media

Um célebre documento elaborado no final da década de 70 por uma comissão da UNESCO presidida por Sean McBride atribui à comunicação, entendida como um instrumento de progresso e um factor de desenvolvimento, as seguintes funções:

. Informação: reunir, armazenar, tratar e difundir as notícias, os factos, as opiniões e os comentários necessários para a compreensão das situações individuais, colectivas, nacionais e internacionais e estar em condições de tomar as decisões necessárias.

. Socialização: constituir um fundo comum de conhecimentos e de ideias que permitam a qualquer indivíduo integrar-se na sociedade em que vive e favoreçam a coesão social e a tomada de consciência indispensável à activa participação na vida pública.

. Motivação: prosseguir os objectivos imediatos e as finalidades últimas de cada sociedade; promover as opções pessoais e as aspirações individuais; estimular as actividades individuais ou colectivas orientadas para a realização de objectivos comuns.

. Discussão e diálogo: apresentar e trocar os elementos de informação disponíveis para facilitar o acordo ou clarificar os pontos de vista sobre as questões de interesse público; fornecer os elementos pertinentes para reforçar o interesse e a participação do público em todos os problemas locais, nacionais e internacionais.

. Educação: transmitir conhecimentos contribuindo para o desenvolvimento espiritual, a formação do carácter, a aquisição de competências e de aptidões em todos os períodos da vida.

. Promoção cultural: difundir obras artísticas e culturais para preservar a herança do passado; alargar o horizonte cultural despertando a imaginação e estimulando as
necessidades estéticas e a criatividade.

. Distracção: difundir actividades recreativas individuais ou colectivas, tais como o teatro, a dança, a arte, a literatura, a música, o desporto e outras actividades lúdicas.

. Integração: favorecer o acesso à diversidade de mensagens de que todas as pessoas, grupos ou nações têm necessidade para se conhecer e compreender mutuamente e para apreender a maneira de ser, os pontos de vista e as aspirações dos outros.

Trata-se não só de funções genéricas, relativas ao fenómeno da comunicação em geral, mas também de funções potenciais, de possibilidades em aberto, que poderão (ou não) ser exercidas no todo ou em parte, com este ou aquele conteúdo, este ou aquele objectivo, valorizando este ou aquele aspecto.
Nas actuais condições da sociedade capitalista, o peso dominante adquirido pela função distracção (e, geralmente, no seu sentido menos nobre) mostra bem de que modo as funções propiciadoras da alienação e do conformismo social se sobrepõem às que podem fazer dos media factores de progresso, de desenvolvimento e de transformação.
Mas as funções atribuídas aos media mostram, só por si, o papel decisivo (ainda que não o exerçam em exclusividade) por eles ocupado na nossa sociedade, através da sua influência nos modos de conhecer e de interpretar a realidade, nas concepções e aspirações, nos hábitos e comportamentos, nas orientações e princípios que inspiram as formas de relacionamento e de intervenção na vida social.


