Comunicado do Comité Central

7 de Maio de 1997




O Comité Central do PCP, reunido em 7 de Maio, analisou e debateu aspectos fundamentais da situação política nacional e das tarefas e intervenção do PCP, sendo, a esse respeito, de destacar as seguintes apreciações e orientações:



Governo em sérias dificuldades, ascenso do descontentamento


O Comité Central considera como aspectos mais relevantes e significativos na evolução da situação política nacional nos últimos meses:

- o indiscutível alargamento na sociedade portuguesa da consciência de que o PS prossegue, e em muitos domínios agrava, as linhas essenciais da política de direita antes imposta pelo PSD, frustra claramente as aspirações e exigências de mudança de política que estiveram na base da sua vitória eleitoral, não responde aos problemas que mais afectam e preocupam os portugueses;

- a ampliação do descontentamento popular com a política governamental e o significativo desenvolvimento de um vasto movimento de protesto e de luta dos trabalhadores e de outros sectores sociais em defesa dos seus interesses e direitos, e que têm sido factores determinantes da sensível redução da base social de apoio ao Governo, das dificuldades e conflitos dentro do próprio PS, e da desorientação e profundo desgaste da imagem e credibilidade do seu Governo;

- a confirmação do PCP como a principal força de real oposição à política do Governo e como o mais destacado protagonista da luta por uma política democrática alternativa, num quadro político em que as patentes convergências entre PS, PSD e PP nas questões mais decisivas no plano social, económico e político, estão favorecendo um crescente movimento de atenção, interesse e apreço pelas posições e intervenção do PCP.



Um rumo preocupante, uma política que não serve


O Comité Central reafirma a sua apreciação de que os grandes eixos da política adoptada pelo PS e pelo seu Governo, traduzindo uma ainda mais descarada subordinação aos interesses do grande capital, apenas perspectivam o agravamento - de imediato ou a prazo - dos principais problemas estruturais do País e da sociedade portuguesa.

O sacrifício dos direitos de quem trabalha e do aparelho produtivo nacional no altar da marcha alucinada para a Moeda Única; a transferência para as mãos do grande capital nacional e estrangeiro de valioso património público, através do brutal e acelerado processo de privatizações de empresas do Estado e de serviços públicos; o reforço da exploração dos trabalhadores, a extensão do desemprego declarado e oculto e a ampliação da precariedade e da insegurança no emprego; a obstinada recusa de uma política de melhoramento dos salários, do poder de compra e das condições de vida da população; a ofensiva, gradualista mas friamente planeada e notoriamente inspirada pelas concepções neoliberais, com vista à redução dos direitos sociais, designadamente nas esferas da segurança social, da saúde e da educação; os acordos estabelecidos entre PS e PSD para uma revisão constitucional que, a ser concretizada nesses termos, representaria um sério golpe em componentes fundamentais do regime democrático-constitucional - constituem, a par de outros elementos, um rumo extremamente negativo para o País e em tudo contrário ao seu progresso e desenvolvimento, à afirmação e defesa da soberania nacional, ao fortalecimento da democracia, à justiça social, ao respeito e valorização de quem trabalha, à construção de uma vida melhor para o povo português.



Arrogância e propaganda


O Comité Central sublinha que, a par de um estilo cada vez mais arrogante e de patentes operações de desresponsabilização, um dos principais traços caracterizadores da atitude política do Governo e do PS é o da propaganda e da publicidade enganosas, precisamente para tentar iludir a opinião pública e fugir ao debate sério da sua política e dos respectivos resultados.

