ABERTURA

Esclarecer. Alargar a esquerda




Primeiro vieram os "fins" e depois vão aparecendo os "únicos".

O "fim da luta de classes" já surgiu há muito tempo. Em 1989, um alto funcionário dos EUA, Francis Fukuyama, proclama o "fim da história" e, entretanto ou pouco depois, salta o "fim das ideologias". Todos estes "fins" têm um objectivo claro. Que não tenha fim o que defendem, o que lhes serve, o que lhes interessa.

O "pensamento único" vem depois, a rematar os "fins".

São tudo variações impostas pelo neoliberalismo, pela concepção actual de um capitalismo que se considera vitorioso e que, assente na intensificação da exploração dos trabalhadores e no aumento do poder e do domínio das grandes transnacionais, procura influenciar a humanidade minimizando os valores da verdade, da liberdade, da solidariedade, da própria soberania e identidade dos povos, substituindo-os pelos antivalores da mentira, da sujeição, do individualismo e da competitividade, da motivação fundamental do lucro.

Mas a vida não tem confirmado nem confirmará um tal caminho. Bem ao contrário.

As lutas dos trabalhadores e de outras camadas da população, desprotegidas, sacrificadas, não monopolistas, não pararam, alargam-se a novos países, surgem por todos os lados.

Os povos continuam a defender a sua liberdade e independência. A ideia de uma sociedade não baseada na exploração do homem pelo homem, de uma sociedade que defenda e preze os valors humanistas, não se perdeu. Alarga-se e renasce.

A luta do povo cubano contra a política imperialista dos EUA, que pretende destruir esse "terrível" exemplo para todos os povos da América Latina e não só, é particularmente esclarecedora. Como o é também, em outras cicunstâncias, a luta do povo de Timor Leste, não só contra o regime terrorista da Indonésia, mas contra todos os que, entre a justiça e o lucro, nunca escolhem a primeira.

O neoliberalismo marca a prática política de quem governa em muitos países. Não sem contestação. Não sem dificuldades.

Na União Europeia, os quinze governos defendem políticas que não têm, em geral, diferenças importantes. É verdade que a Dinamarca não se tem sujeitado a diversas imposições da UE. Também o Governo sueco não se propõe entrar para a moeda "única". Mas a razão dessa posição baseia-se simplesmente no conhecimento que o Governo tem que a maioria da população não o deseja e não quer ser derrotado num referendo. Aliás, a opinião contra a moeda "única" cresce mesmo nos países mais ricos e poderosos. Até entre dirigentes há já quem defenda pelo menos o seu adiamento.

O recente Governo francês, que inclui membros do PCF, tomou posições políticas não coincidentes com as dos outros governos. Por exemplo, travou imediatamente certas privatizações e tomou algumas medidas para a diminuição do desemprego. Entre os outros governos é difícil descobrir divergências, quer os partidos que os constituem sejam socialistas (a grande maioria) ou não.

O PS em Portugal, como o Partido Trabalhista, agora a dirigir o Reino Unido, como os outros partidos ditos socialistas ou social-democratas no resto da comunidade europeia, defendem claramente o neoliberalismo. O pensamento socialista, como os correspondentes objectivos e políticas, nada têm com esses partidos.

Tem sido a política neoliberal levada a cabo pelos diversos governos portugueses que conduziu a nossa economia a uma situação muito delicada. Uma agricultura em grave crise, uma situação nas pescas igualmente péssima e uma industrialização em verdadeiro retrocesso. Socialmente, Portugal mantém índices que se situam, quase sempre, atrás de todos os outros países da UE. O Governo de Guterres não correspondeu, de modo algum, às promessas que tinha feito.

A decepção de muitos que, em 95, votaram no PS para derrotar o PSD é crescente.

Uma análise da situação política e social no nosso País foi feita na reunião do Comité Central que teve lugar em 28 de Junho. Como habitualmente, o Comunicado aprovado pelo CC - Prosseguir a luta, preparar as autárquicas - é publicado no final deste número e para ele chamamos a atenção de todos os nossos leitores.

Nesse documento foram destacadas, em primeiro lugar, a continuidade de uma política cujo objectivo fundamental é a adesão à moeda única, política que está, naturalmente, a conduzir quer à realização e intensificação de novas privatizações, quer à desresponsabilização das funções sociais do Estado, quer a uma maior exploração dos trabalhadores.

Em segundo lugar, a diversão para confrontos virtuais e ameaças de eleições antecipadas, com o objectivo de desviar a atenção dos verdadeiros e graves problemas existentes e da semelhança da política actual com a anterior do PSD.

Em terceiro lugar, a utilização de uma ampla propaganda enganadora e de uma intensa actuação eleitoralista por parte de membros do Governo e de Governadores Civis.

