O governo PS e as privatizações
A ofensiva privatizadora de destruição do sector público é
uma vertente essencial da política de direita dos últimos anos,
orientada para a reconstituição do poder do grande capital.
Com o Governo PS entrámos numa nova fase desta ofensiva que tem consequências muito negativas para a economia, a vida e a soberania nacional.
Como contributo para a compreensão do significado das privatizações e estímulo à dinamização da luta em defesa do sector público, O Militante inicia com a publicação deste trabalho sobre as privatizações e o Governo PS, elaborado no quadro da Comissão Coordenadora de Sectores e Empresas de âmbito nacional e pluridistrital, uma abordagem mais detalhada sobre estas questões de grande importância e actualidade.
1 As privatizações, a ofensiva para a
destruição do sector público, integram uma acção de
recuperação capitalista e de destruição das grandes
transformações da Revolução de Abril, que visa a
reconstituição do capitalismo monopolista de Estado, o domínio
da economia e da vida nacionais por alguns dos grandes grupos
económicos que foram o sustentáculo do regime fas-cista e pelo
capital estrangeiro, cuja penetração e domínio atingiu níveis
como até agora não se tinha verificado em Portugal. É um
processo iniciado pelo PS em 77, durante o seu primeiro Governo,
e que constitui uma das páginas mais negras da história recente
do nosso País. Passados 20 anos de sucessivos Governos - PS,
PS/CDS, PSD/CDS, PS/PSD, PSD - todos orientados pelos mesmos
interesses de classe, aí temos novamente o PS a procurar
completar o que iniciou em 77. Defraudando as expectativas
daqueles que acreditaram na mudança, a fúria privatizadora do
Governo não tem limites. A alteração da Constituição da
República, na base do acordo PS/PSD, que eliminou a
obrigatoriedade da existência de um sector público da economia,
é reveladora dos seus objectivos e constitui em si um
significativo elemento desta ofensiva, associado à aprovação
de uma nova lei de delimitação dos sectores que reduz os
sectores reservados ao Estado a uma expressão nula.
Trata-se de um caminho ditado pelas opções de classe do PS, em sintonia com as ondas da privatização à escala mundial, e pelo objectivo da entrada na moeda única, com o Governo a promover o encaixe de dinheiro a todo o custo, mesmo com o recurso à venda do património e de alavancas essenciais para o desenvolvimento do País.
2 Nada escapa. Cimentos, química, petroquímica, siderurgia, estaleiros navais, adubos, celuloses, tabacos, indústrias de defesa, banca, seguros, petróleos, gás, electricidade, telecomunicações, águas, recolha e tratamento de resíduos, transportes rodoviários, ferroviários e aéreos, aeroportos, estradas, auto-estradas, portos, silos portuários, dragagens, comercialização de cereais, matadouros, segurança social, hospitais, tudo está ou pode estar na lista do PS para entregar ao grande capital e às multinacionais.
Durante o ano de 96 o Governo PS privatizou importantes empresas, entre as quais se encontram a Companhia Nacional de Petroquímica; a Portugal Telecom (2ª fase) com venda de 27% do capital, perfazendo 49% de capital privado; o BFE com venda directa de 65% do capital, reduzindo a 3,5% a percentagem do Estado; a Cimpor (2ª fase) reduzindo o capital do Estado de 80% para 35%; o Banco Totta e Açores, com venda dos 13,2% de capital do Estado que restavam; a Tabaqueira, com venda de 65% do capital à Philip Morris e Grupo Jorge de Melo; a Agroquisa, com venda dos 10% ainda na posse do Estado; o Banco Comercial dos Açores (1ª fase), com venda de 56% do capital ao BANIF e (2ª fase) mais 10% do capital social vendido em OPV, reduzindo o capital do Estado (Região Autónoma dos Açores) a 34%.
Para 97, além da "venda" da Setena-ve ao grupo Mello no âmbito do negócio da Lisnave, da privatização de 30% da EDP e da Quimigal, o Governo tem em marcha a 3ª fase da privatização da Portugal Telecom (com a redução do capital do Estado de 51% para 26%), a concretização da privatização da Petrogal (com a perda da maioria do capital pelo Estado e a entrada da Saudy Aramco) e fala na possibilidade de privatizações na Transgás, na Portucel Industrial, no BFE (os 3,5% que restam), na Brisa (cerca de 30% do capital).
