Notas e Comentários

Sobre a hipocrisia




Os acontecimentos que ultimamente tiveram lugar no Zaire, agora República Democrática do Congo, levaram muitas personalidades políticas bem como analistas e «fazedores de opinião», quer nacionais quer de outros países a verberar o comportamento de todos aqueles que, ao longo de dezenas de anos, receberam, apoiaram, elogiaram o ditador Mobutu que, depois de ter armazenado uma fortuna colossal à custa da exploração dos trabalhadores e da miséria do povo, foi finalmente corrido pela força das armas. Muito se empregou, a este propósito e com muito fortes razões, a palavra hipocrisia.

Segundo o que consta, Mobutu possui grandes vivendas ou palacetes em muito diversos países. Em Portugal, por exemplo.

Todos aqueles que criticaram, agora, tão asperamente, os hipócritas, sabem perfeitamente que Mobutu foi posto à frente do Zaire pela mão dos governos dos países chamados ocidentais e das grandes empresas transnacionais que os apoiam ou dirigem. Destacam-se naturalmente a França, a Bélgica, os Estados Unidos e outros. No Zaire, «felizmente» para Mobutu, não havia problemas que ferissem as sensibilidades particularmente devotadas ao respeito pelos direitos do homem.

Se a guerra em Angola se prolongou tantos anos e tantas tragédias causou, muito se deve ao papel de Mobutu, isto é, dos que o apoiavam nesse papel. A base de Kamina, no sul do então Zaire, era um ponto fundamental para o treino e para o abastecimento em armas da Unita, de Savimbi. Os dirigentes americanos não desconhecem isso... Os portugueses amigos de Savimbi também não...

Quantos daqueles que verberaram a hipocrisia terão feito a sua autocrítica?

E não haverá mais Mobutus? Era bom que fosse verdade. Mas não é.

Só dois exemplos, muito diferentes, porque a lista é quase infinita.

Lembram-se que Pinochet tornou-se ditador no Chile após um golpe militar mais que apoiado pelo Governo dos Estados Unidos? Pinochet ainda se mantém como chefe incontestável das forças armadas chilenas.

E Suharto? O respeito pelos direitos do homem na Indonésia não preocupa os senhores dos poderosos países «ocidentais»?

Não será exactamente a hipocrisia uma das bases mais importantes da política levada a cabo por esses poderosos países?


«O Militante» Nº 229 de Julho/Agosto de 1997