Entre as outras questões que foram levantadas, fazemos aqui referência ao anúncio de uma reforma fiscal que não aponta para a indispensável modificação da base fundamental para a recolha de impostos, que são os trabalhadores por conta de outrem, à situação em Timor, que teve, já, posteriores desenvolvimentos, e ao alargamento da NATO, que é exactamente o caminho oposto ao da dissolução dos blocos militares, aos interesses da Paz.

O Comunicado do CC condena a política de privatizações.

Tal política, que foi iniciada em 1977, pelo Governo PS, exige uma maior atenção e esclarecimento pois trata-se de uma questão de fundamental importância seja em relação à destruição das grandes vitórias alcançadas com a Revolução dos Cravos, seja em relação à recuperação e restauração do capitalismo monopolista no nosso País.

Devemos lembrar que, nos nºs 220 e 221, de Jan.-Fev. e Mar.-Abr. do ano passado, foi publicado um extenso artigo (Considerações sobre o processo de privatizações), que dá uma panorâmica muito completa e esclarecedora sobre a política de privatizações do Governo Cavaco Silva. Mas, com o Governo do PS, as privatizações continuaram e até se intensificaram.

É grande parte do património do Estado que passa para as mãos do grande capital, muito dele estrangeiro, incluindo empresas que têm uma importância estratégica para o nosso desenvolvimento económico e social, para a defesa dos interesses nacionais. São centenas de milhões de contos que, anualmente, o Governo deixa de receber como lucros e como impostos. Como é dito no artigo que se publica neste número sobre as privatizções, ao contrário do que diz a intensa propaganda feita pelo Governo, não são os trabalhadores, nem as populações, nem o país que ganham com as privatizações. Todos eles perdem e muito. Quem ganha são os grandes grupos económicos, que vão criando condições para influenciar e dominar o próprio poder político.

Há razões fortes para acompanhar mais de perto o que se passa a este respeito. Voltaremos, por isso, a este tema.

Outro tema de grande importância é o da revisão da Constituição, que está já aprontada para aprovação no começo de Setembro.

Pode considerar-se o exemplo mais acabado da convergência entre o PS e o PSD, em que este conseguiu modificações que, até agora, o PS sempre tinha rejeitado. O escândalo é de tal ordem que dentro do próprio grupo parlamentar do PS se criaram divisões e mesmo personalidades como Mário Soares e Almeida Santos consideraram necessário mostrar o seu desacordo. Sabendo-se que, desde sempre (desde 1976, claro), a política do PS no Governo foi uma política de direita, o que se pode dizer é que, com Guterres, o PS ainda se deslocou mais para a direita.

O voto dos emigrantes na eleição do Presidente da República, a diminuição do número de deputados e as modificações no estatuto das Regiões Autónomas são particularmente referidas. Mas há outras alterações que subvertem questões principais no actual texto da Constituição e que são menos faladas, como as limitações do direito de greve, o deixar de ser obrigatória a existência de um sector público, a criação de círculos eleitorais uninominais, a retirada da Constituição do serviço militar obrigatório e outras.

A evidente convergência entre o PS e o PSD (que se alarga frequentemente ao CDS/PP) nas questões mais importantes que preocupam os portugueses, políticas, económicas e sociais, vai esclarecendo muitos trabalhadores, muitos elementos de outras camadas laboriosas, muita gente do nosso povo, de que o caminho não é forçoso que seja este.

Os protestos e lutas que se têm travado, que atingem uma grande variedade de sectores e áreas e se tornam conhecidos por muitos que não participam directamente, fortalecem a compreensão da situação que se vive actualmente no nosso País.

Cabe aos comunistas, a todos os activistas da CDU mas também a todos aqueles que compreendem a necessidade de alargar a unidade e a acção comum entre os portugueses que defendem os valores da esquerda, uma constante preocupação com o diálogo, com a informação, com o esclarecimento.

É necessário que se saiba dar especial relevo ao que une todos os que estão fartos de uma política de direita que se foi instalando e dominando especialmente a partir de Novembro de 1975.

A repartição do PIB (Produto Interno Bruto), cuja percentagem para o trabalho deu um pulo logo a seguir ao 25 de Abril e chegou a ultrapassar os 50%, passou a descer logo em 76 (com o Governo PS) e tem continuado sempre a descer desde então. O que tem subido, depois de 76, foi a percentagem daquela repartição que cabe ao capital. E isso define bem quais são os interesses que os sucessivos governos, desde 76 até hoje, têm defendido.

É necessário ter presente que em Dezembro vão realizar-se eleições autárquicas e que os seu resultados podem ser um sinal muito importante de viragem, de viragem à esquerda.

Saibamos, por todo o lado, fortalecer o Partido, alargar a CDU e ampliar a sua influência e atrair novos elementos e grupos que querem derrotar os partidos que têm sido responsáveis pela política de direita que há mais de 21 anos se instalou no Portugal de Abril.


«O Militante» Nº 230 de Setembro/Outubro de 1997