Princípio
do fim do regime fascista
IV Congresso do PCP
Por Armando Pereira
da Silva
Jornalista
«Na luta pelo pão e pela liberdade contra a ditadura, os
trabalhadores reencontraram a pátria» escreve o camarada
Álvaro Cunhal no importantíssimo prefácio à edição do
Informe Político do Comité Central ao IV Congresso do PCP,
realizado em 1946 *. E cita aquele documento: «Lutando contra o
fascismo o povo português aprendeu a cantar a Portuguesa
e aprende a empunhar a bandeira nacional. E é o fascismo que
arranca as bandeiras das mãos do povo e faz calar as vozes que
cantam o hino da nação.»
A natureza profundamente portuguesa do
Partido, a sua identificação umbilical com as massas populares
e a classe operária e com os seus problemas fica assim
assinalada de forma inequívoca. O IV Congresso, segundo reunido
na clandestinidade num momento político crucial resultante da
derrota do fascismo na guerra, tem uma importância enorme tanto
para o Partido como para o futuro do País. O III Congresso
confirmara, digamos assim, o complexo processo de
reestruturação do PCP feito no princípio da década de
quarenta. O IV analisou os frutos concretos dessa
reestruturação e, reflexo evidente de um dos períodos mais
pujantes da vida do Partido, definiu uma estratégia política
geral e autónoma que, com as correcções e aprofundamentos
seguintes, abriu efectivamente o caminho para o derrubamento do
fascismo, 28 anos depois.
Clarificações
O longo prefácio que o camarada Álvaro Cunhal escreveu no
Verão em 1997 para esta edição é uma peça antológica com
vista à fixação crítica de um período importante da
história do Partido. Autor do Informe ao IV Congresso,
colou-lhe agora a sua análise, enriquecida pelo
distanciamento, da situação política então existente no mundo
e no País, estabelecendo uma ponte crítica incontornável entre
esse passado, o período decorrido até ao 25 de Abril de 1974 e
a situação actual. Ficam assim clarificadas de forma exemplar
muitas das posições aparentemente mais controversas do Partido,
a correcção dos seus desvios de percurso, os confrontos
ideológicos, no interior do Partido e com outras forças do
campo democrático, o seu relacionamento nem sempre fácil,
porque baseado em critérios firmes de independência, com o
movimento comunista internacional. Neste contexto, é claramente
assumida a resposta a todos quantos, mesmo que reivindicando-se
do pensamento democrático, persistem nos nossos dias em
branquear a ditadura fascista e adulterar a própria história do
PCP.
É exemplar o enquadramento político e
ideológico de um manancial enorme de factos e informações
resultantes e relacionados com os grandes temas do IV Congresso.
É o caso da análise à política de alianças e afirmação do
Partido num período riquíssimo durante o qual foram criados o
MUNAF, o MUD, o MUD Juvenil e se desenvolveram grandes lutas
políticas e sociais sob a orientação do Partido, no
cumprimento de uma estratégia que se manteve até hoje; à
inseparabilidade dos objectivos de democracia e independência
nacional; à adequação da via para o levantamento
nacional de massas, mais tarde aprofundada e traduzida no
conceito decisivo de revolução democrática e nacional; da
valorização dos êxitos e progressos e do reconhecimento dos
erros como factor de aprendizagem; à política de unidade da
classe operária como base da unidade antifascista; ao carácter
essencial da luta de massas; ao papel determinante da
organização; à definição da ideologia de classe como
ideologia do Partido, fazendo do PCP um Partido leninista
definido com a experiência própria.
Identidade comunista
À luz da realidade actual, assume um significado particular este
último aspecto da análise de Álvaro Cunhal. Trata-se daquilo a
que o camarada chama a identidade comunista do
Partido, que põe em confronto com numerosos exemplos de
capitulação ou cedência às pressões da ideologia
capitalista, verificadas em vários partidos comunistas de outros
países e confirmadas dentro do próprio PCP, nomeadamente após
o desaparecimento da União Soviética. De facto, «a
contestação da identidade comunista no movimento comunista
internacional não aparece apenas expressa nestes casos de
ruptura de triste memória» - lembra Álvaro Cunhal. - «Aparece
com frequência em numerosos partidos, na segunda metade do
século XX, em afloramentos ideológicos, em omissões
significativas, em orientações avulsas, que contestam ou
contrariam os três elementos fundamentais da identidade
comunista: natureza de classe do partido, ideologia, objectivo da
construção da sociedade socialista».
Também neste campo, as lições do IV Congresso, realizado há 50 anos, são de reter: «O IV Congresso foi exemplo confirmado em numerosas ocasiões, e 50 anos mais tarde no XV Congresso, de como os comunistas portugueses, nas situações mais complexas, têm sabido defender a identidade comunista e com ela o futuro comunista do seu Partido». Justifica-se que assim seja, quando tantos «cantam a vitória histórica do capitalismo que têm por definitiva»? Álvaro Cunhal responde que a realidade é outra. «O capitalismo atravessa uma crise profunda e confirma, não só ser incapaz de resolver os problemas da humanidade, como a sua política conduz a agravá-los. (...) Nunca ideólogos e propagandistas definiram de maneira tão falsa e idealizada as características, as realidades e as perspectivas de desenvolvimento da sociedade, como fazem os novos teóricos e propagandistas do capitalismo. (...) A fantasia é tanta, a sociedade assim falsamente descrita é tão idealizada e irrealista no seu presente e na perspectiva do seu futuro, que se pode dizer que o capitalismo, desacreditado e abalado por uma crise profunda, inventa a sua própria utopia.» Ora, como o capitalismo mantém a sua natureza exploradora, opressora e agressiva, contra ele continua e recrudesce a luta dos trabalhadores e dos povos. «Os trabalhadores não podem dispensar um partido completamente independente dos interesses e da influência ideológica da burguesia e corajoso, dedicado e convicto. O ideal comunista, esse não é uma utopia. Continua a ser válido e com futuro. Onde desapareçam partidos comunistas, os trabalhadores e os povos criá-los-ão de novo, com esse ou outro nome, com inevitáveis diferenças, mas com essas características essenciais». Com identidade comunista, porque «não é ao capitalismo mas ao comunismo que o futuro pertence».
Trata-se de um imperativo histórico
consagrado pelos comunistas portugueses há mais de 50 anos, no
seu IV Congresso. E ainda não houve ventos e marés capazes de o
apagar do seu ideário. Esta é uma das linhas de força do livro
em apreço. Mas, numa recensão curta e indicativa como esta, é
impossível dar uma ideia absoluta da importância da reflexão e
da riqueza ideológica e informativa do texto de Álvaro Cunhal.
Imperioso é lê-lo, de fio a pavio.
* Álvaro Cunhal (Duarte), O Caminho para o derrubamento do
fascismo, Informe Político do Comité Central ao IV Congresso do
Partido Comunista Português, I Volume. Cadernos de
História do PCP, série especial, nº 6. Editorial Avante!,
Lisboa, 1997.
«O Militante» Nº 231 de Novembro/Dezembro de 1997