Nesta linha de orientação táctica se inserem as regulares encenações de duelos verbais com o PSD e o PP para esconder a natureza das políticas de direita que o Governo prossegue, nomeadamente em relação à União Europeia, às privatizações e aos direitos dos trabalhadores, e os acordos em torno dos Orçamentos do Estado e da revisão constitucional; a tentativa de responsabilizar a Assembleia da República pela inacção do Governo ou a arrogante e estulta suspensão da concessão de avales do Estado como represália contra a Assembleia da República, por esta criticar e desnudar a ilegalidade do aval à UGT; a propaganda sobre o crescimento económico, escamoteando a sua não sustentabilidade e visando criar a ilusão de um oásis virtual, em que o crescimento se não reflecte na diminuição do desemprego e na melhoria das condições de vida dos trabalhadores; a publicidade enganosa sobre a aplicação das 40 horas e sobre o pretenso aumento do emprego... nos isolados agrícolas; o persistente recurso à publicidade paga e enganosa para procurar criar uma envolvente popular favorável à privatização de empresas e desfavorável a greves e movimentos de luta popular; assim como a propaganda sobre uma hipotética melhoria das prestações familiares para as camadas sociais de menores rendimentos, omitindo voluntariamente os valores dessas prestações e catalogando na camada média/alta da população uma família vivendo com dois salários mínimos; do mesmo modo a propaganda sobre as alegadas, mas nunca concretizadas, vontade e determinação para avançar com a regionalização.



Resposta do PCP à demagogia do PS sobre a regionalização


A respeito da regionalização, o Comité Central do PCP considera que o comportamento do PS nesta matéria e, designadamente, as suas sucessivas cedências ao PSD e ao PP, legitimam a suspeita de que, no pensamento reservado dos principais dirigentes do PS, a regionalização já foi metida na gaveta. E que apenas procuram usar a regionalização como bandeira de conveniência, nomeadamente até às autárquicas, e encontrar a melhor forma de sacudir para outras forças políticas as suas próprias responsabilidades pela inviabilização nesta legislatura desta importante reforma democrática.

O Comité Central entende oportuno reafirmar duas ideias essenciais:

A primeira é a de que as previsíveis dificuldades de concretização ou o provável congelamento da regionalização decorrerão essencialmente do propósito do PS, em aliança com o PSD e o PP, de inscrever na Constituição a obrigatoriedade de sujeitar a concretização da regionalização a dois referendos prévios, passíveis aliás de serem invalidados por uma abstenção superior a 50%.

Isto significa que, a partir do momento em que for aprovada a alteração constitucional acordada entre PS, PSD e PP, a concretização da regionalização poderá ficar indefinidamente adiada, ou por razões de táctica partidária, ou por dificuldades de calendário e conjuntura política, ou por inexistência de maioria parlamentar para aprovar quer a lei orgânica do referendo quer a proposta concreta de perguntas a sujeitar a referendo.

A segunda é que o único compromisso que, nesta matéria, o PCP assumiu e assume perante o País, é o da criação e instituição em concreto das regiões administrativas no continente, pelas formas previstas nas normas constitucionais actualmente em vigor.

Fica assim claro que a definição de responsabilidades pela previsível inviabilização da regionalização far-se-á no momento da votação da revisão constitucional e não em qualquer outro momento ou situação posteriores.



Vale a pena lutar


O Comité Central salienta que o enfeudamento do Governo do PS à política de direita e a sua correspondente opção por alianças e entendimentos com o PSD e o PP não são nem um acidente nem uma situação conjuntural, mas sim um ponto muito avançado de toda uma trajectória política e ideológica marcada por uma continuada vinculação às ideias e interesses do grande capital e por uma sistemática abdicação dos ideais e valores de esquerda.

É, entretanto, indispensável assinalar que a solidez dos compromissos do PS com a política de direita e a evidente determinação em a prosseguir não poderão significar que aos trabalhadores, aos democratas, aos eleitores portugueses, restaria apenas esperar pelas próximas eleições legislativas para então castigar justamente o PS.

O Comité Central chama a atenção para o facto de, designadamente com eleições autárquicas à porta, o PS não poder ser insensível ao descontentamento popular e a uma forte erosão da sua base social e eleitoral de apoio, o que cria ainda melhores condições para o êxito dos movimentos e lutas reivindicativos por objectivos concretos e para novos avanços na luta para travar e derrotar as ofensivas que o Governo do PS já tem em curso e prepara para o futuro próximo.

No quadro das múltiplas tarefas e dos exigentes esforços que a situação política nacional coloca ao Partido, às suas organizações e militantes, o Comité Central destaca a particular importância, a par da tarefa prioritária e decisiva da preparação das eleições autárquicas, da dinamização e intensificação da luta de massas contra as privatizações e a política de direita do Governo, da luta contra uma revisão constitucional na base do acordo PS-PSD, da campanha contra a Moeda Única e pela realização de um referendo nacional sobre este gravíssimo passo na integração europeia.



