Razões e perspectivas da luta
Jerónimo de Sousa
Membro da Comissão Política
O resultado das eleições legislativas
ocorridas há dois anos permitiu duas leituras:
1º- A luta e o protesto popular constituíram factores decisivos
para isolar e derrotar o Governo do PSD - Cavaco Silva;
2º - Quem mais capitalizou o descontentamento dos trabalhadores,
agricultores, estudantes e população foi o PS que, embora de
forma equívoca, surgiu como opositor perante algumas práticas
políticas do Governo PSD.
Com a constituição do executivo de Guterres, geraram-se
naturais expectativas de uma mudança política, particularmente
por parte de muitos trabalhadores, tendo em conta os seus
problemas concretos.
A mudança de estilo de governação, as sistemáticas
declarações de diálogo com as organizações sindicais e a
assinatura a quente de um acordo abrangente com a
Frente Comum dos Sindicatos da Administração Pública, a par da
potenciação da Concertação Social, criou atentismos e uma
margem de manobra folgada ao Governo.
Os sinais de que, no fundamental, iria ser prosseguida a mesma
política, tal como o PCP tinha alertado, manifestaram-se no
plano político e económico, com o seguidismo e submissão às
orientações de Maastricht e à aceleração das
privatizações; e no plano social, com a alteração de voto do
PS nos projectos-lei do PCP sobre a idade da reforma das mulheres
e da redução do horário para as 40 horas.
Ainda assim, quando o Governo avançou com uma proposta de lei de
redução faseada do horário de trabalho, esbateu a crítica e
adiou a tomada de consciência dos trabalhadores quanto aos seus
verdadeiros objectivos e à caracterização da sua política.
O proclamado diálogo do Governo foi assumindo cada vez mais o
conteúdo de conversa para entreter. A
mega-negociação nas treze mesas criadas pelo Acordo na
Administração Pública sofre de bloqueios pela falta de
propostas do Governo em questões centrais para os trabalhadores
e sindicatos. Em empresas alvo de privatização, direitos e
regalias conquistados pelos trabalhadores começam a ser
colocados em causa.
Nos salários, o Governo dava o exemplo ao patronato através da
tentativa de imposição de aumentos inaceitáveis para a
Função Pública, em nome do respeito cego pelos critérios da
moeda única.
O emprego piora e precariza-se e o desemprego atinge cerca de
meio milhão de
trabalhadores.
O nível da insegurança quanto ao emprego e quanto ao futuro,
aliado a sentimentos de desilusão e perda de perspectivas,
atingiram particularmente um vasto conjunto de trabalhadores, que
confiando o voto no PS, confiaram numa política social mais
justa, correspondente à resolução dos seus anseios e problemas
concretos.
Transformar a desilusão e o descontentamento em luta
A luta em torno das 40 horas, logo após a promulgação e
aplicação da primeira fase da Lei, constituiu a força
impulsionadora e mobilizadora para milhares de trabalhadores e
para o movimento sindical unitário que, de forma notável,
impuseram em milhares de empresas a redução real do horário.
Passando a luta para o terreno e posicionando-se o Governo PS do
lado do patronato, que resistiu e ainda resiste à redução
efectiva do horário com base na interpretação vigarizada sobre
as pausas e intervalos dos turnos, a consequência imediata foi o
desfecho coxo e sem credibilidade da assinatura do denominado
Acordo de Concertação Estratégica sem a CGTP-IN.
Actualmente, ainda há trabalhadores que lutam há mais de 50
semanas com paralisações, greves e acções de rua para
alcançar o objectivo da redução do horário.
A luta pelas 40 horas não terminou em 1 de Dezembro de 97, face
à segunda fase da redução do horário. Numa clara operação
mistificatória, para aliviar as pressões sobre alguns dos seus
candidatos autarcas em regiões onde tem influência e a luta tem
sido mais acesa, o PS apresentou, ainda antes do acto eleitoral,
um novo projecto de diploma de clarificação das pausas que não
clarifica coisa nenhuma.
Em torno das pausas e da questão da organização dos tempos de
trabalho vão, inevitavelmente, desencadear-se novos processos de
luta, como se comprova com a greve dos mineiros da Somincor e
em cerca de 50 empresas têxteis.
A luta em outros sectores começou a atingir uma nova dimensão.
Nos CTT, com o perigo da liberalização dos serviços
postais e a ameaça para direitos e regalias conquistados no
plano interno, desencadeia-se uma greve com elevada adesão,
facto que não acontecia há vários anos.
Na Gás Portugal, realiza-se uma greve prolongada em
torno da negociação colectiva.
Na Petrogal, pela primeira vez se concretiza uma greve
dos trabalhadores da Informática.
Sacudindo a avassaladora campanha do Governo quanto aos êxitos
financeiros das privatizações, trabalhadores da EDP e
da Telecom, e suas organizações representativas,
criaram uma nova dinâmica de alerta e denúncia junto da
opinião pública sobre as nefastas consequências da
destruição do melhor património público empresarial.
Os Enfermeiros realizam uma das mais poderosas greves do sector,
resultante de um
processo de envolvimento e discussão prévia com os
trabalhadores por parte do Sindicato, unindo-os em torno de uma
proposta que eles próprios discutiram durante vários meses nos
locais de trabalho. Quando o Governo a recusou, a resposta surgiu
com adesões que, em alguns casos, atingiram os 100%.