2. Novas tecnologias e globalização

Nos anos mais recentes, a introdução das novas tecnologias provocou alterações profundas neste sector, permitindo maior rapidez, maior quantidade e melhor qualidade na recolha, tratamento e transmissão da informação.
A explosão informativa e os progressos tecnológicos proporcionaram melhorias na troca de informações, nas possibilidades de análise e divulgação de temáticas e problemas complexos e outrora difíceis de abordar, na rapidez do conhecimento do que se passa aqui ao pé da porta ou no outro lado do mundo.
Tudo isto constitui, em princípio, um factor positivo no progresso da consciência social, no aumento da informação e da cultura, no melhor relacionamento entre os povos, na destruição de preconceitos e ideias feitas, na abertura de novas perspectivas, no aumento da capacidade não só para valorizar o que é diferente mas também, dialecticamente, para no confronto com os outros valorizarmos melhor aquilo que é nosso.
Não se pode esquecer, porém o contexto económico, social e político em que todo este processo ocorre e que, à partida, o contamina gravemente. O fenómeno da globalização é particularmente esclarecedor a este respeito.
A evolução do sistema capitalista no sentido da internacionalização, com o nascimento de poderosos grupos transnacionais e o desaparecimento das fronteiras devido à expansão dos negócios e dos mercados, levou a que, na esteira do domínio económico (e ao seu serviço), também no domínio da comunicação e da informação se entrasse na chamada era da globalização, para cuja concretização as novas tecnologias deram um decisivo contributo.
É hoje absolutamente claro que a interdependência entre os povos e as nações é uma necessidade imperiosa, abrangendo fenómenos profundamente interligados como a mundializaçao da economia, o intercâmbio das culturas e a comunicação sem fronteiras.
Mas sendo a interdependência uma necessidade, no sentido em que a vivência em autarcia, ao nível das pequenas e grandes comunidades, é um viver amputado e fechado sobre si próprio, nem por isso poderemos deixar de verificar que, no plano da comunicação e da informação, tal como noutros, a interdependência enquanto sinónimo de solidariedade, cooperação e complementaridade é ainda muito mais uma aspiração do que um facto, muito mais uma meta a alcançar do que uma etapa já percorrida.
Ao contrário do que alguns pretendem, as novas tecnologias, só por si, estão longe de serem a panaceia universal que, no sector da informação e da comunicação, abolindo as fronteiras da geografia, da história e das desigualdades, instauraria a nova ordem da felicidade e da riqueza.
Se olharmos à nossa volta, verificaremos sem dificuldade que o bem-estar e o progresso existem - mas apenas para alguns, e muito poucos. A troca de informações actualmente no mundo é, estruturalmente, uma troca profundamente desigual, em que de um lado temos um pequeno número de países que produzem e distribuem a informação e de outro todos os restantes, que se limitam, ou quase, a importar o que lhes vem de fora.
O problema, além de quantitativo, é também qualitativo. Em termos gerais, pode dizer-se que a informação que os países ricos exportam é a que promove e difunde os seus valores, modelos e padrões; e a informação que importam dos países pobres são os fait divers, as imagens da guerra e da miséria, o que é espectacular e insólito e, portanto, mais fácil de vender e dar lucro - um lucro que é tanto económico como político e ideológico.
Sublinhe-se que estas observações sobre a globalização e a interdependência tanto são válidas para a realidade internacional e para as relações entre os países, como para a realidade nacional e as relações dentro de cada país.
Se tivermos em conta o caso português, verificaremos, em termos de comunicação e de informação (tal como no resto), a existência de:

. um litoral rico e polarizador das atenções dos media e um interior pobre, menorizado e esquecido - e não uma autêntica troca de informação entre todas as regiões;

. por um lado, minorias sociais privilegiadas, e por outro lado classes e camadas que só marginalmente e em forma de caricatura, de apêndice ou de bode expiatório têm lugar na chamada grande informação - e não um verdadeiro e multilateral fluxo informativo no seio da sociedade;

. um sistema que secundariza sistematicamente sectores (sociais, políticos, culturais...) cuja relevância e influência na sociedade é claramente superior ao espaço que lhes é concedido na informação - e não um real pluralismo político e ideológico nas possibilidades de acesso aos meios de comunicação social.

No seu sentido mais amplo e profundo, as novas tecnologias aplicadas à comunicação social (e independentemente das vantagens técnicas para as práticas profissionais) adquirem, em termos gerais, no contexto concreto da sociedade capitalista, determinadas características e significado:

. tendem a acentuar, e não a atenuar, o domínio de classe;

. permitem tornar mais eficaz, e não fazer desaparecer, a manipulação das consciências;

. contribuem para aumentar não as relações de cooperação mas sim de dependência entre os mais pobres e os mais ricos, entre países e dentro de cada país;

. contribuem para o agravamento e não para a resolução de problemas sociais como o desemprego;

. facilitam não a valorização do que é específico e original mas sim a uniformização dos gostos, dos hábitos e dos costumes, abrindo o caminho a uma homogeneização empobrecedora das culturas e limitadora das independências.