Ampliar a luta de massas


O Comité Central do PCP valoriza o crescendo de acções de massas verificado nos últimos meses e muitas outras já com data marcada que, abrangendo uma grande diversidade de sectores (trabalhadores, professores, estudantes, agricultores, etc.), afrontam a continuidade da política de direita, evidenciam uma enorme disposição de luta e atestam a derrota do Governo nos seus objectivos de adormecimento do movimento popular e de confinar os cidadãos ao conformismo e à resignação.

Sinais maiores dessa vontade de lutar foram as comemorações do 25 de Abril e as grandes manifestações do 1º de Maio. Como são traços relevantes da situação social o desmascaramento e descrédito da UGT e o reafirmado prestígio e importância da CGTP-IN na sociedade portuguesa, bem como os avanços das posições unitárias em inúmeras eleições em organizações de trabalhadores, de que se destaca a significativa vitória da lista integrada por comunistas e elementos do PS no Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas.

Neste quadro, a luta em torno do horário de trabalho continua a constituir uma questão central para os trabalhadores e o movimento sindical unitário. Há que valorizar os êxitos alcançados e prosseguir as acções, considerando que, tanto o Governo como as confederações patronais, com o conluio da UGT, persistem na abusiva interpretação do conceito de horário de trabalho. A discussão e votação, a 15 de Maio, do Projecto de Lei do PCP, constitui um valioso contributo para a luta que vai ter, inevitavelmente, novos desenvolvimentos com as tentativas de aplicação da Lei da Flexibilidade e Polivalência e a gestão e organização dos horários de trabalho.

O Comité Central do PCP, afirmando as potencialidades existentes para a ampliação da luta de massas, destaca o seu papel essencial para defender os interesses mais imediatos da classe operária, dos trabalhadores e de outras camadas sociais (pelo emprego, contra os despedimentos, por melhores salários e pensões, em defesa dos direitos e da segurança social, pelo ensino e a sua qualidade, contra as propinas) e para derrotar a política de direita do Governo PS.



Defender a Constituição


O Comité Central sublinha a extraordinária importância de dar, a curto prazo, um novo e vigoroso impulso à batalha política contra a perigosa revisão constitucional ensejada pelo vergonhoso acordo celebrado entre o PS e o PSD.

A vasta indignação e as fortes críticas que a celebração deste acordo e o seu conteúdo fundamental suscitaram em sectores democráticos muito diversos, incluindo no seio do próprio PS, são um claro indicador de que, ao invés de qualquer atitude resignada ou fatalista face à consumação daquele acordo, existem pelo contrário condições muito favoráveis para o desenvolvimento nos próximos meses, designadamente em Junho e Julho, de um amplo e combativo movimento de opinião e de luta em defesa da Constituição.

Com a justa convicção de que é imperioso - e é possível - fazer fracassar os planos do PS e PSD para atentarem contra a democraticidade do sistema eleitoral para a Assembleia da República e para as autarquias, contra a unidade do Estado, contra os direitos dos trabalhadores e contra aspectos nucleares da Constituição económica e social.



Moeda Única não, referendo sim!


O Comité Central do PCP reafirma a sua oposição a uma revisão do Tratado de Maastricht que possa acentuar uma União Europeia federal, comandada por um núcleo reduzido de grandes países e conforme os interesses do capital transnacional. Em particular, opõe-se aos projectos que pretendem institucionalizar esse núcleo, reduzir o número de comissários, alterar a ponderação de votos no Conselho e eliminar a rotatividade da presidência, legalizando a existência de países de primeira e de segunda na União Europeia. E será completamente inaceitável que essas alterações possam, como alguns sugerem, vir a ser aprovadas por troca com a garantia da nossa presença no primeiro pelotão da Moeda Única.

O Comité Central do PCP denuncia a demagogia dos que, afastando da revisão do Tratado uma mudança de rumo nos processos da União Económica e Monetária (UEM) e da Moeda Única, enquanto reforçam as orientações neoliberais e monetaristas da Comunidade, aparecem a propor a inclusão no Tratado de um capítulo sobre o emprego e do Acordo relativo a Política Social. Isto é a tentativa de ocultar, com piedosas intenções, as gravosas consequências decorrentes da Moeda Única em matéria de emprego, salários, direitos sociais, que sabem serão intensificadas.

