O IV Congresso do PCP visto 50 anos depois *
O IV Congresso do Partido Comunista Português, realizado em
Julho de 1946, teve importância e significado muito
particulares.
Por três razões. Por se realizar num momento crucial da história do século XX. Por traduzir um dos períodos de mais força e influência do PCP na luta contra a ditadura. Pelas múltiplas experiências e lições que resultam das suas análises, orientações e decisões.
Justifica-se a edição dos materiais do Congresso, tanto pelo seu valor como elemento para o estudo da história como pela vitalidade e actualidade de alguns dos seus ensinamentos. (...)
Aqui fica pois, com esta edição, um dos
mil e um testemunhos da luta sem paralelo do PCP ao longo dos 76
anos da sua existência. Contribuição para o estudo da
história do PCP que é também por si um elemento da história
do povo português e de Portugal. (...)
Democracia e independência nacional, objectivos inseparáveis
(...) Lidos neste findar do século, os documentos do IV
Congresso têm só por si elementos bastantes para desmentir a
actual campanha de branqueamento de Salazar e da ditadura. São
colóquios, artigos, volumes, programas, tudo a tentar
"provar" que em Portugal não houve uma ditadura
fascista e que Salazar e o "anterior regime" eram
caracterizados pela brandura e a tolerância. No desmentido que
dá a essas opiniões, o Informe Político ao IV Congresso parece
um documento actual.
O IV Congresso não deixa no vago o que o PCP entendia pela conquista da liberdade e da democracia. No concreto: "o derrubamento do fascismo, a instauração das liberdades democráticas fundamentais e a realização de eleições livres" (Informe Político IV. 7). Em várias passagens, concretiza e explicita quais são as liberdades democráticas fundamentais - manifestar livremente as suas opiniões pela palavra ou por escrito, poder reunir-se, poder organizar-se segundo as afinidades ideológicas.
Explicita também condições para se consideraram "eleições livres" através das quais o povo possa "escolher livremente os seus governantes e a forma de governo": "sufrágio universal", recenseamento, liberdade de imprensa, propaganda eleitoral livre, incluindo assembleias e comícios, fiscalização da votação e dos resultados.
E para a realização de tais eleições, como condição prévia, a constituição de "um Governo de Concentração Nacional, um governo de unidade com representantes de todas as correntes políticas nacionais, incluindo, naturalmente, o nosso Partido (Informe Político, III.7).
Esses objectivos, constantes da luta do PCP contra a ditadura, viriam a aparecer desenvolvidos no Programa aprovado no VI Congresso realizado em 1965. O Programa explicita as liberdades, incluindo a da formação de partidos políticos, indica a necessidade da formação de um Governo Provisório "no qual estejam representadas as forças democráticas e patrióticas designadamente o partido da classe operária, o Partido Comunista Português" e coloca como "tarefa principal" desse governo "a instauração das liberdades democráticas" e "a realização de eleições livres para uma Assembleia Constituinte (Programa do PCP, II).
É útil relê-lo e relembrá-lo para também a este respeito desmentir os actuais falsificadores da história. E relembrar ainda que tais objectivos foram reafirmados desde a primeira hora (literalmente: desde a primeira hora) da Revolução de Abril e que nenhuma outra força política mais que o PCP se empenhou para que fossem alcançados.
No que respeita à luta pela independência nacional, o IV Congresso salientou que os trabalhadores, a sua luta e seus objectivos de classe e o povo e a sua luta pela democracia se identificam com a nação; e que os fascistas se divorciam dela. O carácter patriótico, sempre afirmado, da luta do PCP aparece como um dos eixos da sua política. Uma vez mais, desmentindo as infindáveis falsificações da história correntes na actualidade, a identificação dos comunistas com a "pátria" é explicitada no IV Congresso como em numerosos outros momentos da história do Partido. O PCP é animado, sublinha o IV Congresso, pela "defesa dos interesses do povo e da nossa pátria".
De notar, talvez como a principal deficiência dos documentos do IV Congresso, a breve abordagem do problema colonial.
É certo que o III Congresso, realizado três anos antes, sublinhou que "não é livre um povo que oprime outros povos" e desenvolveu princípios fundamentais relativos à condenação do colonialismo e ao direito dos povos das colónias portuguesas à autodeterminação e independência" (Informe político, cap. "Aliança com os povos coloniais").
Ter-se-ia justificado que o IV Congresso continuasse a dar igual relevo em tão importante questão.
O IV Congresso condena entretanto o falso patriotismo da ditadura identificado com a exploração e opressão colonial, com o "império", com a afirmação de que Portugal e a nação portuguesa iam "do Minho a Timor". O IV Congresso acusa a ditadura de "manter os povos coloniais em regime de escravatura" com "levas de escravos de colónia para colónia, condenando-os à morte", com "o saque dos pequenos agricultores indígenas", os castigos corporais e desrespeito pela vida dos negros", "a hostilização a costumes e religiões", "o fomento de ideias de ódio racial". O Congresso indica medidas concretas. Defende "a ajuda fraterna do povo português aos povos das colónias" (Informe Político, II. 5). E a "Resolução" do Congresso define como tarefa imediata "a criação de núcleos partidários nas colónias portuguesas", sendo "o seu principal objectivo [...] a organização dos povos indígenas a sua movimentação na defesa dos seus interesses vitais".
Com tal orientação, o PCP deu uma contribuição directa e apoio constante à formação, organização e desenvolvimento da luta pela independência dos povos das colónias portuguesas.
Só porém, no V Congresso, realizado em 1957, se aprofunda a questão e o PCP proclama "o reconhecimento incondicional do direito dos povos das colónias de África dominadas por Portugal à imediata e completa independência".
Depois coube ao VI Congresso, realizado em
1965, inscrever, como um dos 8 objectivos fundamentais da
revolução antifascista, "reconhecer e assegurar aos povos
das colónias portuguesas o direito à imediata
independência" (I.7) com soluções diferenciadas para
Macau (integração na China) e Timor (autodeterminação e
independência). Pela sua parte, coerente com os objectivos
assumidos, o PCP cumpriu com honra esta tarefa de alcance
histórico.
* Do Prefácio de Álvaro
Cunhal ao livro IV Congresso do Partido Comunista Português,
I volume, O Caminho para o Derrubamento do Fascismo,
Álvaro Cunhal (Duarte), Edição "Avante!", Lisboa,
1997.
«O Militante» Nº 231 de Novembro/Dezembro de 1997