Existe uma relação de dependência e de exploração que ao nível da comunicação social (assim como ao nível da cultura e da ideologia em geral) reproduz, mas ao mesmo tempo alimenta e ajuda a sustentar, uma mesma relação de dependência e exploração no plano económico e social, na perspectiva dos interesses do grande capital e das transnacionais.
Um problema essencial, e que alguns, interessadamente, procuram iludir, é o da propriedade: quem manda na comunicação social? Qual o conteúdo das mensagens e quais os seus objectivos? Não se deve conceder grande crédito aos que se recusam a considerar estas questões e, entretanto, proferem frases pomposas sobre as grandes virtudes da comunicação social ao serviço do progresso social, da valorização das pessoas, do intercâmbio das culturas, do livre acesso à informação por cima das fronteiras, da amizade entre os povos, etc..

3. Contradição básica

O advento das novas tecnologias, para além de todas as extraordinárias possibilidades e potencialidades que encerram, tem, em muitos aspectos, contribuído para aprofundar uma contradição básica no sector dos meios de comunicação de massa:

. por um lado, dá-se uma progressiva socialização das audiências,

. por outro lado, assiste-se à crescente concentração da propriedade.

Isto é, ao mesmo tempo que as novas possibilidades técnicas permitem o progressivo alargamento do número de pessoas com acesso à comunicação, o elevado custo e os grandes investimentos necessários ao desenvolvimento tecnológico fazem com que se reduza a um pequeno núcleo capitalista (transnacionais dominadas pelo capital financeiro) e a um pequeno número de países entre os países capitalistas desenvolvidos, os que mandam nas novas tecnologias.
E mandar, neste caso, significa ter o poder de controlar (e manipular) as consciências e a vida de milhões e milhões de pessoas.
Existe, é certo, uma crescente facilidade de acesso a novas formas de comunicação (como é o caso da Internet). Acontece, porém, que:

. continua a ser uma pequena minoria os que têm dinheiro e conhecimentos que lhes permitam o contacto íntimo e continuado com as novas formas de comunicação e de
informação;

. maior acesso não anula os condicionamentos existentes à partida pelo controlo exercido pelos mais ricos no plano da produção de conteúdos;

. as condições de isolamento e as características eminentemente individuais e domésticas da utilização das novas tecnologias comprometem seriamente a eficácia de mensagens que visem efeitos sociais de mais largo âmbito.

É evidente que o problema não reside, propriamente, nas novas tecnologias. Os avanços da ciência e da técnica são sempre positivos para a humanidade, mesmo que tenham de implicar, na sequência das alterações nas formas de vida, a necessidade de adaptações e inovações também nas formas de organização e de luta social e militante.
Não devemos cometer o erro daqueles operários do século passado de que nos falava Marx, que destruíam as máquinas introduzidas pela revolução industrial porque elas faziam diminuir a mão-de-obra e causavam o desemprego. O problema é outro, e diz respeito não ao avanço técnico mas sim à utilização que se lhe dá e ao enquadramento político, económico e social em que ele se processa.
No caso das novas tecnologias aplicadas à informação (quer no que se refere à modernização dos “velhos” media, como a imprensa, a rádio e a TV, quer quanto ao surgimento de “novos” media, como a Internet), a questão é clara: em si próprias, elas não constituem um remédio milagroso, pois tudo depende do conteúdo da mensagem veiculada, dos objectivos de quem as controla, do quadro social em que se inserem e das condições de recepção e da situação dos receptores.


4. O dilema mediático

Os novos caminhos abertos aos meios de comunicação de massa vieram acentuar aquilo a que poderemos chamar o dilema mediático do nosso tempo, isto é, a ambivalência que se traduz nas possibilidades diversas e contraditórias que lhes são inerentes.
A imprensa, a rádio e a TV podem ser utilizadas:

. para informar as pessoas com verdade e rigor, ou para deturpar os factos e as enganar;

. para desenvolver o espírito colectivo e a solidariedade social, ou para estimular o individualismo, o egoísmo e o “salve-se quem puder”;

. para o incentivo à participação social e ao exercício da cidadania, ou para a promoção da passividade e do isolamento; para a defesa dos valores nacionais, do património cultural e da identidade própria de cada país e de cada região, ou para a submissão a valores, costumes, formas de pensar e de actuar importados ou impostos do exterior;

. para a transmissão de conhecimentos, a abertura de novas perspectivas, a valorização cultural e humana, ou para o embrutecimento e a alienação;

. para a defesa da tolerância e da convivência democráticas, ou para a condescendência ou mesmo incentivo ao sectarismo (político, ideológico, religioso, etc.) e a fenómenos como o racismo, o fundamentalismo, a xenofobia ou o nacionalismo e o regionalismo exacerbados.

