As eleições autárquicas, a democracia e o Poder Local




Luís Sá
Membro da Comissão Política

As eleições autárquicas, como a reunião do Comité Central do PCP de 16 de Dezembro assinalou, traduziram-se num resultado negativo para o PCP e a CDU que foi integral, corajosa e frontalmente assumido. Avulta nesse campo a perda de quatro importantes municípios na área metropolitana de Lisboa e da Península de Setúbal (Amadora, Vila Franca de Xira, Montijo e Sesimbra), de dois municípios no Algarve (Silves e Vila Real de Santo António), de dois municípios em Beja (Cuba e Odemira), de um município em Évora (Portel), de um município em Portalegre (Crato), de dois municípios em Santarém (Alpiarça e Golegã). Esta perda só foi parcialmente compensada com o triunfo em Moura, Monforte, Salvaterra de Magos e Vila Viçosa.
Ao mesmo tempo, porém, o PCP tem justas razões para rejeitar a brutal e descontrolada ofensiva dos que pretenderam apresentar o PCP como «o grande perdedor», a perda da CDU como sendo profunda e irreversível, ou a suposta bipolarização como inelutável.
Na verdade, a baixa da CDU quer em número de votos, quer em percentagem, foi reduzida, sendo ainda de salientar que a perda de algumas autarquias e também o facto de não ganhar outras foi em muitos casos tangencial, tal como tinha acontecido com algumas vitórias há quatro anos.
A tarefa, de resto, era difícil; basta lembrar que houve muitas situações em que para a CDU vencer se impunha duplicar ou mais a votação das eleições legislativas. De resto, recorde-se que nas eleições legislativas de 1 de Outubro de 1995 a CDU só foi maioritária em sete dos 49 municípios em que tinha a presidência.
Por outro lado, também importa assinalar que há casos de grandes subidas de votos e de mandatos da CDU, quer em situações de maioria, quer de minoria, que muitas vezes assumem um carácter verdadeiramente espectacular. Por mais que queiram os outros partidos ou supostos analistas, a CDU continua a ser uma grande força no poder local tendo, como tem, 41 presidências de municípios, 279 presidências de freguesias, 236 mandatos em câmaras municipais, 798 mandatos em assembleias municipais, 2 730 mandatos em assembleias de freguesia.

Tendências perversas

As eleições autárquicas, de resto, revelaram ou acentuaram algumas tendências perversas que vão muito para além dos efeitos imediatos que agora foram produzidos.
Em primeiro lugar verificou-se uma forte tendência para a promiscuidade intensa e sem escrúpulos entre poder e partido no poder, que os resultados parecem, em muitos casos, ter premiado. Trata-se de uma verdade sobre a qual o Governo e os dirigentes do PS deveriam ter a coragem de reflectir. Um crime que compensa não deixa de ser crime e de ser reprovável. Foram numerosas as situações, entre muitas outras, em que foi prometida a solução de problemas com base nas amizades de candidatos com membros do Governo, insinuando que seria normal este funcionar na base de influências, pedidos e afinidades pessoais ou partidárias.
Não há Estado de Direito democrático que possa assentar na base da distribuição de favores e da discriminação de quem não tem uma posição afecta ao poder ou ligações com os que o detêm. Não é legitimo assentar políticas na distribuição selectiva de investimentos e na solução preferencial de problemas onde seja considerado que o eleitorado merece o prémio por ter votado PS. Há comportamentos que até podem ser rentáveis do ponto de vista eleitoral, ao menos no curto prazo; mas fica sempre a convicção de que nada disto é compatível com os direitos fundamentais, a justiça, a imparcialidade e outros princípios democráticos essenciais.
Uma outra questão que se coloca neste contexto é o absurdo centralismo do Governo que continua a determinar a vida política do país, embora e ao contrário, tenham avultado frequentemente, como grandes temas «autárquicos» assuntos que são da inteira responsabilidade do Governo. Houve campanhas conduzidas nas áreas metropolitanas em torno de matérias como a segurança das populações, a toxicodependência ou questões de acessibilidades e transportes da estrita competência governamental. Houve campanhas conduzidas em áreas rurais essencialmente em torno da política económica, da carência de investimentos e da regressão demográfica que se verifica em todos os municípios de algumas regiões, independentemente de quem tem a maioria, apesar de todas as tentativas de autarquias da CDU para contrariar o atraso e o subdesenvolvimento.
Para além disto, há a registar a cobertura mediática da campanha eleitoral que, em muitos casos, se assemelhou a uma campanha de eleições legislativas, ou assentou em casos de alegada corrupção ou irregularidades com vista a insinuar que não existiriam diferenças entre partidos e «políticos», que todos seriam iguais. Por outro lado, frequentemente, a cobertura da campanha centrou-se em questões nacionais, parecendo pretender assumir uma concepção que o que é local ou especificamente autárquico é desinteressante. Este tipo de comportamento visava, evidentemente, estimular a abstenção e o alheamento, em particular dos que pudessem acreditar em projectos ao serviço da democracia participativa e dos mais desfavorecidos.
Além disso, acentua-se o efeito do desmantelamento de grandes unidades empresariais, ao mesmo tempo que nos concelhos da periferia das áreas metropolitanas se vão multiplicando dormitórios, no quadro de um crescimento rápido, em que muitas vezes os novos residentes não têm contacto com o trabalho da câmara ao longo dos anos.
Aconteceu também um crescimento enorme das despesas e da sofisticação dos recursos e técnicas de marketing, aproximando campanhas eleitorais de campanhas publicitárias de empresas e tornando este tipo de sufrágio semelhante ao velho sufrágio censitário num aspecto: com uns e com outros são os mais ricos e poderosos que participam na actividade e intervenção política com mais meios.

Um projecto e uma força credível e alternativa

É certo que é nas condições difíceis que estão criadas que o PCP tem que lutar e que é nelas que tem que encontrar os caminhos para manter e tentar alargar a sua intervenção política e eleitoral. Mas, a par de todos os erros e dificuldades de enfrentar a situação e até do crescimento de deficiências orgânicas, o PCP e a CDU continuam a apresentar-se como forças portadoras de uma proposta de gestão autárquica capaz de dar resposta de forma continuada e consistente às aspirações de bem-estar, desenvolvimento e progresso locais. Um projecto para confirmar e desenvolver nas autarquias onde hoje já é a força responsável pelos seus destinos. Um projecto e uma força credível para se apresentar como alternativa, e assim estender a novas freguesias e municípios do País a gestão à sua responsabilidade.
Um projecto que integre a garantia de defesa intransigente dos interesses populares, que faz do voto e apoio à CDU em todas as situações um factor essencial para um funcionamento transparente e democrático de cada autarquia.

Para tal impõem-se medidas de reforço do trabalho, de articulação dos diferentes níveis de acompanhamento do trabalho nas autarquias, do esforço de ligação dos eleitos com as massas, de troca de experiências entre eleitos de cada região e de procura de novas formas de implantação do Partido no movimento popular. E impõem-se, igualmente, medidas de reforço do trabalho e da organização do Partido a todos os níveis, tendo em conta que os resultados eleitorais são não só fruto do trabalho do Partido nas autarquias, mas também fruto do trabalho e da organização a todos os outros níveis.


«O Militante» Nº 232 - Janeiro / Fevereiro - 1998