Perspectivas de contratação colectiva
No quadro da luta reivindicativa!

Por António Quintas
Dirigente da CGTP
Membro da célula do PCP na CGTP




Vai iniciar-se um novo impulso da luta reivindicativa, num quadro em que a ofensiva patronal aos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores tem como estímulo a política anti-social do actual Governo que contribui, por opção ideológica, para o desequilíbrio da relação de forças a favor do capital.

Isso acontece no final de um ano em que se realizaram inúmeras e duras lutas que caldearam a confiança e a determinação do movimento operário e sindical.

Basta ver-se quais as medidas do designado acordo estratégico (que a Central dos Trabalhadores não assinou) que visam alterações às leis sobre férias, contratos a prazo, lei do horário de trabalho, retribuição, recibos verdes, etc., que não foram concretizadas, não porque os comparsas divergissem quanto aos malefícios a causar aos direitos dos trabalhadores, mas porque a luta destes tornou arriscada a oportunidade.

Propósitos e condicionamentos à livre negociação

Aproximando-se a altura de elaborar novas propostas para a revisão dos vários contratos colectivos, Governo e patronato unem esforços para estabelecer condicionalismos à livre negociação, com o patronato a apregoar que os contratos estão desajustados porque as organizações da Inter não querem revê-los; com Governo e patronato a constituírem as tradicionais barreiras psicológicas em torno dos referenciais salariais; com a crescente precarização dos contratos de trabalho e o recurso a todo o tipo de ilegalidades por parte do patronato (designadamente a discriminação salarial).

Fazer a radiografia e agir

É sabido que as causas do bloqueio negocial de muitos contratos não estão sequer na divergência quanto aos valores salariais, mas tão somente no conteúdo concreto dos propósitos patronais.

Horários de trabalho e organização do tempo de trabalho, descaracterização e desqualificação das profissões, eliminação de tudo o que seja a participação ou simples auscultação das organizações sindicais na vida das empresas e reforço do poder discricionário patronal nos direitos específicos das mulheres, faltas, férias e pagamento de horas extras (diminuição ou nem sequer o seu pagamento) constituem as razões porque as organizações sindicais intervenientes recusam pôr a sua assinatura. É que, assinando estas pretensões patronais, atentariam contra o que não é propriedade sua, património colectivo dos trabalhadores abrangidos, que a luta conquistou e os dirigentes sindicais e patronais formalizaram sob a forma de cláusula contratual.

Evoca o patronato (e escreve o Ministério em estatísticas ao gosto patronal) que, na sua maioria, os acordos são feitos pelas organizações divisionistas. A questão continua a ser, não tanto o de saber se se assina ou não, mas o que se assina. Duma forma geral, os divisionistas subscrevem a eliminação de direitos de contratos conquistados por organizações que com eles não se identificam, contratos aliás muitos deles negociados durante a ditadura fascista. O cuco quando põe o ovo no ninho alheio não vira seu proprietário.

A excepção aos contratos colectivos estabelecidos por organizações representativas foi a Brisa, caso em que o patronato evocou razões de ética para recusar a negociação com as organizações da Inter “enquanto os outros não concordassem”.

A resposta dos trabalhadores, filiando-se em massa nos Sindicatos do Comércio, obrigaria a empresa a ter de negociar com quem de direito e representativo dos interesses de classe daqueles trabalhadores.

Fica contudo este exemplo, para mostrar como o patronato mandou a ética para o caixote do lixo quando em todos os outros contratos meteu organizações submissas sem dar contas aos subscritores, enquanto na Brisa a ética era questão de “honra”.

Fica a prova para os que pensam que os problemas de bloqueio são de natureza legislativa ou administrativa ou de interpretação. O patronato não tem dúvidas em subordinar tudo isso aos seus interesses de classe.

Resistir ou capitular face aos direitos, a troco duma actualização salarial?

Sempre que um processo fica bloqueado, sem acordo, há quem se interrogue se, face ao recurso à discriminação que o patronato irá tentar fazer, não se perderão associados.

A vida já provou que, como em todas as lutas de resistência, há uma ou outra baixa (quase sempre substancialmente superada com novas adesões). Mas mesmo que, por absurdo, nos abstraíssemos dos princípios e até da nossa dignidade dispondo-nos à rendição dos direitos, ela daria maiores perdas.

Muitos são os casos de resistência que só aqui não se referem para que não se cometa a injustiça de omissão. E se algum ensinamento se pode extrair é que nos casos em que o patronato colocou em causa tal ou tal direito numa convenção isso provocou uma maior vigilância dos trabalhadores e, consequentemente, uma melhor aplicação prática do direito ameaçado. A vida demonstrou que o caminho mais sólido e seguro para defender os direitos é exercê-los e melhorá-los.