O dilema mediático é uma outra forma do dilema mais geral e da ambivalência das novas tecnologias. E a decisão última não se encontra ao nível tecnológico ou científico, mas sim ao nível político, estando dependente de factores objectivos e subjectivos ligados à estrutura económica, às relações sociais e à natureza de classe do poder.

5. Fenómeno social e de classe

A verdade é que os media e, mais concretamente, a informação e o jornalismo, enquanto fenómenos sociais e de natureza ideológica, mantêm uma íntima e indissolúvel ligação com a sociedade em que se inserem, da qual são produto mas na qual também interferem.
Os media e o jornalismo produzem mensagens (no terreno da informação, mas também nos do entretenimento, da publicidade, dos espaços infantis e juvenis, etc.) detentoras, em geral, de um determinado sentido, qualquer que ele seja. Mesmo que, aparentemente, não tenham nenhum.
No campo da política, por exemplo, a ausência de uma opinião explícita ou o abstencionismo justificado pelo proclamado desejo de “neutralidade”, nem por isso deixam de constituir, quer se queira quer não, uma tomada de posição, na medida em que essa atitude na aparência distanciada e isenta, acaba, objectivamente, por ter determinadas consequências e não outras, favorecer estes e não aqueles.
A História mostra (e o caso de Portugal, antes e depois do 25 de Abril, é particularmente esclarecedor) que os media e o jornalismo não existem nem nunca existiram à margem da sociedade e à margem das classes sociais, e que de uma forma ou doutra, explícita ou implicitamente, sempre exprimiram ou reflectiram interesses de classe e participaram na sua luta. Mesmo quando, com falsa ou sincera ingenuidade, o jornalista afirma que o seu trabalho se rege exclusivamente por normas profissionais, independentemente desses interesses e dessa luta.
A evolução da imprensa é historicamente inseparável da evolução da burguesia como classe, que na sua fase ascendente fez da imprensa uma arma para a conquista de posições económicas e políticas, e mais tarde transformou a notícia numa mercadoria e os media num instrumento de controlo social.

6. Formas de dominação

Enquanto, simultaneamente, reflexo e agente de mudança da realidade, os media são hoje, devido ao vertiginoso desenvolvimento das novas tecnologias, uma multifacetada e poderosa máquina de condicionamento global das opiniões, dos comportamentos e dos valores, assumindo uma verda-deira função estruturante na organização e modelização do todo social.
Quando contextualizados no quadro do sistema mediático e das relações entre este sistema e o sistema económico, social e político em que se insere, os grandes jornais e revistas, estações de rádio e de televisão revelam-se como verdadeiros instrumentos de dominação.
Esta exerce-se em dois planos interligados:

. Dominação política, directamente política, na medida em que, por exemplo, com maior ou menor habilidade, com maior ou menor subtileza se promovem ou subvalorizam determinados partidos, organizações, personalidades, grupos sociais, etc..

. Dominação ideológica, através da subreptícia inculcação quotidiana, invisível e indolor, de ideias, valores, comportamentos e normas, cujos efeitos se fazem sentir a médio e longo prazo, sem a visibilidade das manipulações grosseiras que mais epidermicamente escandalizam, mas com a perigosidade de quem, ao minar e infiltrar as fundações, sabe que mais tarde ou mais cedo as repercussões se farão sentir na superfície.

