2ª Sessão Legislativa

...Continua a política de direita

Por Octávio Teixeira
Membro da Comissão Política
e Presidente do Grupo Parlamentar




A sessão legislativa de 1996/97 reconfirmou dois traços essenciais da situação política actual: primeiro, o de o PS no Governo ter abandonado princípios e convicções que se possam caracterizar de esquerda e prosseguir, em tudo o que é fundamental e estruturante, políticas e orientações da direita; segundo, o facto de o Governo do PS e de António Guterres se preocupar fundamentalmente com cenas e cenários de dramatização artificial da vida política em prejuízo da preocupação exigível com a resolução dos problemas económicos e sociais de Portugal e dos portugueses.

Exemplos significativos de uma política de direita

O balanço da actividade política e legislativa da Assembleia da República (AR) nesta sessão legislativa fornece numerosos e significativos exemplos que confirmam aqueles traços essenciais.

Assim, é um facto indesmentível que a grande (única?) linha de orientação política do Governo é a do enfeudamento do País à moeda única, exactamente aquilo que foi a primeira prioridade dos Governos do PSD e de Cavaco Silva. Por isso vimos na AR o Orçamento do Estado para 1997, o "orçamento da moeda única" como o caracterizaram o Governo e o PS, ser aprovado com o apoio do PSD e do CDS/PP.

Também por isso vimos durante esta sessão legislativa debates políticos de profunda convergência entre o PS e o PSD em tudo o que teve a ver com a moeda única, incluindo a votação de resoluções conjuntas desses dois partidos.

Mas esta convergência entre o PS e o PSD, e do CDS/PP, não se manifestou apenas quanto à moeda única.

Ela foi especialmente visível, igualmente, em outras matérias de grande significado político para o presente e futuro da vida portuguesa.

Desde logo a revisão constitucional. Que se iniciou com o desavergonhado acordo entre o PS e o PSD, feito fora da AR. E que, fundamentalmente, se reveste da maior gravidade política para o futuro da democracia portuguesa. Porque o que de essencial caracteriza a revisão constitucional são velhas aspirações da direita portuguesa, do PSD e do CDS/PP. Aspirações que, só agora, com o PS maioritário na AR, a direita conseguiu concretizar! Nomeadamente, a alteração do sistema eleitoral para a AR, do universo eleitoral para a eleição do Presidente da República e da formação dos executivos camarários e a desconstitucionalização de matérias estruturantes do sistema político. Mas também alterações que apontam para um sistema parafederal do Estado português, que eliminam a obrigatoriedade de existência de um sector público na economia portuguesa, que ameaçam maiores restrições ao exercício do direito de greve.

Por outro lado, a regionalização administrativa do País. Mais uma vez desfazendo em pó as suas promessas eleitorais e as posições assumidas ao longo de anos enquanto oposição, o PS aliou-se ao PSD e ao CDS/PP para atrasar e dificultar o processo de regionalização e mesmo, eventualmente, inviabilizar a instituição em concreto das Regiões.

Em muitos outros processos legislativos se verificou a grande convergência do PS com o PSD e o CDS/PP em políticas de direita. Por exemplo, no processo de privatização de empresas públicas e no desmantelamento de serviços públicos, na concessão de benefícios fiscais às empresas e operações financeiras, na aprovação da lei das propinas, etc., etc..

E essa convergência do PS com o PSD e CDS/PP verificou-se, também, quando se tratou de rejeitar projectos e medidas concretas positivos para os portugueses, e em particular para os trabalhadores, apresentados pelo PCP.

Desde logo, e como um exemplo significativo, a rejeição do projecto de lei sobre a clarificação de conceitos atinentes à duração do trabalho, que visava fazer cumprir, por todas as empresas, a obrigatoriedade legal de redução do horário semanal de trabalho. Mas também a rejeição dos projectos de lei do PCP sobre a interrupção voluntária da gravidez, do apoio ao associativismo, da acção social escolar no ensino superior, da criação de uma rede pública de educação pré-escolar, etc..