Do plano de privatizações até 99 constam ainda: a Cimpor (conclusão da privatização ficando apenas cerca de 10% do Estado); Grupo Portucel; Siderurgia Nacional-Serviços; Estaleiros Navais de Viana do Castelo; Tabaqueira (2ª e 3ª fases); ANA; TAP; Brisa; Silopor; Tertir; GDP; EPAC; Companhia das Lezírias; PEC SGPS; Dragapor. A estes objectivos assumidos, há que juntar sectores da administração pública, áreas da administração local e dos es-tabelecimentos fabris das forças armadas.
Por outro lado as "lebres de serviço" à propaganda privatizadora não perdem tempo. Ainda esta fase está em curso, e face à perspectiva de acabarem as empresas a privatizar, começam a falar da chamada "segunda fase das privatizações" em que o Estado já não vende companhias, vende a operação de um determinado serviço, procurando assim preparar o terreno para a privatização de novas áreas, dos hospitais às prisões num processo a que nem os rios escapam e que tende a liquidar todo o património público.
3 O Governo PS procura justificar este caminho e desenvolve uma vasta ofensiva ideológica e de propaganda, dizendo que as privatizações favorecem o País, contribuem para a redução da dívida pública libertando verbas para as despesas sociais, promovem a disseminação do capital transformando clientes em accionistas, que os trabalhadores serão beneficiados, que os portugueses ficarão a ganhar. Ofensiva que tem como alvo particular os trabalhadores das empresas e sectores a privatizar - que têm sido o principal elemento de resistência às privatizações -, com o objectivo de neutralizar essa resistência e de comprar o seu silêncio. Uma peça essencial neste processo tem sido a reserva de "tranches" de acções para os trabalhadores e mesmo a disponibilização de verbas a fundo perdido, desde que utilizadas exclusivamente para a compra de acções.
Os eventuais ganhos imediatos não compensam os perigos e consequências negativas a prazo, aspecto que é importante evidenciar, sem que se considere no actual contexto a recusa à compra de acções como forma de luta contra as privatizações.
4 As privatizações traduzem-se no domínio do poder político pelo poder económico e em ameaças à soberania e à independência nacional, com a transferência para o exterior de importantes centros de decisão.
Ao contrário do que diz a sua propaganda, o Governo está a delapidar o património do País, em benefício dos grandes grupos económicos nacionais e estrangeiros.
Só a EDP e a Portugal Telecom nos últimos três anos deram, em conjunto, 306 milhões de contos de lucro e pagaram mais 240 milhões de contos de impostos (que muitas empresas privadas não pagam). Entre lucros e impostos são mais de 540 milhões de contos, possibilidades de receitas que o Governo abandona a troco do encaixe imediato de verbas que nem de perto compensam os recursos perdidos.
O sector privado tende a fugir ao pagamento dos impostos. A larga maioria das empresas declara prejuízos para não pagar impostos, do mesmo modo que os grandes grupos capitalistas conseguem incentivos e recorrem a expedientes do mais diverso tipo.
Em 96, só a Portugal Telecom, com 54,9 milhões de contos de lucro, pagou mais impostos sobre lucros ao Estado (49,3 milhões de contos) do que os dezassete principais bancos que, com 173,2 milhões de contos de lucro, apenas pagaram 42,6 milhões. No próprio sistema bancário é evidente a diferença no pagamento de impostos sobre lucros entre os bancos públicos e privados. O único grupo bancário público CGD/BNU, cujos lucros representaram 28,8% dos lucros dos bancos referidos, pagou cerca de 60% dos impostos sobre lucros da totalidade desses mesmos bancos.
Há empresas subavaliadas, vendidas por menos de metade do que realmente valem, beneficiando grandes grupos económicos em centenas de milhões de contos. Comparando os valores na base dos quais foram feitas as privatizações e os valores que têm na bolsa, só nas privatizações da Portugal Telecom e da EDP até agora efectuadas, o Estado Português foi lesado em mais de 500 milhões de contos - 370 milhões na Portugal Telecom e 187 milhões na EDP. As acções da EDP atingiram na bolsa no dia a seguir à privatização um valor 50% superior àquele porque foram vendidas.