Com efeito, por um lado persistem métodos clássicos de manipulação da informação como:

. silenciamento de determinadas opiniões e acontecimentos considerados incómodos ou inconvenientes;

. focagem do secundário em detrimento do essencial;

. descontextualização dos factos noticiados, retirando-lhes o verdadeiro significado ou emprestando-lhe mesmo um significado diferente;

. generalizações abusivas, metendo no mesmo saco coisas (organizações, pessoas, etc.) diferentes, a fim de obter determinados efeitos;

. apresentação de previsões e “cenários” ou a realização de “sondagens” manipuladas com o objectivo de condicionar decisões ou atitudes relativamente a acontecimentos futuros;

. fabricação de factos (nomeadamente políticos) destinados a criar uma falsa realidade, que depois é apresentada como a verdadeira realidade.

Por outro lado, porém, existe uma dimensão da intervenção e da influência da comunicação social que não tem directamente a ver com o tratamento dos factos e com as manipulações de que estes podem ser alvo, mas sim com a filosofia implícita na concepção global das edições, das programações e dos conteúdos.
A questão aqui não são apenas a censura (nas suas diversas modalidades), a autocensura ou a manipulação encaradas isoladamente, mas sim o sistema global da comunicação social no contexto da sociedade capitalista enquanto condicionante da vontade, do esclarecimento e das consciências ao serviço de determinados objectivos.
Tudo isto através da divulgação e promoção de determinados valores, gostos, modas, estilos de vida, formas de pensar e de agir cuja adopção pelas grandes massas é entendida pelas classes dominantes como conveniente para a defesa dos seus interesses.
No caso concreto do nosso País, se tivermos em conta a TV, enquanto meio de maior
impacto e influência, e fizermos o balanço às mensagens explícitas e implícitas contidas nas séries, jogos e concursos, nos comentários, entrevistas e talk-shows, nos serviços informativos e reportagens de actualidade, verificaremos (falando em termos médios e não considerando por igual todos e cada um dos programas) a tendência para:

. a apologia do individualismo e do sucesso individual a qualquer preço;

. a apresentação implícita dos valores culturais, morais e outros da grande burguesia como modelo e como ideal de felicidade;

. o convite à abstenção cívica e à passividade social, a inculcação de uma sensação de impotência perante uma realidade exterior vertiginosa, ilógica e incontrolável;

. o culto do divertimentismo, da irresponsabilidade, da superficialidade e do desinteresse pela busca das causas e das razões profundas;

. a valorização do insólito e do inexplicável;

. a defesa da caducidade da luta organizada e consequente e do carácter ilusório e utópico dos esforços para alterar em profundidade o que existe;

. a identificação do protesto social com a revolta anárquica, barulhenta e ineficaz e a mal disfarçada complacência com a revolta individual, “heróica” mas inconsequente e sem perspectivas;

. a apresentação de determinadas políticas não como a expressão de interesses concretos mas como uma inevitabilidade pretensamente imposta pela “realidade” e pela “modernização”;

. a transformação das opções políticas numa escolha entre pessoas e não entre programas, estratégias e interesses de grupos e de classes;

. o elogio de uma solidariedade asséptica, de uma fraternidade etérea e de uma liberdade formal indiferentes aos meios de as defender consequentemente e de as concretizar;

. a defesa de uma consensualidade formal, erigida em valor absoluto ao serviço de quem tem a força para ditar os consensos.

Na sociedade capitalista, o conjunto dos grandes media (e, sob a sua influência, grande parte do sistema mediático) funciona, através dos seus efeitos a curto, médio e longo prazo, como um instrumento de controlo social e de manutenção, legitimação e reprodução da ordem económica e social estabelecida.
O processo não funciona linear e mecanicamente, não conseguindo evitar a ocorrência de desajustes pontuais (susceptíveis de serem aproveitados e explorados) nem dissimular a existência de contradições de fundo. Mas a posse capitalista dos meios de comunicação e dos outros elos da cadeia mediática, tanto ao nível da produção como da distribuição, e a interligação e identificação entre o sistema mediático e o sistema socio-económico, vão garantindo a operacionalidade e os resultados pretendidos. Pelo menos por enquanto.

N.A. - Em algumas partes, esta série de textos parcialmente retoma, sintetiza ou desenvolve
outros textos publicados, nomeadamente, na Vértice, Avante! e O Militante.

No próximo número:

A imprensa revolucionária


«O Militante» Nº 232 - Janeiro / Fevereiro - 1998