O Comité Central reclama uma alargada intervenção e debate sobre as posições que o Governo tenciona adoptar na Cimeira de Amsterdão, marcada para 16 e 17 de Junho, em que deverá ser aprovada a revisão do Tratado de Maastricht e o Pacto de Estabilidade, chama a atenção para a importância e significado do Comício Internacional promovido pelo PCP, a realizar em 24 de Maio, «Pelo emprego com direitos e por uma Europa de progresso social, paz e cooperação», apela à intensificação da sua campanha em curso contra a Moeda Única e pela realização de um referendo nacional sobre essa matéria.



Com confiança, a caminho das eleições autárquicas


O Comité Central salienta o dinamismo e o clima de confiança com que, no âmbito das organizações do Partido e das estruturas da CDU, estão a desenvolver-se positivamente as tarefas de preparação das eleições autárquicas do final do ano, como se testemunha pelo avanço na apresentação de candidatos e elaboração de listas. Neste aspecto, destaca-se não só a participação de muitos homens e mulheres militantes do Partido, como muitos independentes que participam pela primeira vez na CDU. Avulta também a elaboração de programas eleitorais de forma aberta e participada e a realização em todo o País, e com larga participação, de centenas de actividades e iniciativas públicas de informação, debate e esclarecimento. Avulta ainda o facto de se estarem a registar resultados positivos na campanha dos 200 mil contos, a decorrer até ao final do ano, para reunir os recursos necessários para uma activa e bem sucedida campanha eleitoral. É testemunho desse facto terem sido recolhidos 30 mil contos nos dois primeiros meses.

Neste quadro, o Comité Central salienta a necessidade de, no prosseguimento do valioso trabalho já desenvolvido, ser prestada uma particular atenção à concretização das orientações aprovadas pela recente Conferência Nacional sobre o Poder Local e as Eleições Autárquicas.

E apela a uma activa e empenhada preparação, por parte das organizações e militantes do Partido, da Jornada Nacional de Esclarecimento que a CDU vai promover em todo o País, de 30 de Maio a 8 de Junho, e que, com uma vasta participação de eleitos no poder local e candidatos, deverá constituir uma marcante acção de contacto directo com as populações e assegurar uma forte afirmação local e nacional da CDU, da sua obra no poder local e do seu projecto e propostas para as próximas eleições.



Reforçar o PCP, virar à esquerda


Apesar das consideráveis dificuldades causadas por uma mediatização da vida política, que tende a valorizar o que é mais superficial, mais espalhafatoso e efémero, apesar de discriminações e preconceitos de que o PCP continua a ser alvo, apesar da quase inexistência - que é particularmente vantajosa para o Governo - de debates televisivos interpartidários, de composição efectivamente pluralista, sobre os grandes problemas nacionais, crescem os sinais na sociedade portuguesa de uma nova corrente de opinião que não só reconhece o papel indispensável do PCP e a importância da sua intervenção, mas que se aproxima dos grandes valores e causas que, de forma absolutamente singular, o PCP está protagonizando neste período da vida nacional.

Mantendo uma firme atitude de resistência frontal ao dogmatismo do «pensamento único», que quer que os interesses e os ditames do capital financeiro desapropriem o conteúdo da soberania popular e da democracia; procurando assegurar, ainda mais ampla e eficazmente, uma intervenção do PCP e das suas organizações próxima dos problemas e das aspirações do povo português; procurando, com decidida abertura, o diálogo e a acção comuns com outros democratas; valorizando sempre, e mais e mais, o espírito crítico e a intervenção activa dos trabalhadores e dos cidadãos na defesa dos seus direitos e interesses e na reclamação de uma nova política; divulgando mais amplamente as suas múltiplas propostas construtivas para a solução dos problemas nacionais, em constante demonstração de que há alternativa para a política de direita; o PCP tudo fará para honrar a confiança e as esperanças do número crescente dos portugueses que compreendem que é necessária uma viragem à esquerda na política nacional e que é um mais amplo e expressivo apoio ao PCP que melhor pode favorecer essa viragem.


«O Militante» Nº 229 de Julho/Agosto de 1997