Simultaneamente impõe-se uma maior iniciativa e empenhamento na luta reivindicativa nas empresas e nos locais de trabalho, para que, resolvidos os salários, o patronato fique sem essa arma de chantagem e articulando ainda com a luta reivindicativa as questões do emprego e da segurança no emprego, os horários e, em geral, o exercício dos direitos. Importa igualmente tratar da direcção desses processos reivindicativos nos locais de trabalho porque se os sindicatos procuram aí resolver os salários, o patronato procura obter nas empresas as cedências aos direitos para as usar como bandeira em todo o sector e até para pressionar a alteração das leis de trabalho.

A cura passa por ir às raízes e aos destinatários dos direitos

Sempre que um processo se bloqueia a um nível sectorial ou nacional, a via para a solução tem de ser encontrada para baixo. É da história da negociação colectiva.

Se em 1969 o fascismo foi obrigado a consagrar em lei a negociação ao nível dos sindicatos foi porque em 1968 a luta reivindicativa nos locais de trabalho a isso o obrigou, convencido o ditador de que a assinatura do contrato sectorial estabelecia tréguas por algum tempo.

Mas logo no ano seguinte procurava, através da lei, criar restrições ao direito de contratação que, por isso, estaria na Ordem de Trabalhos da 1ª reunião Intersindical de 1 de Outubro de 1970.

Agora a situação não é diferente. Se determinada associação patronal ou administração de empresa recusa negociar, será na razão directa da desestabilização que isso provocar nos locais de trabalho, que será levada a concluir que o melhor será viabilizar a negociação e o acordo.

Dificuldades existem, é um facto! Mas se mesmo na ditadura fascista foi possível usar a força da luta, agora muitas mais formas se poderão utilizar, como escreveu o camarada Sérgio Ribeiro, quando em 1971, corajosa e dedicadamente, foi árbitro pelos trabalhadores no contrato da Metalurgia: “o que contará para o desfecho é a força que os trabalhadores conheçam (e façam conhecer) que têm!”

Muitas são pois as dificuldades. Muitas mais são as formas de luta e de acção para levar o patronato ao acordo.

A questão dos referenciais e a necessidade da elevação dos salários

É sabido que, no quadro da batalha ideológica do patronato e sucessivos governos ao serviço dos seus interesses exploradores, o bombardear de referenciais sobre uma dada percentagem limite que fixar na denominada concertação uma barreira psicológica destinada a conseguir o objectivo político de diminuição de salários. Veja-se o recente anúncio do Governo PS de dois vírgula qualquer coisa para a Administração Pública. Sendo inaceitável por se tratar de percentagens baixas, é necessário que em cada caso se encontrem as formas de abstracção dessas barreiras psicológicas, que cada sector ou empresa encontre a melhor maneira de envolver os trabalhadores na assunção da sua reivindicação, bem como na denúncia, no protesto e na luta, face à insuficiência das propostas do patronato e do Governo.

O que já está testado é que se dissermos que um determinado patrão respondeu com 2% para o “aumento” dos salários, um trabalhador que ganhe 80 contos/mês é levado a raciocinar que já faltará pouco para o que o Governo quer.

Mas se em vez de divulgar os 2% da contraproposta patronal o Sindicato fizer as contas e divulgar que a proposta patronal é de 1600$00/mês, ou ainda que é menos de 80$00/dia, então a injustiça da insuficiência real da proposta não deixará de gerar o protesto e subsequente mobilização e disposição de luta.

Rebuçados eleitorais ou adoçantes?

Este Governo está muitos pontos à frente de qualquer antecedente quanto à capacidade (despudor) de manipulação, apresentando como justo o que injusto é, como subida o que baixa e como baixamento o que sobe.

Vem isto a propósito das eleições que se avizinham e que geralmente proporcionam alguns rebuçados para caçar votos com ulterior factura pós eleitoral.

Foi precisamente o caso de 1981, ano em que se fixou o conteúdo actual da maioria dos contratos existentes. A factura viria em 82, dando origem às duas grandes greves gerais.

Neste momento o Governo proclama o crescimento económico, que sabemos sustentado quase só no leilão das privatizações, onde já é efectivamente visível o crescimento da carteira dos privados que assaltaram as empresas ou bancos.

Mas uma campanha sobre o apregoado crescimento económico há que ter correspondência efectiva numa mais justa repartição do rendimento nacional com uma subida substancial dos rendimentos do trabalho. Usemo-lo como argumento!

Com um ano recheado de lutas, as férias só podem ter servido para retemperar forças, avizinhando-se, até ao fim do ano, o incrementar da luta reivindicativa nos locais de trabalho a que se conjugará a luta pela negociação colectiva. Essa luta, encabeçada pelos comunistas, será um enorme contributo para um resultado positivo da CDU nas eleições de Dezembro.


«O Militante» Nº 231 de Novembro/Dezembro de 1997