A Portugal Telecom é também um processo exemplar. O seu valor começou por ser estimado, por entidades internacionais, em 1200 milhões de contos; em 94, o então presidente do conselho de administração - Todo Bom - avaliava a empresa entre 800 e 1000 milhões; em 95, a 1ª fase da privatização é feita na base de um valor de 565 milhões e, em 96, a 2ª fase é feita na base de 650 milhões. Hoje é avaliada, por um dos consórcios, para a 3ª fase da privatização em 1500 milhões de contos.
Há milhões de contos gastos em propaganda e em outros aspectos das operações de privatização. Só na operação da 2ª fase da privatização da Portugal Telecom foram gastos 4,2 milhões de contos e na propaganda da privatização da EDP foi gasto cerca de um milhão de contos.
As privatizações constituem uma grande operação de transferência do património público para o controlo do grande capital. Em documento de balanço realizado em 96, constata-se que 99% dos accionistas dispõem de menos de 1% do capital social das empresas privatizadas.
As privatizações significam mais desemprego e menos direitos. É o encerramento de empresas, a liquidação de milhares de postos de trabalho, a precarização dos vínculos laborais, o desrespeito pelos direitos dos trabalhadores, o agravamento da exploração. Na EDP foram reduzidos os postos de trabalho de 23000 para 15000 e anunciada a redução de mais 5000 que, seraficamente, o presidente da administração diz serem "apenas" 2500. Entretanto passou a haver milhares de trabalhadores a recibo verde. A Portugal Telecom liquidou 4500 postos de trabalho desde 94 e anunciou o propósito de reduzir 1000/ano até ao ano 2002, isto é, reduzir mais 5000. Entre muitos outros exemplos destacam-se também a redução de 7000 postos de trabalho em apenas oito bancos, de 4800 na Portucel e de 3300 na Siderurgia Nacional.
As privatizações significam serviços piores e mais caros.
Com a subordinação do desenvolvimento do País e de serviços essenciais ao critério do lucro, com o abandono do que não dá lucro a ser suportado pelo Orçamento do Estado, com a degradação e o encarecimento de serviços, principalmente nas regiões menos desenvolvidas, as privatizações prejudicam o desenvolvimento económico e social do País.
As privatizações têm significado e significam em Portugal e em outros países: a eliminação de carreiras rodoviárias; chamadas telefónicas mais caras; aumento dos custos dos serviços postais; eliminação de postos de correio; fim da distribuição diária e ao domicílio do correio em zonas com menos habitantes; manutenção de elevadas e injustificadas tarifas de electricidade nos consumidores domésticos; aumento das tarifas da água; redução dos piquetes de emergência e assistência.
5 Com as privatizações perdem os trabalhadores e a população, perde o País e ganham, de facto, os grandes grupos económicos. O desenvolvimento do País não se consegue com a economia e a vida nacional submetidas, como no passado, aos interesses de um número reduzido de grandes grupos económicos associados e dominados pelas multinacionais. Cada vez há mais e mais fundadas razões a mostrar que é necessário interromper este processo.
Há outro caminho. Uma economia mista, com a articulação dos vários sectores económicos, com um sector público forte, modernizado e dinâmico e em que o sector privado e o sector cooperativo têm um importante papel.
O desenvolvimento de Portugal, a elevação da qualidade de vida dos portugueses, uma política de emprego e de garantia dos direitos dos trabalhadores, a qualidade e acessibilidade dos serviços públicos, a correcção das assimetrias regionais, só são possíveis com um forte e eficaz sector público.
A acção contra as privatizações em defesa do sector público é um combate a travar no presente, mas que não se esgota no desfecho imediato de cada processo de privatização. É um combate de futuro, como a existência e papel dum forte e eficaz sector público é uma questão essencial do futuro, incontornável na luta por uma nova política e uma alternativa democrática, componente essencial de uma democracia económica, política, social e cultural, factor de garantia da soberania nacional.