As leis positivas foram propostas pelo PCP

É certo que também houve a aprovação de algumas leis positivas no seu conteúdo, com origem quer em propostas de lei do Governo quer em projectos de lei apresentados pelo PCP. Destas últimas podemos recordar, como exemplos, a alteração da legislação de combate à droga, o reforço dos direitos das Associações das Mulheres, a regulamentação da actividade de transporte de doentes por corpos de bombeiros, o contrato de trabalho a bordo das embarcações de pesca, o estatuto dos trabalhadores-estudantes ou a igualdade entre homens e mulheres no acesso ao emprego.

Todas elas são leis positivas, que o PCP se orgulha de ter proposto e feito aprovar. Mas não podem esconder uma realidade insofismável: é que nas questões centrais e estruturais, as leis que foram aprovadas e rejeitadas decorreram da convergência política entre o PS e os partidos de direita, resultaram da convergência do PS e do Governo com a política de direita.

O cenário das crises virtuais

O segundo grande traço da sessão legislativa foi, como referi inicialmente, o da tentativa, recorrente, de dramatização artificial da vida política por parte do PS e do Governo. Com o pretexto da lei das finanças locais, da rejeição da proposta de lei do Governo dos "cortes de estrada", ou de qualquer outro motivo. Sempre com uma ideia central veiculada pelo Governo e pelo PS: a alegada "convergência negativa" do PCP com o PSD e o CDS/PP para obstruir e impedir que o PS e seu Governo pudessem governar.

Bem ao estilo, também aqui, do PSD e dos Governos de Cavaco Silva. Quando estes, falsamente, lançavam a tese das "forças de bloqueio", agora o PS, também falsamente, acenam com o papão das "convergências negativas". O "deixem-nos trabalhar" de Cavaco Silva foi agora substituído pelo "as oposições impedem-nos de governar" de António Guterres.

Mas nada disto tem qualquer sustentação possível na realidade dos factos: durante dois anos, apenas 4 propostas de lei do Governo foram rejeitadas pela conjugação de votos dos partidos da oposição! E, entretanto, o Governo viu aprovadas cerca de 70 das suas propostas!

A verdade foi outra, e bastante diferente. A verdade é que o PS e o Governo criaram cenários de crises virtuais para tentar esconder os seus entendimentos profundos com a direita, para tentar escamotear a sua política de direita. Porque essa é que foi, e continua a ser, a grande questão.

O Governo não governa à esquerda, não promove políticas de progresso económico e social para o País e para os portugueses, porque o Governo e o PS não querem. Porque para governar à esquerda, para fazer aprovar propostas de lei minimamente progressistas, nunca faltou, nem faltará, o voto do PCP. Ninguém impediu o Governo do PS de governar. O que impediu o Governo do PS de governarem bem foi o facto de estar unicamente apostado em realizar uma política idêntica, nos seus traços fundamentais, à política praticada pelos governos do PSD.

O PS é o que é...

Um outro traço desta sessão legislativa que me parece de realçar, é o de termos assistido com frequência a "divisões" no seio do Grupo Parlamentar do PS sobre variadas matérias, inclusivamente quanto a algumas alterações à Constituição.

É evidente que essas divisões, mostram, elas próprias, que há deputados do PS que igualmente consideram que o seu Governo está a praticar políticas demasiado à direita. Mas também é verdade que essas "divisões" nunca impediram que as leis e políticas de direita do Governo fossem aplicadas... O que chama a atenção para uma questão política que não pode ser menosprezada: é a do PS pretender mostrar que contém em si um "lado mau" mas também um "lado bom". Que o PS pratica políticas de direita mas que é um partido de esquerda. Que o PS é, ao mesmo tempo, Governo e oposição ao Governo.

Ora, a realidade não é essa. O PS, em termos de orientação e actividade políticas, é aquilo que o seu Governo é! É isso e nada mais do que isso. E mostrou-o claramente durante esta sessão legislativa, no Governo e na AR. O Governo e o PS governaram e legislaram pela direita e para a direita.

Este é que foi o "busílis" da questão, nesta e na anterior sessões legislativas. E continuará a ser esse o grande problema na próxima sessão. Continuará a ser a grande questão enquanto a política seguida for uma política de direita.

Pela parte do PCP, mantivemo-nos nesta sessão legislativa tal qual nos apresentámos na anterior e nos apresentaremos na próxima: situamo-nos à esquerda, cooperaremos sempre com quem siga o mesmo caminho e combateremos sempre quem capitule perante a direita!


«O Militante» Nº 230 de Setembro/Outubro de 1997