Na Câmara de Setúbal, perante a ameaça de
privatização do sector de recolha e tratamento do lixo, os
trabalhadores entraram em luta. Não deixa de ter significado o
facto de, no passado dia 25 de Novembro, os trabalhadores da
Região de Setúbal terem desfilado pelas ruas e culminarem a
acção junto à Câmara Municipal, em solidariedade com os
trabalhadores em luta.
No Barreiro e em Lisboa, concentram-se e
desfilam milhares de trabalhadores.
Na Administração Pública sucede um facto relevante.
Envolvidos ainda no processo negocial iniciado há dois anos, a
Frente Comum dos Sindicatos constata que, nas questões nucleares
das carreiras e da reivindicação em torno da equiparação do
salário mínimo da Função Pública ao salário mínimo
nacional, o Governo mantinha o diálogo e a negociação, mas
não apresentava qualquer proposta aceitável ou credível.
Simultaneamente, no quadro do Orçamento do Estado para 1998, o
executivo de Guterres avança com aumentos salariais ridículos e
inaceitáveis. Usando a táctica de dividir para reinar, acenou
aos professores com pequenas benfeitorias, e com nova fase de
conversações com os enfermeiros garantindo, como habitualmente,
o apoio incomodado mas seguro dos Sindicatos da UGT. O objectivo
era isolar os Sindicatos da Função Pública, o STAL e o STML.
Falhou!
Em 28 de Novembro, os Sindicatos da Frente Comum (dos Médicos,
Enfermeiros, Professores, da Administração
Central, Regional e Local), em convergência com o
Sindicato dos Técnicos do Estado, decidem e realizam
uma greve de grande impacto na generalidade dos serviços da
Administração Pública.
Este vasto movimento de protesto e luta dos trabalhadores começa
a ser acompanhado por outros sectores, designadamente os estudantes
do Ensino Superior, os agricultores e os reformados, com
acções diversificadas que tenderão a aumentar perante um
possível agravamento da situação e da não resolução dos
problemas mais sentidos.
O desenvolvimento da situação
O ano de 98, particularmente o primeiro semestre, não vai ser um
ano fácil para os trabalhadores. Em primeiro lugar,
porque o Governo PS vai tentar conciliar a sua política de
serviço ao grande capital com o seu calendário eleitoral, já
que só em 1999 terão lugar as eleições legislativas.
Em segundo lugar, porque será nos primeiros meses do
ano que se negociarão os grandes contratos colectivos
sectoriais, num quadro em que as confederações patronais não
só vão querer bloquear os processos negociais, como exigir
alterações radicais à Lei da Contratação.
Em terceiro lugar, porque vai haver desenvolvimento na
ofensiva contra a Segurança Social e contra a legislação do
trabalho, assente em peças que vão emanar do chamado Acordo de
Concertação Estratégica, até aqui sustido pela luta em torno
das 40 horas.
Em quarto lugar, porque em conformidade com o Orçamento
do Estado de 98, o Governo vai proceder a uma nova escalada de
privatizações e tomar medidas de redução de direitos sociais
e laborais com vista a que o capital as receba
aliviadas de encargos sociais.
O que vai determinar a evolução da situação política e
social será a capacidade que as organizações sindicais e as
comissões de trabalhadores terão para desenvolver a acção e a
luta alicerçada no esclarecimento, consciencialização,
envolvimento e mobilização dos trabalhadores lá nos locais de
trabalho, lá nas empresas. Vai ser decisiva a dinâmica
reivindicativa que articule e contemple a questão dos salários,
dos horários, do emprego e dos direitos individuais e
colectivos.
Nenhum processo negocial, seja sectorial, seja institucional,
pode ter êxito se não for sustentado nas aspirações, no
conhecimento prévio e identificação dos trabalhadores com as
propostas e posições a assumir nas mesas negociais.
E esta orientação tem tanto mais validade e actualidade, quando
se verifica um esforço tenaz do Governo e da CIP para fazer uma
inversão de pirâmide, ou seja, determinar por cima
e levar a negociação institucional até ao nível da empresa,
eliminando a dinâmica e a acção reivindicativa, promovendo e
formando parceiros e negociadores responsáveis.
A luta e o seu desenvolvimento não é um factor ultrapassado,
antes continua a ser vital para não só defender como para
conquistar direitos que são profundamente sentidos pelos
trabalhadores.
E a luta e o seu desenvolvimento é tanto mais indispensável
quando, hoje, à escala nacional, europeia e mundial, os centros
de decisão do grande capital já não só questionam os
fundamentos do direito do trabalho (o conceito do horário, do
salário, das profissões, o direito de negociação e de
contratação), como até procuram pôr em causa a sua
legitimidade.
A profundidade e dimensão da ofensiva tem uma vastidão tal que,
em alguns países onde se promoveu e absolutizou a concertação
e a institucionalização de negociações, ressurge e renasce a
luta de massas que ultrapassa o conformismo e o recuo de
estruturas sindicais.
No nosso País, o exemplo dado pela CGTP e por toda a estrutura
sindical na luta pelas 40 horas, lançando, apoiando e
desenvolvendo uma acção pujante e mobilizadora, constitui não
só lição, mas também ensinamento para o futuro próximo. Provou-se
que a luta é o caminho, decerto bem difícil, mas o mais sólido
e seguro para transformar a realidade.